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in Revista Internacional de Folkcomunicação
Editorial RIF
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Editorial RIF
Em uma sociedade marcada pelo racismo, que se desdobra em uma série de violências físicas e simbólicas, torna-se fundamental refletir sobre a cultura, as lutas e as resistências do povo negro. Com o propósito de ampliar o conhecimento sobre o tema, focalizando os processos comunicacionais, a Revista Internacional de Folkcomunicação (RIF) publica o dossiê “Cultura negra e manifestações folkcomunicacionais”, organizado pelas professoras Dra. Dyane Brito Reis (UFRB), Dra. Renata Castro Cardias (FATEC São Roque) e Dra. Karina Janz Woitowicz (UEPG).
No marco dos 25 anos da criação da Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação e dos 20 anos da Revista Internacional de Folkcomunicação, comemorados neste ano de 2023, registra-se a contribuição dos estudos folkcomunicacionais na análise crítica dos fenômenos socioculturais da atualidade e na formulação teórica em torno de temas e objetos que envolvem a comunicação dos grupos marginalizados, na perspectiva da teoria formulada por Luiz Beltrão.
A cultura negra e os ativismos antirracistas ocupam lugar central no enfrentamento às práticas de opressão e discriminação presentes na sociedade brasileira, merecendo atenção de pesquisadores e pesquisadoras da área. Por isso, a proposta do dossiê converge com a escolha do tema da XXI Conferência Brasileira de Folkcomunicação, que ocorre em agosto na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia em Cachoeira/BA, reunindo estudiosos, ativistas e mestres populares que se dedicam à valorização da cultura negra no país.
O presente dossiê oferece um conjunto de nove artigos que abordam diferentes aspectos da cultura e da comunicação associados às questões de raça, tais como manifestações tradicionais, religiosidade, práticas de resistência ao racismo, análises da mídia e registros da organização do movimento negro em diferentes períodos, lugares e contextos.
No artigo “Arte Contemporânea e Candomblé: uma semiótica, um diagrama da cultura afro-brasileira”, Fábio Parode e George Ulysses apresentam os aspectos simbólicos presentes nos terreiros, apontando a ancestralidade africana como parte de uma estética do candomblé em que se manifestam as resistências do povo negro. Em “Princesas e rainhas pretas na literatura de cordel: expressões da negritude contra a invisibilidade de um protagonismo negro”, Alberto Magno Perdigão discute o protagonismo das mulheres negras nos folhetos informativos de cordel. Ao analisar as rainhas e princesas negras do período da escravidão, o autor reconhece a visibilidade e a afirmação identitária das personagens como traços presentes na literatura popular.
A publicidade de causa é problematizada por Vitor Lopes Resende e Rogério Luiz Covaleski no artigo .O Antirracismo como estratégia de marca: o posicionamento do Carrefour em confronto com a prática cotidiana”, que apresenta uma abordagem crítica da marca global Carrefour em relação ao combate ao racismo. Já as apropriações da mídia massiva por ativistas da cultura negra é tema do artigo “Estratégias Folkmidiáticas para a Propagação da Identidade Cultural Negra”, de Thífani Postali. No texto, compositores e cantores de hip hop com projeção massiva são caracterizados como propagadores da identidade cultural negra que se contrapõem aos discursos hegemônicos.
Marcílio de Souza Vieira recuperam as origens do samba como um produto marginalizado pelas elites devido às suas raízes negras e periféricas e demonstram a sua conversão em um símbolo da identidade nacional. A festa do Divino Espírito Santo em São Luís (MA), por sua vez, é foco do artigo “Divinas imagens, (re)existências e cuidados ao festejar o Espírito Santo em tempos de pandemia”, de Gerson Carlos Pereira Lindoso, Fabíola Fernanda Dominici Sampaio e Lucas Vinicius Lima Coimbra. Os autores registram as formas de celebração e resistência dos povos de matriz africana durante o período pandêmico e a importância da manutenção dos seus rituais.
O diálogo entre passado e presente pode ser identificado no artigo “A alteração da dinâmica comunicacional dos movimentos sociais com o advento da Internet: uma breve análise de alguns movimentos negros de Santa Catarina”, de José Carlos Fernandes e Felipe Cardoso, que aborda a comunicação interna do Núcleo de Estudos Negros (NEN) de Santa Catarina em diferentes gerações. A análise das políticas públicas voltadas à igualdade racial é tema do artigo “Planejamento e orçamento das políticas públicas para o desenvolvimento das comunidades quilombolas: uma análise sobre o Programa Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo”, de Suelene Ferreira de Souza Barbosa, Monica Franchi Carniello e Moacir José dos Santos. Com base na aplicação dos recursos previstos no Plano Plurianual 2016-2019, os autores constatam a necessidade do aprimoramento do referido programa para o fortalecimento da cultura negra e a valorização de comunidades quilombolas.
Para encerrar o dossiê, uma abordagem histórica identifica marcas racistas no discurso em torno da religiosidade. O texto “O I Congresso de Espiritismo de Umbanda (1941) e o discurso de desafricanização da umbanda: a gramática da repressão”, de Valquiria Barros, analisa narrativas acerca do branqueamento da religião como uma estratégia de legitimação da umbanda no início do século XX.
Além dos artigos que compõem o dossiê sobre cultura negra e manifestações folkcomunicacionais, a RIF traz também dois artigos gerais para compor a edição. “Cultura e Pandemia: Festejos de São João na cidade de Dom Basílio-Ba”, de Antônio Nolberto de Oliveira Xavier e Vicente de Paulo Silva Santos, apresenta uma análise sobre o projeto de intervenção artística intitulado "São João Vivo", que envolveu um concurso de ornamentação das casas durante as festividades de São João. O caráter festivo e a promoção da cultura local são destacados no estudo, contribuindo para refletir sobre o lugar da cultura em meio à pandemia de Covid-19.
O artigo “O protagonismo da tecnologia nos processos comunicacionais e a potencialização das desigualdades de acesso à internet no Brasil”, de Mara Fernanda De Santi e Maria Cristina Gobbi, por sua vez, problematiza as interrelações entre os problemas da vida real e do ambiente virtual no que se refere às desigualdades de acesso. Ao estabelecer um diálogo entre a teoria ator-rede e a noção de ativista folkmidiático, as autoras discutem as possibilidades de participação no campo midiático no contexto atual.
A entrevista que integra a edição, realizada por Rodolfo Rodrigues e Samuel Gomes de Melo em três etapas, nos anos de 2016 e 2018, se configura como uma homenagem póstuma ao artista popular Pedro Bandeira, falecido em 2020 aos 82 anos. Poeta repentista, cordelista, escritor, radialista e apresentador de TV, Pedro Bandeira, reconhecido como mestre da cultura do Ceará, expõe a herança dos cantadores com quem conviveu e as relações familiares que marcaram sua trajetória de repentista.
A RIF traz ainda um ensaio fotográfico de autoria do pesquisador Osvaldo Meira Trigueiro, composto de doze imagens acompanhadas de texto explicativo, sobre a Festa do Rosário de Santa Luzia e o Cortejo do Tope do Juiz, que contribui com a temática central abordada no dossiê. O trabalho reúne registros da pesquisa empírica realizada em diferentes períodos para documentar a celebração popular que ocorre no sertão da Paraíba em referência à cultura negra. A mistura entre o sagrado e o profano, assim como os aspectos religiosos e folclóricos presentes nos rituais, conferem características próprias às festividades de Santa Luzia.
Para fechar a edição, Bruna Castelo Branco apresenta uma resenha do livro Política e Literatura de Cordel - O folheto como mídia informativa alternativa, popular e contra-hegemônica, do jornalista e professor Alberto Perdigão, publicado pela RDS Editora em 2022. Resultado de cinco anos de uma ampla pesquisa sobre literatura de cordel, o livro traz análises do campo político a partir o viés da Folkcomunicação.
Com as diversas contribuições registradas nos textos publicados na edição, convidamos para o diálogo e a reflexão sobre a cultura e a resistência negra e os demais temas e abordagens presentes na Revista. Boa leitura!
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Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución 4.0 Internacional.
Author
Dyane Brito Reis
Diretora do Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB (2020-2024), Brasil
Author
Renata Castro Cardias
Coordenadora de Projetos do Eixo Turismo, Hospitalidade e Lazer da Unidade de Ensino Superior do Centro Paula Souza e docente do Curso de Gestão de Turismo da Fatec São Roque e São Paulo., Brasil
Author
Karina Janz Woitowicz
Professora Dra. do Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Editora executiva da Revista Internacional de Folkcomunicação. Bolsista de produtividade em Pesquisa pelo CNPq., Brasil