Caderno Temático

A JORNADA DE TRABALHO NO DISTRITO FEDERAL COMO ELEMENTO CONDICIONANTE PARA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

THE WORK JOURNEY IN THE FEDERAL DISTRICT AS A CONDITIONING ELEMENT FOR THE VALORIZATION OF TEACHING WORK

LA JORNADA DE TRABAJO EN EL DISTRITO FEDERAL COMO ELEMENTO CONDICIONANTE PARA VALORIZACIÓN DEL TRABAJO DOCENTE

Danyela Martins Medeiros
Universidade de Brasília, Brasil
Shirleide Pereira da Silva Cruz
Universidade de Brasília, Brasil

A JORNADA DE TRABALHO NO DISTRITO FEDERAL COMO ELEMENTO CONDICIONANTE PARA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

Olhar de Professor, vol. 20, núm. 1, 2017

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 03 Março 2017

Aprovação: 03 Junho 2017

Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir sobre a organização da jornada de trabalho docente como um dos elementos constitutivos da valorização profissional em especial na jornada de trabalho docente no Distrito Federal. Reconhecemos alguns elementos que se articulam e encaminham para uma valorização docente. São eles: a formação inicial e permanente, carreira e jornada de trabalho compatíveis, condições adequadas de trabalho e salário que permita o exercício e o reconhecimento da profissão. Destacando o elemento jornada de trabalho, o que seria compatível, adequado, justo em termos de horas despendidas de trabalho do professor? Partimos da conceituação de jornada de trabalho na sociedade capitalista para entendermos suas consequências para a organização do trabalho docente. Utilizou-se a pesquisa documental com análise da legislação sobre a constituição da jornada de trabalho dos professores do Distrito Federal para entender como se constitui a jornada de trabalho do professor dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental neste sistema de ensino. Os resultados mostram que as leis distritais contemplam uma jornada de trabalho compatível com o que determina as leis nacionais, pois a jornada do professor do DF compreende 25 horas em regência e 15 horas em atividades extraclasse, esse período além da regência recebe o nome de “Coordenação Pedagógica”, institucionalizado desde 1996, que sinaliza para uma valorização docente no quotidiano. Mesmo que a jornada de trabalho do professor do DF comtemple expectativas de valorização docente, esse e outros elementos devem estar articulados com autonomia na realização do trabalho e de modo geral com a profissionalização por meio da formação continuada, enxergando o trabalho docente em sua totalidade.

Palavras-chave: Valorização docente, Jornada de trabalho, Coordenação Pedagógica.

Abstract: The objective of this work is to discuss the organization of the teaching workday as one of the constituent elements of the professional valorization, especially in the teaching workday in the Federal District. We recognize some elements that are articulated and lead to a teacher appreciation. They are: initial and permanent training, career and working day compatible, adequate working conditions and salary that allows the exercise and recognition of the profession. Highlighting the working day element, what would be compatible, adequate, fair in terms of hours spent on the teacher's work? We start from the conceptualization of a working day in capitalist society in order to understand its consequences for the organization of teaching work. We used the documentary research with analysis of the legislation on the constitution of the working day of the teachers of the Federal District to understand how the working day of the teacher of the Initial Years of Elementary School in this system of education is constituted. The results show that the district laws contemplate a working day compatible with what determines the national laws because the day of the teacher of the DF comprises 25 hours in regency and 15 hours in extraclass activities, this period beyond the regency receives the name of "Coordination Pedagogical ", institutionalized since 1996, that signals to a valuation teaching in the daily life. Even if the work day of the DF teacher contemplates expectations of teacher valorization, this and other elements must be articulated with autonomy in the accomplishment of the work and in general with the professionalization through the continuous formation, seeing the teaching work in its totality.

Keywords: Teacher valorization, Working day, Pedagogical Coordination.

Resumen: El objetivo de este trabajo es discutir sobre la organización de la jornada de trabajo docente como uno de los elementos constitutivos de la valorización profesional en especial en la jornada de trabajo docente en el Distrito Federal. Reconocemos algunos elementos que se articulan y encaminan hacia una valorización docente. Son ellos: la formación inicial y permanente, carrera y jornada de tránsito compatibles, condiciones adecuadas de trabajo y salario que permita el ejercicio y el reconocimiento de la profesión. Destacando el elemento jornada de trabajo, lo que sería compatible, adecuado, justo en términos de horas dedicadas de trabajo del profesor? Partimos de la conceptualización de jornada de trabajo en la sociedad capitalista para entender sus consecuencias para la organización del trabajo docente. Se utilizó la investigación documental con análisis de la legislación sobre la constitución de la jornada de trabajo de los profesores del Distrito Federal para entender cómo se constituye la jornada de trabajo del profesor de los Años iniciales de la Enseñanza Fundamental en este sistema de enseñanza. Los resultados muestran que las leyes distritales contemplan una jornada de trabajo compatible con lo que determina las leyes nacionales pues la jornada del profesor del DF comprende 25 horas en regencia y 15 horas en actividades extraclase, ese período más allá de la regencia recibe el nombre de "Coordinación Pedagógica", institucionalizado desde 1996, que señala para una valorización docente en el cotidiano. Aunque la jornada de trabajo del profesor del DF comtemple expectativas de valorización docente, ese y otros elementos deben estar articulados con autonomía en la realización del trabajo y de modo general con la profesionalización a través de la formación continuada, viendo el trabajo docente en su totalidad.

Palabras clave: Valorización docente, Jornada de trabajo, Coordinación pedagógica.

Introdução

Para iniciarmos nossa discussão sobre a valorização profissional no sentido de reconhecimento profissional e a implantação de políticas públicas, mencionamos os elementos que consideramos essenciais para a constituição e implementação das políticas de valorização docente descritos nos estudos de Vieira (2013):

[...] qualidade da educação e valorização profissional devem caminhar juntas. É cada vez mais, necessário dar viabilidade às instituições, formar profissionais e possibilitar-lhes dedicação exclusiva, bem como dar consequência às políticas voltadas para a educação como direito. Como traduzir, como dar concretude ao conceito de valorização? Da perspectiva dos profissionais da educação, mas não só deles, são elementos constitutivos indispensáveis: formação inicial e permanente – que significa formação contínua e atualizada -, carreira e jornada compatíveis, condições adequadas de trabalho e um salário que permita o exercício e o reconhecimento da profissão. (VIEIRA, 2013, p. 41-42).

Assim, o objetivo desse estudo é identificar a organização da jornada de trabalho como elemento de qualidade das condições de trabalho e, consequentemente, de valorização docente e como ela se apresenta nas leis distritais e nacionais que regulam esse tema. Por definição de jornada de trabalho entendemos o tempo, em horas semanais ou mensais, em que o profissional da educação fica à disposição do trabalho. Na atividade docente, além do tempo em sala de aula, inclui o período dedicado ao planejamento e à realização de atividades extraclasse (DUTRA JUNIOR et al., 2000, p. 220).

Sobre a historicidade da jornada de trabalho dentro da sociedade capitalista Dal Rosso (2006) nos esclarece a respeito da chamada curva da jornada de trabalho que não descreve apenas a experiência dos países de capitalismo inicial, como também é um elemento que permite a interpretação da experiência dos países de capitalismo tardio e dos países subdesenvolvidos, portanto, o pode aplicar-se ao caso brasileiro. Historicamente a evolução da jornada de trabalho é feita com base nas experiências dos Estados-nações e das diversas categorias ocupacionais, tomando como parâmetro a experiência das nações desde a constituição do sistema capitalista até hoje, sendo-nos possível descrever genericamente a duração da jornada por meio de uma curva composta de três elementos gráficos básicos: a) alongamento: seria o aumento do tempo de trabalho nas sociedades modernas e antes das revoluções industriais capitalistas, onde assalariamento é a forma mais comum para a venda da força de trabalho; b) jornada máxima: as pessoas têm uma capacidade máxima de trabalhar sem afetar suas condições de vida e saúde, mas no período da Revolução Industrial, os assalariados trabalhavam em média de 3000 a 3500h por ano confirmando um grau de exploração a que eram submetidos; e c) redução da jornada: reação da classe trabalhadora ao aumento das horas de trabalho, com movimentos políticos, com greves, empregando diversos outros instrumentos de pressão social e com negociação das condições de trabalho. Aos poucos, a duração da jornada vai sendo reduzida nos países mais ricos do mundo ocidental. As horas médias de trabalho nos países que pertencem à OCDE - Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, caiu de em torno a 3 mil horas por ano em 1870, para entre 1,5 mil e 2 mil horas por ano em 1990.

Também no magistério verifica-se o fenômeno do alongamento da jornada pela acumulação de contratos e pelo número imenso de horas de trabalho que precisam ser realizadas no setor privado para obter um salário minimamente condizente com os padrões de remuneração. Já para os professores do ensino privado a jornada de trabalho é de geralmente de 40h semanais.

Sobre a necessidade de estudos a respeito da jornada de trabalho docente e as condições de valorização e intensificação na atualidade descreve Dal Rosso:

Aos dias de hoje, a questão da duração da jornada transformou-se num problema social e de pesquisa de primeira ordem, por causa do impacto sobre a saúde dos trabalhadores. Há profissionais da educação que realizam jornadas entre 60 e 70 horas semanais. Com isso, avolumam-se os problemas de saúde física e emocional na categoria. Muitos docentes também se submetem a horas de trabalho não pago na preparação de aulas, correção de provas, no atendimento a familiares dos alunos e em atividades coletivas nas escolas. A jornada é uma questão relevante por uma razão adicional, a saber, a luta pelo tempo livre. Dispor de tempo livre significa alargar o espaço de escolhas e de decisão para realizar atividades edificantes. (DAL ROSSO, 2010, n.p.).

No Brasil, a partir de 1932, com a Consolidação das Leis do Trabalho CLT é introduzido o parâmetro das oito horas regulares de trabalho ao dia, quarenta e oito semanais, suplementadas pela possibilidade de acrescentar mais duas horas-extras por dia, sempre que necessário. Essa regulamentação é particularmente favorável aos empregadores, levada em consideração a possibilidade de duas horas extras ao dia. Na constituição de 1988 temos a redução da jornada de trabalho de 48h para 44 horas semanais, obtida pelos movimentos sociais e sindicatos mediante greves e pressões, após a vigência por 50 anos das regulações da CLT

Até a promulgação da LDB em 1996 –a primeira vez que a legislação brasileira dispõe sobre a jornada de trabalho dos professores, em seu artigo 673 - as questões sobre a duração, composição de jornada de trabalho dos professores e a remuneração eram questões polêmicas no debate nacional sobre a carreira no magistério público. Segundo documento do Ministério da Educação intitulado, Plano de Carreira e remuneração do Magistério Público (MEC/INEP, 2000), a duração, composição de jornada de trabalho e a remuneração dos professores são questões centrais em qualquer contrato de trabalho, pois implicam a definição do tempo de trabalho, do que faz e do quanto se recebe pelo trabalho realizado.

As horas-atividade devem incluir o trabalho individual e coletivo dos professores. Toda aula ministrada pressupõe trabalho prévio de planejamento e preparação de materiais e também de atividade posterior de acompanhamento e avaliação. Além dessas atividades desenvolvidas pelo professor individualmente o trabalho docente deve incluir momentos de interação coletiva com as trocas de experiências entre pares e a integração com a comunidade escolar com reuniões administrativas e pedagógicas, momentos de estudo, atendimento aos pais, elaboração ou reavaliação do Projeto Político Pedagógico da escola e demais atividades próprias da docência. A inclusão das horas-atividade na composição da jornada de trabalho fundamenta-se na necessidade de remunerar o trabalho extraclasse, reconhecendo momentos distintos – de planejamento, execução e avaliação – como inerentes à atividade profissional docente.

Lembramos que a luta dos professores apresenta ao longo da história avanços, retrocessos e consensos entre representantes dos trabalhadores e dos governos. O substitutivo de LDB, aprovado em junho de 1990 pela Câmara dos Deputados estabelecia: jornada preferencialmente de 40h semanais com no máximo 50% do tempo em regência de classe e o restante em trabalho extraclasse, com incentivo para dedicação exclusiva, posição defendida no Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública integrado por entidades de abrangência Nacional como a Confederação Nacional dos trabalhadores em Educação- CNTE. Entre indas e vindas e após um longo processo de negociações com os professores, que acabaram perdendo em suas reivindicações por 50% em atividades extraclasse o que resultou no Parecer 03/97 do CNE, definindo os percentuais para 20% de atividades extraclasse e 80% em regência de classe na jornada de trabalho docente de 40h semanais.

Na Resolução nº 03 de 08 de outubro de 1997, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de Educação Básica definiu as Diretrizes para os novos planos de carreira e de remuneração para o magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios que:

A jornada de trabalho dos docentes poderá ser de até 40 (quarenta) horas e incluirá uma parte de horas de aula e outra de horas de atividades, estas últimas correspondendo a um percentual entre 20% (vinte por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da jornada, consideradas como horas de atividades aquelas destinadas à preparação e avaliação do trabalho didático, à colaboração com a administração da escola, às reuniões pedagógicas, à articulação com a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola. (BRASIL, 1997, n. p.).

Com a Lei do Piso, Lei 11.738/2008 veio a nova organização da jornada de trabalho docente. A Lei do Piso que em poucos artigos fixou o piso salarial nacional dos professores, afirmando que o piso é pago por determinada jornada e disciplinando como se compõe esta mesma jornada: “Art. 2º [...] § 4º Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.” (BRASIL, 2008, n.p.).

Os outros 1/3 (um terço) da jornada devem ser exercidos com atividades extraclasse que tenham estudo, planejamento e avaliação. Coexistindo com a remuneração dessas horas de trabalho que já eram realizadas pelos docentes em suas casas está também a possibilidade de uma formação continuada no próprio ambiente de trabalho em interação com os seus pares de maneira coletiva.

Em contradição com os avanços percebidos sobre a valorização da carreira em relação a salário e jornada compatível com a aprovação unânime da Lei do Piso pelo Congresso Nacional, os governadores de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná, Ceará e Santa Catarina contestaram esta lei ainda no ano de 2008, impetrando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN. A ação foi apoiada por outros cinco governadores, dos Estados de Roraima, São Paulo, Tocantins, Minas Gerais e Distrito Federal. Os Estados questionaram, na sua ação, o estabelecimento da jornada de no máximo 40 horas semanais de trabalho, a composição da jornada, a vinculação do piso salarial ao vencimento inicial das carreiras dos profissionais do magistério da Educação Básica pública (não se admitindo, computar-se gratificações, bônus e outros adicionais), os prazos para a implementação e a data de vigência da lei. Contestaram, na verdade, a legitimidade da União para legislar sobre tais assuntos, alegando que a fixação do regime de trabalho dos servidores estaduais e municipais, pelo pacto federativo, caberia a essas esferas do Estado brasileiro e, ao mesmo tempo, argumentaram que os custos gerados pela lei representariam riscos às finanças de Estados e Municípios. Em dezembro de 2008, o Supremo Tribunal Federal-STF proferiu medida cautelar que suspendeu provisoriamente dois pontos fundamentais da lei: a composição da jornada de trabalho e a vinculação do piso salarial aos vencimentos iniciais das carreiras, passando a ser referência para o pagamento do piso a remuneração e não o vencimento inicial dos profissionais do magistério. Em julgamento ocorrido no dia 27 de abril de 2011 o Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, declarou em seu voto a lei constitucional, o que representou uma conquista para os trabalhadores em educação, determinando seu cumprimento de imediato. De acordo com o Estudo sobre a Lei do Piso realizado pelo Conselho Nacional de Educação, sobre a importância de um terço da jornada ser destinado para atividades extra-aula, disse o Ministro:

[...] Eu entendo que a fixação de um limite máximo de 2/3 (dois terços) para as atividades de interação com os estudantes, ou, na verdade, para a atividade didática, direta, em sala de aula, mostra-se perfeitamente razoável, porque sobrará apenas 1/3 (um terço) para as atividades extra-aula. Quem é professor sabe muito bem que essas atividades extra-aula são muito importantes. No que consistem elas? Consistem naqueles horários dedicados à preparação de aulas, encontros com pais, com colegas, com estudantes, reuniões pedagógicas, didáticas; portanto, a meu ver, esse mínimo faz-se necessário para a melhoria da qualidade do ensino e também para a redução das desigualdades regionais. (BRASIL, 2012, p. 7).

A jornada de trabalho docente valoriza na letra da lei, o trabalho docente além da regência, pois a atividade docente não se limita a “dar aulas”, mas precisa de um espaço-tempo para planejamento, organização do trabalho pedagógico e formação continuada, fundamentada na práxis que atenda a prática mas que traga um entendimento do que se pretende com cada ação e não se esvazie nela. A presença da lei é ponto inicial para que a melhoria das condições e de valorização docente se efetive, mas não se encerra aqui. Mesmo após a promulgação da referida lei, sua aplicabilidade ainda é motivo de luta para muitos trabalhadores em educação

O poder judiciário então, finalmente consegue reafirmar a conquista de uma jornada compatível com o trabalho docente, mas que ainda não é realidade na totalidade das redes de ensino brasileiras. Em pesquisa feita no site do CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, em abril de 2017, constatamos que a luta não se encerra aqui e ainda está longe se ser concluída em todo país: dos 5.640 municípios pesquisados pelo CNTE, incluindo o Distrito Federal, 2.822 (50%) possuem plano de carreira do magistério; 2.533 (44,9 %) cumprem o pagamento do Piso salarial reajustado em 2017 para 2.298,80 e apenas 2.165 (38,4%) cumprem a jornada de trabalho composta por 2/3 em regência de classe e 1/3 em atividades extraclasse. A seguir analisaremos a jornada de trabalho do professor no Distrito Federal, unidade da federação que desde meados da década de 1990 já tinha um Plano de Carreira institucionalizado, com jornada e salário compatíveis.

A jornada de trabalho dos professores do Distrito Federal: uma conquista dos trabalhadores em educação.

No caso dos professores da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, nosso lugar de estudo, os professores têm um plano de carreira institucionalizado, o último em vigor desde 2013 e cumprem 25 horas/aula semanais de regência e 15 horas em Horário de Coordenação Pedagógica. Cabe ressaltar que este espaço foi uma conquista dos professores do DF com a implantação pelo governo do Distrito Federal do “Projeto Escola Candanga4: uma lição de cidadania” que após a realização de seminários para difundir a proposta entre os professores da rede, instituiu, entre outras medidas, uma jornada de trabalho que tem como base a valorização do profissional.

Ao conceber a prática da construção coletiva da Escola Candanga como princípio e a democracia como uma invenção e construção cultural, essa proposta distanciava-se das concepções neoliberais por defender uma nova qualidade no ensino que vinculada a valores éticos e humanistas tenha sua origem na cooperação e não na competição. Assentada em três grandes dimensões: filosófica, socioantropológica e psicopedagógica, a “Escola Candanga” defendeu uma proposta curricular não reprodutora de verdades absolutas e buscou a crítica a essas verdades porque desvela a aparência e mostra que o saber é também trabalho, e como tal, é produzido no tempo e no espaço pela ação humana, além de problematizar em Seminários a questão da jornada de trabalho docente e da existência de um período de horas remuneradas para atividades de planejamento e formação, denominado no Distrito Federal de “Coordenação Pedagógica”. Com a implantação (1996-2000) da “Escola Candanga” a jornada de trabalho do professor com carga horária de 40h de trabalho passou a ser composta por dois períodos: um de regência, com 25h semanais e um para atividades extraclasse com 15 horas semanais.

O espaço-tempo da Coordenação Pedagógica se configura num espaço para planejamento e formação continuada, mas vem sendo questionado discretamente em momentos de negociação entre os professores e o governo, pois esse retorno aos antigos moldes poderia significar uma economia para os cofres públicos, pois um mesmo docente poderia atender a duas turmas. A partir de 1996 o professor dos Anos Iniciais passou a exercer a regência em apenas uma turma com a implantação da Escola Candanga, e de acordo com a pesquisa de Pires (2014), a jornada ampliada foi regulamentada pela instrução de nº 395, de 12/02/1992 revogando a orientação nº 01/89-90, que anteriormente normatizava essa forma de atuação docente. A nova instrução trazia uma concepção de coordenação pedagógica como “momento primordial para a organização da prática coletiva”. (PIRES, 2014). A jornada do professor passou a ser compatível com seu trabalho, pois para a regência de classe é preciso planejamento, avaliação e produção de materiais. Além de organizar o trabalho, o professor passou também a ter um espaço para formação com outras possibilidades: na escola, realizando cursos fora da instituição, na universidade e outras modalidades de formação como participação em eventos, seminários, congressos, por exemplo. A jornada de trabalho no DF contempla o estabelecido na Lei do Piso (lei nº 11.738/2008) e também em relação a remuneração inicial que entre os professores brasileiros é o que recebe um valor maior, porém em relação com os demais cargos de nível superior existentes em outras carreiras no DF, a remuneração do professor ainda é mais baixa e a luta pela isonomia ainda permanece.

No Distrito Federal temos nesta definição da jornada de trabalho organizada entre período de regência e atividades extraclasse denominado de Coordenação Pedagógica que pode ser um espaço potencializador de uma formação permanente – que significa formação contínua e atualizada -, acontecendo também no espaço da escola. A disponibilidade dentro da jornada de trabalho, portanto, de trabalho remunerado para formação e demais atividades ligadas ao planejamento e organização do trabalho não é realidade em todo país.

Os estudos de Pereira (2007) apontam para essas diferenças e especificidades regionais, e também entre o trabalho do professor da rede pública e da rede privada e do meio rural e do meio urbano. As condições do trabalho docente continuam, via de regra, bastante ruins no Brasil e variam dependendo da região do país e tendem a ser piores nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em comparação com o Sul e o Sudeste. As várias realidades educacionais brasileiras tornam difíceis ao planejamento de uma agenda nacional para a melhoria das condições de trabalho e valorização docente.

As necessidades formativas também se diferenciam bastante dentro do território brasileiro, enquanto alguns Estados necessitam investir em uma formação “inicial” para professores que já atuam e muitas vezes com muitos anos de experiência mas que não possuem a licenciatura, exigência posta na LDB, Lei nº 9.394/96 para o exercício da docência, outros estados já apresentam uma situação mais favorável com a totalidade ou a maioria dos docentes com a formação inicial correspondente ao exigido em lei. Trata-se de pensar efetivamente, então, nas condições de trabalho e de formação continuada como caminho para a profissionalização docente.

O trabalho do professor tem especificidades. Trata-se de um trabalho intelectual que não está a serviço do capital, pois não gera mercadoria. O trabalho do professor público é formar pessoas e se realiza nas relações humanas. As demandas da sociedade capitalista emergem em complexidade fluidez e impermanência. Em vários discursos no cotidiano observamos as exigências de multifunções para o trabalho docente como conhecimentos nas áreas de psicologia (violência de modo geral), saúde, novas tecnologias, alunos com necessidades especiais, questões de gênero, e outras necessidade de conhecimento que não eram alocados no espaço da escola como instituição social. O que não faz do docente um especialista em cada uma dessas áreas mas que não podem ser ignoradas no exercício profissional. É presente a sensação aos professores de insuficiência e despreparo e cada vez mais demandam uma formação que contribua com as exigências da sociedade atual com conhecimentos indispensáveis para o seu contexto de trabalho. Sua relação com a comunidade em que a escola está inserida é outro aspecto a se considerar quando propomos uma formação continuada no âmbito escolar. A necessidade de repensarmos a formação continuada, uma formação permanente que atenda essas especificidades e contribua para a formação integral do professor como ser social e político. Tal formação entendida aqui como permanente deve dar suporte na realização do Projeto Político Pedagógico da instituição.

Muitos trabalhos e projetos de governo atribuem a melhoria da educação como condição fundamental para o desenvolvimento do país e para que este avanço aconteça, o investimento na formação de professores é central o que direciona para uma responsabilização e culpabilização centrada apenas no docente mas que desconsidera que as condições de trabalho e valorização profissional - quantidade de alunos por turma, jornada compatível, financiamento da educação, salários condignos, plano de carreira - e outros determinantes como a não intensificação do trabalho do professor centralizando seu trabalho em sua função específica que é a de ensinar. Esses determinantes apresentam-se de forma bastante diferenciada nas redes de educação brasileiras.

CONCLUSÃO

Na atual conjuntura política vivemos um momento de incertezas e fragilidades. O que temos são expectativas que dependendo do encaminhamento governamental podemos ter avanços ou retrocessos também no campo educacional. Como vimos a garantia dos elementos constitutivos da valorização docente como uma jornada compatível visualizados no espaço de Coordenação Pedagógica no DF é apenas o primeiro movimento para ampliarmos essa perspectiva de valorização profissional docente.

Em nosso país vimos a triste realidade e a tendência dos governos dos estados ainda não cumprirem a Lei do Piso e a desvalorização dos professores permanece, não só quanto a efetividade da jornada que possibilite ao professor atuar em apenas uma escola com dedicação exclusiva mas também no que se refere a ganhos salariais e condições de trabalho. No DF, a realidade é um pouco diferenciada de muitos municípios brasileiros. Os professores conquistaram ao longo do tempo e com muita luta a jornada ampliada com horas de regência e horas de atividades extraclasse com a possibilidade de formação continuada em horário remunerado.

Mas para que haja uma total valorização do trabalho docente é preciso a integração entre os elementos da valorização: formação inicial e permanente – que significa formação contínua e atualizada -, carreira e jornada compatíveis, condições adequadas de trabalho e um salário que permita o exercício e o reconhecimento da profissão. E ainda que esses elementos estejam articulados com os demais aspectos como uma maior autonomia e consciência de suas ações por meio de uma atividade profissional referenciada na práxis.

O Brasil, em suas dimensões continentais apresenta uma diversidade de projetos de governo que ora garantem espaços para que a valorização aconteça e ora apresentam medidas que impedem essa valorização. No caso do Distrito Federal, a garantia de uma jornada compatível, salário e formação considerando as especificidades do trabalho docente é apoiada em leis distritais que coadunam com as propostas nacionais visando a valorização docente. Mas só a garantia nas leis é suficiente para que esta valorização de materialize?

A garantia legal não é suficiente para que as políticas de valorização sejam realmente efetivadas. Como vimos a Lei do Piso ainda não é realidade em muitos municípios brasileiros, apesar da força da lei.

No DF, a implantação de tais políticas reforça o movimento de valorização docente por trazer vários elementos que fundamentam essa valorização, como demonstrado aqui na discussão sobre a jornada, porém, estes devem ser complementadas e articuladas com a realidade social produzida na escola com o enfrentamento das questões que afligem os profissionais como por exemplo o trabalho intensificado, a perda de autonomia do trabalho e o adoecimento dos professores.

Referências

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Notas

1 Professora da Secretaria de Estado de Educação e mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Brasília – PPGE/UnB. É integrante do Grupos de Estudo e Pesquisa sobre atuação e formação do professor/Pedagogo- GEPFAPe. E-mail: danyelamedeiros@yahoo.com.br
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília. E-mail: shirleidesc@gmail.com
3 O Art. 67 da Lei 9.394/96 prevê dispõe que os novos planos de carreira devem assegurar “período reservado a estudos, planejamento e avaliação” incluídos na carga de trabalho.
4 A Escola Candanga: uma lição de cidadania foi uma proposta político-pedagógica que teve como referência o Plano Quadrienal de Educação do DF (1995-1998) e os eixos definidos pelo Governo Democrático e Popular para a educação – gestão democrática, democratização do acesso escolar e da permanência do aluno na escola e da qualidade na educação (SOUSA, 1998, p. 129-130).

Autor notes

Professora da Secretaria de Estado de Educação e mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Brasília – PPGE/UnB. É integrante do Grupos de Estudo e Pesquisa sobre atuação e formação do professor/Pedagogo- GEPFAPe.
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília.
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