Caderno Temático
TRABALHO DOCENTE NA SOCIEDADE ADMINISTRADA
TEACHING WORK IN THE ADMINISTERED SOCIETY
TRABAJO DOCENTE eN LA SOCIEDAD ADMINISTRADA
TRABALHO DOCENTE NA SOCIEDADE ADMINISTRADA
Olhar de Professor, vol. 20, núm. 1, 2017
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepção: 03 Março 2017
Aprovação: 03 Junho 2017
Resumo: Este artigo teve por objetivo refletir acerca dos impactos das reformas políticas no Brasil no trabalho docente. Diante a racionalidade presente na sociedade contemporânea e no processo educativo procurou-se compreender os impactos da racionalização das reformas educacionais no trabalho docente. Para tanto, tomou-se como categoria central o trabalho docente, a partir da análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9394/96 e os estudos de Gimeno Sacristán (1995, 1998, 1999) e Marin (2005, 2012) que abordam a temática. Para realizar a análise das observações buscou-se o aporte teórico na Teoria Crítica da Sociedade, especialmente nas formulações de Marcuse (1973, 1998), de modo a compreender o trabalho docente em sua relação com o processo histórico e social. Os dados apresentados foram coletados por meio de observação, um recorte de uma investigação realizada em uma escola da rede estadual paulista. Os resultados apontam que as reformas educacionais tem caráter autoritário e por meio de uma linguagem moderna procuram atender as necessidades imediatas da sociedade. A racionalidade expressa nas reformas moldam um novo tipo de profissional em consonância com as exigências da sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Trabalho Docente, Reformas Educacionais, Sociedade Administrada.
Abstract: This article aimed to reflect on the impact of political reforms in Brazil on teaching work. Faced with the rationality present in contemporary society and in the educational process, we sought to understand the impacts of the rationalization of educational reforms on teaching work. To do so, the teaching work was taken as a central category, based on the analysis of the Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Law 9394/96 and the studies of Gimeno Sacristán (1995, 1998, 1999) and Marin 2005, 2012) that address the subject. To perform the analysis of observations, a theoretical contribution was sought in the Critical Theory of Society, especially in the formulations of Marcuse (1973, 1998), in order to understand the teaching work in its relation with the historical and social process. The data presented were collected through observation based on a clipping of an investigation carried out in a school in the São Paulo State network. The results point out that educational reforms have an authoritarian character and, through a modern language, seek to meet the immediate needs of the society. The rationality expressed in the reforms shape a new type of professional in line with the demands of contemporary society.
Keywords: Teaching Work, Educational Reforms, Administered Society.
Resumen: Este artículo tuvo por objetivo reflexionar acerca de los impactos de las reformas políticas en Brasil en el trabajo docente. Ante la racionalidad presente en la sociedad contemporánea y en el proceso educativo se buscó comprender los impactos de la racionalización de las reformas educativas en el trabajo docente. Para ello, se tomó como categoría central el trabajo docente, a partir del análisis de la Ley de Directrices y Bases de la Educación (LDB), Ley nº 9394/96 y los estudios de Gimeno Sacristán (1995, 1998, 1999) y Marin (1995) 2005, 2012) que abordan la temática. Para realizar el análisis de las observaciones se buscó el aporte teórico en la Teoría Crítica de la Sociedad, especialmente en las formulaciones de Marcuse (1973, 1998), para comprender el trabajo docente en su relación con el proceso histórico y social. Los datos presentados fueron recolectados por medio de observación, un recorte de una investigación realizada en una escuela de la red estadual paulista. Los resultados apuntan que las reformas educativas tienen carácter autoritario y por medio de un lenguaje moderno buscan atender las necesidades inmediatas de la sociedad. La racionalidad expresada en las reformas moldea un nuevo tipo de profesional en consonancia con las exigencias de la sociedad contemporánea.
Palabras clave: Trabajo Docente, Reformas Educativas, Sociedad Administrada.
Introdução
Frente as transformações políticas e econômicas ocorridas nas últimas décadas, bem como o advento da globalização e de seus ideais neoliberais, a educação passou por uma reorganização de modo a ajustar-se a novos padrões sociais. A implantação de políticas provenientes das reformas neoliberais, designadas por organismos internacionais acarretou na intensificação do trabalho docente e, como consequência a intensificação e a precarização do mesmo.
Investigar sobre o trabalho docente faz-se necessário, por se entender a necessidade de compreensão das práticas de ensino e a realidade a qual os docentes estão submetidos. O intuito deste estudo é suscitar reflexões a partir de um tema muito discutido na área da educação.
Ao tomar a questão das reformas políticas no campo da educação, torna-se necessário compreender o trabalho, as práticas docente e conhecimento que se pretende produzir na sociedade contemporânea.
Nas últimas décadas, pesquisas acerca do trabalho docente têm objeto de estudo de modo a refletir a preocupação com o tema e suas consequências no processo educativo. Pesquisadores e teóricos como Gimeno Sacristán (1995, 1998, 1999) e Marin (2005, 2012) apresentam estudos que focalizam diversos aspectos acerca do trabalho docente e apontam para a desvalorização do magistério.
Diante das condições em que o processo educativo se desenvolve, buscou-se o aporte teórico na Teoria Crítica da Sociedade, especialmente nas formulações de Marcuse (1973, 1998), de modo a sustentar a análise do trabalho docente na escola, visando compreendê-lo em sua relação com o processo histórico e social determinado sociedade capitalista.
Para analisar a atuação dos professores é necessário considerar o contexto em que este se desenvolve e compreender o magistério como uma atividade que mantém nexos com a realidade social. Assim, torna-se imprescindível refletir sobre a organização do ensino, os padrões de currículo, os objetivos do processo de ensino e de aprendizagem, já que todos esses fatores estão orientados para a promoção do controle sobre a escola e de seus agentes em oposição ao desenvolvimento de uma educação de qualidade.
Considerações sobre o trabalho docente a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
A década de 1990 é marcada pelo início da democratização da educação brasileira que passava por profundas mudanças políticas, econômica e sociais. Nos anos de 1989, o Brasil passou a ser signatário do Consenso de Washington e, no ano seguinte, o país assinou o compromisso de desenvolver “Educação Básica de Qualidade para Todos”, na Conferência de Mundial sobre Educação para Todos, em Jointien (1990).
Segundo Souza e Faria (2004), o Brasil passou a seguir recomendações de órgãos de financiamento como o Banco Mundial, (BM) Banco Interamericano para Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) e de instituições como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PINUD), o Programa das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (UNESCO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) intervindo nas políticas educacionais em países em desenvolvimento para ajustar o processo educativo com políticas baseadas na eficiência, na competitividade e na qualidade.
A implementação das recomendações dos órgãos de financiamento internacionais ocorreu por meio de reformas que alteraram a forma da administração escolar bem como a organização do trabalho docente. Tanto a declaração de Jointien, quanto o Consenso de Washington sedimentara uma série de modificações na área da educação, principalmente no que se refere a mudança da administração para gestão cujos pilares estão calcados no controle e na eficiência – ideais neoliberais.
Para Oliveira et al. (2004, p. 188), “[...] las reformas educativas han influido fuertemente sobre la organización escolar, introduciendo nuevas formas de enseñar y de evaluar, reflejadas en nuevos criterios adoptados para la conformación de los grupos de alumnos y procedimientos en el registro y observación de ellos.”
É neste contexto que ocorreu uma significativa reforma educacional no Brasil: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9394/96, promulgada 20 de dezembro de 1996. A LDB teve por finalidade definir e regularizar a educação brasileira e, apesar dos aspectos democráticos e progressistas presentes no texto da referida lei não se pode ignorar o contexto na qual foi elaborada e implementada, bem como as contradições contidas no documento.
A Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96 (BRASIL, 1996), trouxe em seu bojo mudanças que interfeririam em diversos aspectos como da educação: níveis e modalidades, reorganização da administração escolar - ampliação dos dias letivos, flexibilização da jornada escolar - reorganização do currículo, diversificação e flexibilização dos currículos de graduação, além da abertura de novos espaços formativos, ampliação da obrigatoriedade escolar, adoção avaliações em larga escala, mecanismos de financiamento e gestão dos sistemas de ensino e do trabalho escola, adoção de diretrizes e metas para a educação nacional, dentre outros.
No que tange a formação dos profissionais da educação, a LDB nº 9394/96 (BRASIL, 1996), reservou os artigos 61 a 67, referindo-se à formação e à valorização desses profissionais. O inciso primeiro do artigo 61 indica uma formação profissional “[...] que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho”. Uma formação baseada em competências requer um profissional que administre a prática pedagógica, cujo processo educativo está centrado em modelos gerenciais. Já os artigos 62 e 63, além de dispor da formação “[...] em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas”, admite que a formação em nível superior poderá acontecer em “institutos superiores de educação.” (BRASIL, 1996).
As proposições presentes na LDB alteram a organização dos cursos de pedagogia e aponta a necessidade de novos modelos para a formação docente.
A intencionalidade das reformas implantadas na educação evidencia a racionalidade técnica conferida tanto a administração da escola quanto ao trabalho docente. Assim, a escola que se apresenta hoje está a serviço das demandas da sociedade capitalista, que necessita, antes de mais nada, formar trabalhadores sob a ideologia do neoliberalismo.
A implantação de políticas sob a égide das reformas neoliberais, designadas por organismos internacionais acarretou na intensificação do trabalho docente e, trouxe como consequência a precarização do mesmo. O mais grave é que a legislação brasileira proporciona uma formação em conformidade a lógica capitalista, o que dificulta o desenvolvimento da subjetividade, da reflexão e da crítica.
O trabalho e a condição do professor
Ao analisar o trabalho docente é preciso relacioná-lo com a totalidade social. Não é possível realizar tal tarefa em relação a atuação dos professores sem considerar o contexto dos envolvidos. Problematizar a profissão de professor significa compreendê-la com uma atividade difícil e que impõe desafios diários. Além disso, os dias atuais têm apresentado novas exigências e assumido características cada vez mais técnicas. A esse respeito Marin (2005), adverte que o ensino escolar se configura como o trabalho realizado pelo professor cuja atividade mostra-se extremamente complexa.
Quando se afirma que o magistério é uma atividade que mantém nexos com a realidade social, torna-se necessário, de acordo com Gimeno Sacristán (1995), compreender os fatores que impactam na educação: econômicos, políticos e culturais. Portanto, não se pode atribuir ao professor toda a responsabilidade pelo processo educacional, mesmo sabendo que faz parte de suas atribuições compreender que a ação educativa ocorre de forma contextualizada. Para o autor, “[...] o ensino é uma prática social, não só porque se concretiza na interação entre professores e alunos, mas também porque esses atores refletem a cultura e contextos sociais a que pertencem.” (SACRISTÁN, 1995, p. 66).
Definida dessa maneira, a prática docente deve ser contextualizada e, sendo assim, é passível de transformação. Ressalta-se que o trabalho docente depende do contexto em que está inserido e das situações que o circunscrevem. Se concepções e práticas tradicionais vinculadas à educação ainda estão muito presentes na sala de aula é porque essas concepções e práticas ainda encontram sustentação na escola e na sociedade. Gimeno Sacristán explica o vínculo entre educação e sociedade: “a lógica do mercado deixa a educação e os seus profissionais na contingência das demandas externas, ao domínio das motivações socialmente condicionadas, porque o mercado opera num mundo em que algumas coisas caracterizam-se como mais ou menos desejáveis [...]” (SACRISTÁN, 1999, p. 46).
Entender esse processo é fundamental, já que certas atitudes e ações são valorizadas, em detrimento de outras, no sentido de atender as demandas do sistema capitalista que, cada vez mais, exige agilidade na resolução de problemas. Uma compreensão da prática educativa para além do imediatismo requer professores conscientes. Gimeno Sacristán (1999) assinala esse aspecto da prática educativa ao afirmar que o trabalho docente não pode se guiar pela espontaneidade da dinâmica social.
A prática educativa é algo mais do que a expressão do ofício dos professores, é algo que não lhes pertence por inteiro, mas um traço cultural compartilhado, assim como o médico não possui o domínio de todas as ações para favorecer a saúde, mas as compartilha com outros agentes, algumas vezes em relação de complementaridade e de colaboração, e outras, em relação de atribuições. (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p. 91).
Outro aspecto a se destacar é o fato de que o trabalho docente tem se relacionado a aspectos que não se referem apenas ao processo educativo. Marin (2012) auxilia no entendimento dessa situação: “O trabalho docente, tal como consigo percebê-lo hoje, a partir dessa perspectiva teórica, foi se transformando ao longo das últimas décadas.” (MARIN, 2012, p. 662). A prática pedagógica passou exigir do professor, além de domínio sobre os conhecimentos teóricos e práticas relacionados ao trabalho de ensinar, outras habilidades que lhe permitiria solucionar problemas de diversas ordens e que se apresentam na escola.
Na mesma direção, Gimeno Sacristán (1995), destaca que a evolução da sociedade tende a atribuir à escola um número cada vez maior de funções, bem como aspirações educativas em relação ao professor. No caso da realidade brasileira, enfatiza-se a dupla jornada de trabalho (muitos lecionam em dois períodos e/ou em mais de uma escola), a ausência de condições estruturais de trabalho, as condições econômicas para investir em formação continuada, dentre outros fatores.
Outro aspecto importante é a burocratização do trabalho escolar, fato que produz o fenômeno da alienação na prática docente, haja vista que os professores gastam muito tempo com atividades não relacionadas ao ensino e consequentemente, tem poucas condições de planejar e executar sua atividade (em muitos casos o material didático e o currículo são definidos sem a sua participação), dada conjuntura reproduz a cisão entre as dimensões administrativa e a pedagógica do trabalho escolar.
Toda essa situação contribui para inibir a autonomia e a criatividade profissional dos docentes (Gimeno Sacristán, 1998). A frequente divisão das funções e a fragmentação da prática docente reduzem as atividades do professor à execução de tarefas pré-planejadas, levando-o a reprodução sem reflexão. De acordo com Gimeno Sacristán (1999, p. 31), “[...] A ação pedagógica não pode ser analisada somente sob o ponto de vista instrumental, sem ver os envolvimentos do sujeito – professor – e as consequências que tem para sua subjetividade que intervirá e se expressará em ações seguintes.”
Desse modo, Marin (2012), afirma que as pressões advindas da fragmentação do trabalho docente são realizadas sem explicitação de suas origens e não há a preocupação de se verificar as possibilidades de execução do que lhe é imposto.
Estão presentes exigências ou decisões relacionadas à organização de todo o trabalho a ser feito nas escolas e outras que se referem à organização da escola para as ações pedagógicas, para que a educação de fato aconteça. Esse conjunto está ligado às insatisfações que os professores têm enfrentado, ou seja, trata-se de um fenômeno denominado intensificação do trabalho docente, de um lado, e de outro está ligado à busca do profissionalismo, ambos perpassados pelas questões dos controles internos e externos de desempenho. (MARIN, 2012, p. 676).
Esse quadro evidencia a situação de precariedade e de intensificação do trabalho docente que se apresenta como fator de grande preocupação, haja vista a baixa remuneração, a desqualificação e a fragmentação do trabalho do professor, além da perda do reconhecimento social, da heteronímia crescente e do seu escasso controle em relação ao seu trabalho. Outro fator importante que impacta na prática docente se refere à sobrecarga de trabalho cada vez maior, o que acaba colocando em xeque, em caso de descumprimento das suas obrigações, seu profissionalismo. Segundo Marin (2012, p. 676), “[...] o conjunto das exigências que os sobrecarregam, os prazos definidos, a prestação de contas das tarefas levam à preocupação com o não cumprir das tarefas e, consequentemente, ao sentimento de ineficiência e/ou incompetência, certamente ligados a questões de profissionalismo.”
Ainda sobre a precariedade que acompanha a atividade docente, Sampaio e Marin (2004), apontam que, com relação às condições de trabalho, se faz necessário analisar as diversas facetas que o caracterizam. A carga horária de trabalho dos professores brasileiros mostra-se intensa; a maioria dos professores realiza dupla ou até tripla jornada, não raras vezes, em mais de uma escola. “A definição de número e duração dos períodos de aula – se são dois ou três períodos – faz toda a diferença para o conjunto das informações que os professores possuem para se organizarem e organizarem o trabalho dos alunos [...]” (MARIN, 2012, p. 668).
Outro aspecto que se encontra intrinsecamente relacionado às condições do trabalho docente refere-se ao tamanho das turmas e ao número de alunos com os quais os professores trabalham. O aumento da procura por escola ocorre de modo mais acelerado do que o do número de contratação de professores, expansão das escolas e das salas de aula. Ora, a situação que coloca os professores diante de um número elevado de alunos influencia negativamente na qualidade de seu trabalho e na educação oferecida pela escola pública.
Para Gimeno Sacristán (1998), o processo educativo deve ser compreendido na relação entre a atividade docente, o conteúdo a ser ensinado e os elementos contextuais que determinam as atividades e o conteúdo. Dessa forma, a seleção e sequenciação do conteúdo trabalhado na escola apresentam diferenças em relação ao que é proposto (no currículo, no material didático e no planejamento).
Apesar de todas as dificuldades que enfrenta, o professor tem papel fundamental enquanto agente de disseminação dos pressupostos do projeto educativo do qual ele é um executor (tendo participado ou não de sua elaboração). O problema a se enfrentar é salientado por Gimeno Sacristán (1998), a organização do ensino, os padrões de currículo, os objetivos do processo de ensino e de aprendizagem, enfim, tudo isso está orientado para a promoção de uma maior racionalização e do controle sobre a escola e seus agentes. E essa situação se opõe ao desenvolvimento de uma educação de qualidade.
Educação na sociedade Administrada
De modo geral as políticas educacionais, apresentam-se em consonância ao pensamento unidimensional e seguem as regras do capitalismo, na medida em que oferta formação de acordo com as exigências da sociedade administrada.
Nesses termos, a educação colabora para que as ações dos indivíduos sejam moldadas pelas exigências do aparato tecnológico. Marcuse (1973), alerta que:
O pensamento unidimensional é sistematicamente promovido pelos elaboradores da política e seus provisionadores de informação em massa. O universo da palavra, destes e daqueles, é povoado de hipóteses autoavaliadoras que, incessantemente e monopolisticamente repetidas, se tornam definições ou prescrições hipnóticas. (MARCUSE, 1973, p. 34).
Segundo Marcuse (1973), o processo tecnológico está em função do capitalismo criando uma nova racionalidade que influencia o comportamento dos indivíduos em sua individualidade e sua subjetividade.
A existência nessa sociedade é organizada em função dessa nova racionalidade que se apresenta em todas as esferas da vida como forma de manutenção do capitalismo e amplia seu controle a organização da sociedade, do trabalho e da escola como um todo. Marx e Engels (2006), afirmam que o capitalismo é irracional, porque em primeiro lugar, apresenta uma inversão: o que era meio se converte em fim em si mesmo, reduzindo a vida das pessoas em desempenho eficiente. Neste sentido, Marcuse (1973), assevera:
A mais alta produtividade do trabalho pode ser usada para a perpetuação do trabalho, e a mais eficiente industrialização pode servir à restrição e manipulação das necessidades. Quando esse ponto é atingido, a dominação – disfarçada em afluência e liberdade – se estende a todas as esferas da vida pública e privada, integra toda oposição autêntica, absorve todas as alternativas. (MARCUSE, 1973, p. 37).
A tecnologia na sociedade administrada deveria determinar os usos da técnica, no entanto, a técnica acabou por determinar a tecnologia, sua forma de dominar e controlar as relações sociais, revelando o caráter político da transformação tecnológica. Desta maneira, o caráter político da racionalidade tecnológica se expressa pela dominação, “[...] criando um universo verdadeiramente totalitário no qual sociedade e natureza, corpo e mente são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo.” (MARCUSE, 1973, p. 37).
O controle da racionalidade tecnológica padroniza o pensamento dos indivíduos criando padrões sociais. Assim, são criados modos de pensar e de agir socialmente e no trabalho em consonância com capitalismo. Marcuse (1973, p. 93), afirma que “[...] na expressão desses hábitos de pensar, a tensão entre aparência e realidade, fato e fator, substância e atributo, tende a desaparecer. Os elementos de autonomia, descoberta, demonstração e crítica recuam diante da designação, asserção e imitação.”
Neste sentido, a manipulação das estruturas linguísticas e operacionais tornam-se crucial para a padronização de um pensamento positivo e característico da sociedade unidimensional.
A linguagem presente no texto da LDB está permeada por contradições com relação ao campo epistemológico da educação e das atividades dos profissionais envolvidos no processo educativo. O mais grave é o fato de que, apesar da lei tratar de aspectos específicos referente a organização curricular, a linguagem presente no referido documento caracteriza-se pela flexibilidade, por diretrizes generalizadas, cujo significado não é científico. Um exemplo disso é a indicação do curso normal superior em equivalência ao curso de pedagogia ou a admissão do profissional na modalidade em ensino técnico ou superior ou ainda, a quantidade de expressões referentes aos profissionais da educação: trabalhadores da educação, docentes, profissionais do magistério. A esse respeito Marcuse aponta que:
Como um hábito de pensar fora da linguagem científica e tecnológica, tal raciocínio molda a expressão de um behaviorismo social e político. [...] Aquêle não tem qualquer outro conteúdo que não o designado pela palavra no uso anunciado e padronizado, esperando-se que a palavra não tenha qualquer outra reação que não o comportamento anunciado e padronizado. (MARCUSE, 1973, p. 94-95).
A educação tornou-se mero objeto na sociedade capitalista. A racionalidade tecnológica gera na cultura a condição de indústria. Para Marcuse (1998), a cultura, ao se converter em objeto de organização, tornou-se administrada. Assim, as diretrizes manipulam os envolvidos no processo educativo, promovem uma falsa consciência que é imune à sua falsidade.
A educação, mesmo tratada como produto, apresenta-se como benéfica, pois esta a disposição de um número maior de indivíduos, isto é, se torna mais acessível e melhor do que outrora. De acordo com Marcuse (1973, p. 32), “[...] surge assim padrão de pensamento e comportamento unidimensionais no qual as ideias, as aspirações e os objetivos que por seu conteúdo transcendem o universo estabelecido da palavra e da ação [...] São redefinidos pela racionalidade do sistema dado e de sua extensão quantitativa.”
Ao considerar que o ideário de um determinado contexto conforma a produção humana deste período, questiona-se por que o processo educativo se limita a adaptar-se às orientações, às diretrizes, às reformas políticas sem compreender ou questionar seus desdobramentos sociais.
Desse modo, a racionalidade se constitui como elemento ideológico e o sistema educativo não está imune a mercantilização do ensino, cujas consequência são modelos prescritos e padronizados de acordo com as exigências da sociedade capitalista.
Metodologia
Para analisar o trabalho docente considerou-se a necessidade por realizá-la à medida que o fenômeno se desenvolve, ou seja, nas condições reais em que ocorrem. Assim, este estudo buscou analisar dados oriundos de uma pesquisa realizada numa escola da rede estadual de São Paulo. Dados acerca do trabalho de cinco professores, de uma turma do 6º ano do ensino fundamental I foi analisado com base nas num roteiro de observação e tal análise está apoiado no referencial adotado.
Os professores são graduados e lecionam a disciplina correspondente a sua área de formação – exceção feita ao PM, que está na condição de eventual[2] e substituía qualquer professor que faltasse às suas aulas. Na semana em ocorreu a observação ele substituía o professor de Matemática. A maioria dos docentes é do sexo feminino com idade entre 36 e 54 anos (média de 43,4 anos). Os docentes tem uma média de 14 anos de experiência no magistério e lecionam em média 29,4 aulas semanalmente.
A racionalidade presente no trabalho docente
Durante a observação em sala de aula, na maioria das aulas o material didático utilizado pelos professores foi o Caderno do Aluno, produzido e fornecido pela SEE-SP e parte do programa “São Paulo faz Escola”, criado em 2007 com objetivo de implantar um currículo único para as escolas da rede pública estadual do Estado de São Paulo. Expostas as observações, apresenta-se as observações referentes ao trabalho docentes em diferentes disciplinas.
A atividade proposta no Caderno do Aluno até aponta para variadas situações de aprendizagem, as quais poderiam ter sido exploradas tanto pela perspectiva da elaboração de narrativas quanto pelo seu potencial crítico e reflexivo. No entanto, o que foi observado foi à passividade da professora diante do conhecimento consolidado e expresso no material didático. Na prática docente verificada não ocorreram relações mais elaboradas entre o indivíduo e os textos lidos e produzidos, tornando-o mero decifrador de palavras que não vive as possibilidades de crítica e reflexão. Assim, ocorre a padronização do pensamento sob o controle da racionalidade influencia não somente o modo de pensar, passando e de agir dos indivíduos, mas por estabelecer novos padrões de controle social. A esse respeito, Marcuse (1999) assevera que ao impor tal padronização distinções individuais são produzidas para justificar maior eficiência e, portanto, “[...] o ponto decisivo é que esta atitude – que dissolve todas as ações em uma sequência de reações semi-espontaneas a normas mecânicas prescritas – não é apenas perfeitamente racional, mas também perfeitamente razoável.” (MARCUSE, 1999, p. 80). As aulas deveriam proporcionar condições para o desenvolvimento de experiências em que os alunos tivessem a oportunidade de se relacionar com o mundo como alguém que se reconhece nele, mas que, também, se diferencia dele. O que ocorre é um falso reconhecimento mediado pelas necessidades da sociedade industrial, visto que o “[...] mecanismo que ata o indivíduo à sua sociedade mudou, e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela produziu.” (MARCUSE, 1973, p. 30). Pode-se verificar que a prática docente na dialética dominação e resistência não é capaz de resistir às formas de controles e de submissão social de modo a se adaptar às condições objetivas sem reproduzir e, portanto, sucumbe aos ditames da racionalidade com seu potencial ideológico eliminando qualquer possibilidade de crítica e de autonomia.
O professor não trabalha com conteúdos relacionados à disciplina de matemática, haja vista que sua formação é Educação Física. No entanto, fez uso de um tema considerado transversal, trazendo como suporte um folder, que não saiu de suas mãos. Entretanto, a apropriação efetiva da leitura, pensada como um elemento da formação cultural, só é possível por meio do contato direto com o texto. Conforme se observou, o texto, mais uma vez, foi alvo de cópia e pretexto para pesquisa de significados de palavras. Portanto, o objeto de ensino poderia ter sido elaborado na aula, proporcionando um momento de discussão e reflexão para os alunos, mas foram reproduzidas apenas práticas cristalizadas. O processo de ensino e de aprendizagem ocorre de forma a manipular os fins da educação anulando a capacidade de reflexão e de crítica dos alunos. Frente ao processo homogeneização da consciência promove uma falsa conciliação da relação sujeito e objeto levando o indivíduo a perda da capacidade de oposição e a impossibilidade de individuação. A redução do pensamento, o comportamento em uma única dimensão, bem como as experiências limitadas presentes na sociedade administrada são características do que Marcuse (1973) denominou como sociedade unidimensional, cujo “[...] padrão de pensamento e comportamento unidimensionais [...] por seu conteúdo transcendem o universo estabelecido da palavra e da ação são repelidos ou reduzidos a termos desse universo.” (MARCUSE, 1973, p. 32). Para além da precarização e das atuais condições do trabalho docente, seu desenvolvimento fica restrito a situação vigente e não é possível verificar resistência ou mesmo superação de tal condição.
A professora não privilegiou a interação entre o sujeito - alunos e o objeto de conhecimento, tratando o conteúdo de forma simplificada e superficial. Não houve um trabalho de intervenção pedagógica que proporcionasse aos alunos a criação de condições de leitura significativa. Observa-se o predomínio de fragmentos retirados dos livros didáticos em forma de “pseudotextos”[3]. Neste sentido, a “[...] independência de pensamento, autonomia e direito à oposição política estão perdendo sua função crítica básica numa sociedade que parece cada vez mais capaz de atender às necessidades dos indivíduos através da forma pela qual é organizada.” (MARCUSE, 1973, p. 23-24). A prática pedagógica está centrada na utilização, como recurso didático, quase sempre do Caderno do Aluno, que é apresentado de modo sequencial e como se a disposição dos conteúdos obedecesse a uma racionalidade inquestionável. Portanto, a leitura é utilizada pela professora de modo a justificar os exercícios apresentados após o texto. E essas são as tarefas a serem realizadas pelos alunos. A transmissão de conhecimento na escola é feita de modo fragmentado e desconexo e a prática pedagógica está submetida ao imediatismo promovido pela racionalidade tecnológica. A racionalidade expressa no processo de ensino e de aprendizagem contribui para a perda da autonomia do indivíduo e resulta na “[...] atrofia dos órgãos mentais, impedindo-os de perceber as contradições e alternativas e, na única dimensão restante da racionalidade tecnológica prevalece a Consciência Feliz.” (MARCUSE, 1973, p. 88). Nestes termos, o trabalho docente se submete as condições presentes na sociedade capitalista com pouca ou nenhuma resistência a lógica da sociedade industrial e acaba por colaborar para a manutenção do sistema capitalista.
Considerações finais
Diante do exposto, as políticas que regulamentam o trabalho docente apresentam diretrizes que operacionalizam a prática pedagógica por meio de uma linguagem racionalizada de modo a impedir o desenvolvimento da reflexão, da crítica e da autonomia.
As reformas na educação visam atender as necessidades imediatas da sociedade. Assim, a racionalidade que se expressa nesse contexto pressupõe um novo tipo de profissional que tem a ver com uma nova forma de trabalho. Isso se torna evidente ao observar a prática docente em que o professor tem papel fundamental, tanto na apresentação do conhecimento, quanto como na estimulação do pensamento e da criatividade nos alunos.
Como consequência da implementação de tais reformas impostas ao processo educativo tem-se a massificação do ensino, a precarização e a intensificação do trabalho docente segundo sua própria racionalidade. O texto da LDB apresenta ambiguidades, aponta para a flexibilidade e, principalmente, contém contradições. Isso tem forte impacto no trabalho docente, dificultando o desenvolvimento da subjetividade, da autonomia dos professores e a caracterização da atividade docente.
A partir da análise das observações em sala de aula, constatou-se práticas calcadas no material didático. Ao trabalhar os conteúdos, os professores não extrapolam o texto nem fomentam a discussão entre os alunos como forma de enriquecer o debate e a ampliação do conhecimento. Na maior parte do tempo, não se verifica espaço para a reflexão, para a autocrítica e para a confrontação de opiniões divergentes.
Frente a essas tendências presentes na sociedade administrada nos deparamos com práticas instrumentalizadas, distante de reflexão e autonomia. Não há evidencias de resistência, de oposição, nem possibilidades de individuação mediante as exigências impostas ao trabalho docente. Nesse contexto, o trabalho docente se desenvolve orquestrado pelos ditames da sociedade administrada e seu desdobramento é regido pela lógica capitalista. Neste sentido, verificou-se a ausência de reflexão e de crítica na prática realizada, pois as atividades ocorrem em detrimento dos conteúdos a serem cumpridos e, a perda da autonomia docente utilizar de modo utilitário o material didático. Tais fatos acabam por moldar o um novo perfil docente vinculado a racionalidade e as exigências da sociedade administrada.
Referências
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Notas