Artigos
O DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: CONTEXTO DE ATUAÇÃO E FORMAÇÃO
O DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: CONTEXTO DE ATUAÇÃO E FORMAÇÃO
Olhar de Professor, vol. 22, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepción: 01 Enero 2018
Aprobación: 31 Diciembre 2018
Resumo: O artigo tem a finalidade de abordar o perfil dos professores da educação superior no Brasil, nos quesitos atuação e a formação, a partir de pesquisas de natureza bibliográfica-documental. Nas décadas de 2000 ocorre uma LLexpansão significativa da educação superior, com um incremento da quantidade de instituições e cursos, mas a quantidade de docentes não seguiu o mesmo ritmo de crescimento, produzindo uma sobrecarga de atividades aos professores. Prevaleceu um aumento desigual do número de matrículas em relação ao número de professores. As condições de trabalho tornaram-se mais precarizadas e, com o avanço das políticas neoliberais de responsabilização individual dos sujeitos, ocorreu uma retração de políticas de formação docente, sendo a mesma diluída em diferentes espaços formativos.
Palavras-chave: Educação superior, Formação de professores, Perfil docente.
Abstract: The article aims to address the profile of higher education teachers in Brazil, in terms of performance and training, from bibliographic-documentary research. In the 2000 there was a significant expansion of higher education, with an increase in the number of institutions and courses, but the number of teachers did not follow the same pace of growth, producing an overload of activities for teachers. There was an uneven increase in the number of enrollments in relation to the number of teachers. Working conditions became more precarious and, with the advancement of neoliberal policies of individual accountability of the subjects, there was a retraction of policies of teacher training, being diluted in different training space.
Keywords: College education, Teacher training, Teaching profile.
Resumen: El artículo tiene como objetivo abordar el perfil de los docentes de educación superior en Brasil en términos de desempeño y capacitación, a partir de la investigación de corte bibliográfico-documental. En la década de 2000 hubo una expansión significativa de la educación superior, con un aumento en el número de instituciones y cursos, pero el número de docentes no siguió el mismo ritmo de crecimiento, produciéndoles una sobrecarga de actividades. Hubo un aumento desigual en la matrícula en relación con el número de docentes. Las condiciones de trabajo se volvieron más precarias y, con el avance de las políticas neoliberales de responsabilización individual de los sujetos, hubo una retracción de las políticas de educación docente, que se diluyeron en diferentes espacios formativos.
Palabras clave: Educación universitaria, Formación de profesores, Perfil docente.
INTRODUÇÃO
O artigo tem como finalidade apresentar uma contribuição ao debate sobre o perfil dos docentes da educação superior brasileira, relacionados à questão da sua atuação e formação. Sendo produto de uma pesquisa mais ampla relacionada ao perfil de professores que lecionam em disciplinas cursadas a distância por alunos de cursos superiores de graduação, de Instituições de Ensino Superior (IES), esclarece-se que o recorte temático do artigo, portanto, relaciona-se tão somente ao perfil dos professores da educação superior no Brasil, públicas e privadas, sem discriminar se atuam no ensino presencial ou a distância.
Compreender quem é o docente das IES tornou-se relevante, haja vista que em face da expansão ocorrida na educação superior no Brasil nos últimos quinze anos, resultante, sobretudo de políticas governamentais implantadas nos anos dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Roussef (2011-2016), esperava-se que ocorresse um crescimento também significativo de professores nesse nível de ensino. Nesse contexto, faz-se necessário compreender quem são os professores que atuam nas IES, já que nas últimas décadas as políticas governamentais, seguindo orientações de organismos internacionais à serviço do capital, têm enfatizado, sobremaneira, a qualidade da educação escolar em todos os seus níveis e modalidades de ensino. O trabalho docente é revestido de fundamental importância para o desenvolvimento e a articulação de melhores resultados na qualidade da formação discente e sua inserção na nova sociabilidade capitalista. Neste ínterim, investir no desenvolvimento e qualidade desse trabalho favorece o desenvolvimento social e científico nacional.
Profundas mudanças estão ocorrendo no processo de trabalho e nas relações de produção, expondo o caráter contraditório da nova sociabilidade do capital: de um lado, um intenso desenvolvimento das forças produtivas; de outro, a intensificação de processos de exploração e alienação da classe que vive do trabalho. A função social do professor, como prática social e histórica, em constante transformação, está posta nessa totalidade. Como uma prática social, a função docente articula-se com a nova sociabilidade do capital, mediante os papéis que ela cumpre, no sentido de transformar ou de legitimar as políticas educacionais em curso, demandadas pela nova ordem mundial.
Essa função mantém uma relativa autonomia em relação à sociabilidade global, como uma particularidade desse todo social. Tomando-se a realidade como um todo estruturado, orgânico, em permanente transformação, pode-se dizer que a função docente é o todo num determinado momento, e por isso é concreta, um fato histórico, não uma abstração, da mesma forma que a nova sociabilidade capitalista é concreta, real, dialética. É nesse sentido que a escola cumpre uma função social. E também o professor. Seja para legitimar as políticas de mercado e fragmentação social, seja para desmistificá-las (SILVA, 2016, p. 1).
Neste artigo, a finalidade é socializar os resultados das pesquisas que permitiram compreender qual é o perfil dos professores que atuam na educação superior brasileira, perfil, este, que foi delimitado em duas dimensões: a dimensão da atuação e a dimensão da formação. Quando se trata da atuação do professor, é indispensável considerar as condições de trabalho em que esses profissionais estão inseridos, e tais condições dizem respeito a maneira com está organizado o processo de trabalho nas unidades educacionais: divisão das tarefas e responsabilidades, a jornada de trabalho, os recursos materiais disponíveis para o desempenho das atividades, os tempos e espaços para a realização do trabalho, etc.
O contexto e as condições de trabalho são determinantes para o exercício da docência. Pimenta e Anastasiou (2010) consideram que a diversidade presente nas diferentes instituições quanto às formas de ingresso, vínculos, jornada de trabalho e ao tratamento que conferem ao ensino e à pesquisa interfere diretamente na atuação desse profissional e, consequentemente, em seus resultados, influenciando, sobremaneira, na constituição do perfil do professor da educação superior.
Ao tratar de perfil docente, necessariamente, há que se considerar os processos de formação desse profissional da educação, que são determinantes no desenvolvimento do perfil profissional. As políticas relacionadas à formação deste docente são emblemáticas no Brasil. Em 1983, por exemplo, o Conselho Federal de Educação (CFE) estabeleceu que um sexto (1/6) da carga horária dos cursos de Especialização oferecidos no Brasil fosse oferecido por disciplinas de conteúdo pedagógico. Para suprir essa exigência, os currículos destes cursos passaram a incluir a disciplina de Metodologia do Ensino Superior.
Necessário observar que, na prática, a formação para a docência na educação superior restringe-se, na grande maioria dos casos, ao oferecimento desta única disciplina com carga horária média de 60 a 64 horas/aula. E, apesar da pouca carga horária dessa disciplina, são os únicos momentos de reflexão “sobre seu papel, sobre o ensinar e o aprender, o planejamento, a organização dos conteúdos curriculares, a metodologia, a avaliação, a realidade onde atuam” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 108).
A formação de docentes para a educação superior no Brasil, até hoje, não está regulamentada sob a forma de um curso específico como nos outros níveis de ensino. Há uma exigência legal da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determinando que as universidades possuam, em seu quadro docente, no mínimo, um terço de mestres e doutores. Exigência essa que não garante uma formação pedagógica direcionada à docência universitária, já que os cursos stricto sensu (Mestrado e Doutorado), em geral, estão voltados para a formação de pesquisadores nas diferentes áreas de conhecimento. É possível, considerar que praticamente inexiste ou é muito restrita a formação específica para professor universitário. Pimenta e Anastasiou (2010, p. 104) afirmam que a “passagem para a docência ocorre naturalmente; dormem profissionais e pesquisadores e acordam professores!”.
Assim, no espaço possível de um artigo, intenciona-se dimensionar a educação superior brasileira com relação à sua organização acadêmica, categoria administrativa das instituições de educação superior (IES), às matrículas nos cursos de graduação, o perfil dos docentes atuantes, o contexto institucional da atuação e a formação dos docentes.
Realizada no período de 2016-2017, a pesquisa caracterizou-se como um estudo documental-bibliográfico, tendo como fontes os censos da educação superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), a legislação educacional e a produção acadêmica, como teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos científicos. Utilizando descritores, tais como docência no Ensino Superior, docência universitária, professores do Ensino Superior, perfil dos professores, formação de professores, foram realizadas as buscas dos artigos na World Wide Web (Google Acadêmico, Scielo), as teses e dissertações nos sites da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd); Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT); bem como o Banco de Teses e Dissertações (BTD) da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES). Optou-se, também, pela apresentação de um desenho estatístico do perfil dos docentes das IES, nas dimensões anteriormente indicadas.
O artigo estrutura-se em duas partes: a primeira apresenta o perfil docente no quesito atuação profissional, em uma perspectiva histórica; e, a segunda, destaca esse perfil no contexto de sua formação, considerando-se as políticas públicas para o setor.
DIMENSIONANDO O PERFIL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR COM RELAÇÃO AO CONTEXTO INSTITUCIONAL DE ATUAÇÃO
O advento da educação superior no Brasil ocorreu de forma tardia, se comparada com outros países latino-americanos, sendo que os primeiros cursos foram criados no início do século XIX, quando a Corte portuguesa transferiu-se para a Colônia do Brasil. A educação superior, desde então, teve um desenvolvimento incipiente, sendo ofertada em escolas e/ou faculdades isoladas. Apenas a partir de meados da década de 1940, foi que a educação superior cresceu em número de instituições, sendo que entre 1946-1960 foram criadas 18 universidades públicas e 10 particulares, de maioria confessional católica e presbiteriana (SAMPAIO, 2000).
Em 1951, foi criada a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) com o objetivo de “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do País” (BRASIL, 1951).
A expansão da educação superior vai ocorrer, sobremaneira, a partir de 1964, como uma política da ditadura militar (1964-1985) instaurada e, ao contrário de alguns países da América Latina, no Brasil, a repressão política promoveu a educação superior, sobretudo privada, com fortes estímulos de recursos públicos, onde o número de matrículas, em cerca de vinte anos, passou de 95.961 em 1960, para 134.500 em 1980. Este período de plena expansão foi favorecido por algumas regulamentações legais, que garantiram a existência do ensino superior privado, regulamentando a sua expansão. Os governos militares não só favoreceram a expansão como promoveram a privatização gradual do Ensino Superior no país. Segundo Cunha (1988, p. 22), o empresariado do ensino foi bastante favorecido pela legislação tributária no que se refere às instituições educacionais privadas de todos os níveis.
O fim do Regime Militar em 1985, e a instituição da chamada Nova República e a pressão dos movimentos sociais, levaram o Congresso Nacional a instaurar o processo Constituinte, culminando, em 1988, com a aprovação de uma nova Constituição Federal. Decorrente do previsto nessa Constituição, em 1996 foi aprovada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/96), que teve um início diferente da tradição de leis criadas para a educação no país. Optou-se por uma “LDB minimalista”, que deixa muitos aspectos em aberto e compatível com a ideologia neoliberal, ou seja, com o “Estado mínimo” voltado para atender aos interesses do capital (SAVIANI, 1997).
Entre 1985 e 1993 o número de vagas oferecidas no Ensino Superior manteve-se relativamente estável, em torno de 1.500.000, com declínio relativo da participação do setor privado. A educação superior retoma seu crescimento durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC 1995-2002), quando houve um sensível aumento de vagas nas IES privadas, sendo que essa expansão ocorreu, sobretudo, por uma legislação que facilitou a abertura de cursos e IES. De acordo com Musse (2003, p. 61),
A situação das universidades tem se deteriorado nos últimos anos porque houve uma reforma silenciosa nos anos do governo FHC, década de 1990, na qual a provocação pública foi desmobilizada. Isso em vários sentidos. O primeiro fato mais flagrante e evidente é de que a percentagem de vagas oferecidas pelas universidades públicas se inverteu em relação às privadas, ou seja, o polo de expansão do ensino universitário brasileiro passou a ser a rede privada.
A retomada da expansão da educação superior pública, com a criação de novas IES e cursos, vai ocorrer principalmente a partir de políticas governamentais implantadas pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), governos dos presidentes Lula da Silva e Dilma Roussef. É necessário destacar que as mudanças ocorridas no governo, no sentido de focalização de políticas sociais voltadas às camadas sociais historicamente menos favorecidas, a partir do final de 2005, promoveram uma alteração gradual na condução da política do governo, reorientando-o no sentido de maior intervenção do Estado, seja na economia, seja no âmbito das políticas sociais, repondo a agenda de intervenção do Estado e do planejamento como instrumento de indução do desenvolvimento.
Tais mudanças produziram um crescimento vertiginoso de vagas na educação superior, cerca de 199%, sendo que no ano de 2000 haviam 2.695.927 vagas (2.694.245 presencial e 1.682 a distância) e, em 2016 o número de vagas passou para 8.048.701 (6.554.283 presencial e 1.494.418 a distância), segundo o Censo da Educação Superior (INEP, 2017).
Durante os dois mandatos do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) – a rede privada continuou crescendo, no entanto, a rede pública de Educação Superior também aumentou consideravelmente. De 2003 a 2010, houve um salto de 45 para 59 universidades federais, o que representa a ampliação de 31%, e de 148 campi para 274 campi/unidade, com crescimento de 85%. Diante desse quadro de expansão da educação superior, com a evidente privatização do setor, o Estado regulador pensou em estratégias para garantir o controle sobre esse nível de ensino. Com o discurso de garantir um padrão de qualidade de ensino, o Estado criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), a partir da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, e passou a supervisionar as IES, públicas e privadas, avaliando os cursos de graduação, a produtividade acadêmica dos professores e o desempenho dos estudantes (BRASIL, 2004).
Nesse período dos governos do PT, várias políticas favoreceram a expansão da educação superior, tais como: a Lei de Inovação Tecnológica (2004) que dá incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo; a introdução de normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada(2004); a organização dos Centros Federais de Educação Tecnológica (2004) e, posteriormente, em 2008, da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou Institutos Federais de Educação Tecnológica; a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni, 2005) e normatização da atuação de entidades beneficentes de assistência social na educação superior; a regulamentação das fundações de apoio privadas no interior das instituições federais de ensino superior; em 2005 a normatização da educação a distância, fortalecendo a abertura do mercado educacional ao capital estrangeiro; criação da Universidade Aberta do Brasil (em 2006); Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (ReUNI, 2007); Programa “Expandir” (2006) com expansão das Instituições Federais (criação de dez novas universidades e 48 campi e ampliação da rede federal de educação tecnológica e profissional); Programa “Ciência Sem Fronteiras” (2011); Sistema de Seleção Unificada (SiSU, 2010); Lei das Cotas (2012); etc.
Um balanço dos governos de 2002 a 2016 permite identificar alguns resultados das políticas de expansão adotadas no período: foram criadas 19 instituições federais de educação superior; um investimento de R$ 25 bilhões em programa de financiamento estudantil a 760 mil universitários; oferta de 100 mil vagas (ocupadas) no Programa Ciência sem Fronteiras; um crescimento do número de alunos – em 2003 eram 583.800 e, em 2015 eram 8.033.574 (privadas: 6.075.152); no ProUni foram ofertadas 1,1 milhão de bolsas para estudantes de baixa renda nas faculdades particulares; a elaboração de um novo do Programa Nacional de Pós-graduação em 2011, com a ampliação do número de programas de pós-graduação stricto sensu – Mestrado e Doutorado; entre outros.
Faz-se necessário esclarecer que, segundo a LDB/1996, as IES no Brasil são enquadradas nas seguintes categorias acadêmicas: universidades, centros universitários, faculdades e institutos superiores de educação. Sobre as universidades, pesa maior rigor no cumprimento de exigências pautadas obrigatoriamente em desenvolvimento de atividades de ensino (graduação e pós-graduação), pesquisa e extensão; número de docentes titulados como mestres e doutores em seu quadro funcional; um terço de docentes em regime de trabalho de tempo integral, entre outros critérios, bem como, a autonomia acadêmico-administrativa. As instituições públicas de ensino são aquelas mantidas pelo Poder Público, na forma federal, estadual ou municipal. Essas instituições são financiadas pelo Estado, e não cobram matrícula ou mensalidade. Já as IES privadas são administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, com ou sem finalidade de lucro. As instituições privadas sem finalidade de lucro são: as comunitárias, que incluem em sua entidade mantenedora representantes da comunidade; as confessionais, que atendem a determinada orientação confessional e ideológica; e as filantrópicas, que prestam serviços à população, em caráter complementar às atividades do Estado, segundo o artigo 20 da LDB/1996.
De acordo com Censo do INEP (2017), havia 2.407 IES no país, sendo a grande maioria (2.111) na categoria administrativa privada contra apenas 296 instituições públicas. Entre as IES privadas, predominam como organização acadêmica as faculdades (88,4%). Quanto às IES públicas, 41,6% são estaduais, 36,1% são federais e 22,3% são municipais. Pouco mais de 8% das IES são universidades, porém essas instituições detêm 53,7% das matrículas nos cursos de graduação. Neste contexto, observa-se que o número de docentes que trabalham na educação superior do Brasil vem crescendo ao longo dos anos, sendo que em 2016 (INEP, 2016) constituíam um total de 384.094 professores. A atuação desses professores ocorre, em sua maioria (55,85%), em instituições privadas de ensino e os demais, 44,147% nas públicas.
Nos últimos dez anos, o número de professores na educação superior no Brasil cresceu 27%, um crescimento muito pequeno, se comparado ao crescimento de 65% no número de alunos matriculados para esse mesmo período. Em 2006, foram registradas 4.883.852 matrículas e, em 2016, esse número praticamente dobrou para 8.048.701 de alunos matriculados. Além disso, é possível verificar que, no ano de 2016, 56% possuíam vínculo com IES privadas e 44%, com IES públicas.
Comparando o número de matrículas com a quantidade de docentes na educação superior, é possível perceber que, nos últimos dez anos, prevalece o aumento desigual entre matrículas e professores, tendo como exceção apenas os dados referentes ao período de 2008 a 2009. Dado importante sobre esse comparativo é a média da relação de número de aluno/professor, que vem aumentando nos últimos anos. Em 2006, essa média chegava a 16 alunos; dez anos depois, em 2016, a média de alunos por professor aumentou para 21, como é possível observar no gráfico 2.
Fato importante que vem afetando as condições de atuação dos professores nas IES, relaciona-se à quantidade de funcionários técnico-administrativos. Dados do INEP, entre os anos de 2014 e 2015, indicam que o número de funcionários técnico-administrativos cresceu em 1,5% enquanto o crescimento do número de alunos foi de 2,1%. Sobre essa discrepância, que vem ocorrendo ao longo dos anos, Silva-Júnior, Sguissardi e Silva (2010) supõem que as novas tecnologias permitiram uma transferência de funções dessa categoria para os docentes, que passaram a preencher planilhas de notas, programas de disciplinas e formulários de agências de fomento.
Assim, aliando o aumento do número de alunos por professor à diferença de crescimento de funcionários técnico-administrativos, o resultado é a intensificação do trabalho do professor na educação superior. Ampliaram-se as responsabilidades e atribuições em seu cotidiano com um maior número de exigências para serem cumpridas em menos tempo. Essas mudanças nas formas institucionais do trabalho docente alteram, consequentemente, a rotina dos professores.
No Censo do INEP (2016) foi possível observar o número de docentes da educação superior por categoria administrativa: pública – 169.544 (federal – 110.105; estadual – 51.791; municipal – 7.648) e privada – 214.550. Observa-se que a maioria dos docentes do Ensino Superior encontram-se em instituições de categoria administrativa privada (56%). Nas instituições públicas, que reuniram em 2016 o total de 169.544 docentes, a minoria encontra-se nas IES de categoria municipal, enquanto a maioria leciona nas instituições federais, haja vista que as IES municipais são em menor número e criadas recentemente, e muitas federais foram criadas há mais de quarenta anos.
O estabelecimento em que o professor exerce sua atividade é um dos condicionantes mais fortes da docência universitária, pois, dependendo da categoria administrativa e da missão da IES, o tipo de atividade do professor e funções priorizadas serão diferentes. Na educação privada as condições de trabalho estão sendo cada vez mais precarizadas, o que também vem ocorrendo nas IES públicas. Conforme estudos de Sguissardi e Silva-Júnior (2009) e Bertolini (2011), as dificuldades vividas pelo docente nessas instituições, evidencia as dificuldades em reverter esse quadro devido ao conjunto das IES estarem inseridas no modelo político e econômico mercantilista e neoliberal. Na política neoliberal, produz-se mais por menor valor, nesse contexto, seria tratar a universidade como empresa, característica inadequada para ela; a educação em geral, é concebida como uma mercadoria e as políticas de “ranqueamento” tem acirrado a disputa no competitivo “mercado educacional”.
Segundo Bertolin (2011), essa disputa emerge no contexto da educação superior: a competição de mercado por serviços educacionais. A gênese dessa competição está ligada às orientações de organismos internacionais a Estados nacionais que, sob a justificativa de maximizar os benefícios sociais dos sistemas educacionais, têm implantado reformas educacionais baseadas em lógicas de mercado e serviço comercial, colocando em questão, de forma inédita, a própria concepção de educação superior como bem público.
Na pesquisa de Siqueira (2006), é possível verificar relatos de docentes de universidade privada que admitiram não se sentirem identificados com sua profissão devido à sensação de insegurança e desvalorização em relação a permanência no trabalho. Este sentimento decorre da fragilidade do vínculo com o ambiente profissional, pela forma contratual de regime horista de trabalho, gerando a impressão errônea de maior liberdade deste docente em determinar a sua remuneração pela quantidade de horas que possa ministrar, sem levar em consideração que para obter um melhor salário precisará trabalhar além da carga horária prevista em lei. Na infraestrutura e materiais, os docentes das universidades privadas relatam a deficiência de recursos financeiros que permitam ampliação do ambiente institucional assim como o incentivo à pesquisa, ponto de diferença da universidade pública, onde os docentes almejam o ingresso pela questão da pesquisa cientifica (SIQUEIRA, 2006).
Para Lourenço, Lima e Narciso (2016, p. 701), é amplo o conjunto de funções desempenhadas por um professor da educação superior. Destacam os autores:
(a) o estudo e a pesquisa; (b) a docência, sua organização e o aperfeiçoamento de ambas; (c) a comunicação de suas investigações; (d) a inovação e a comunicação das inovações pedagógicas; (e) a orientação (tutoria) e a avaliação dos alunos; (f) a participação responsável na seleção de outros professores; (g) a avaliação da docência e da investigação; (h) a participação na gestão acadêmica; (i) o estabelecimento de relações com o mundo do trabalho, da cultura etc.; (j) a promoção de relações e intercâmbio departamental e interuniversitário, e (k) a contribuição para criar um clima de colaboração entre os professores.
Pimenta e Anastasiou (2010, p. 39) indicam outras atividades exercidas por esse docente, sendo que, entre outras atuações, o professor da educação superior toma decisões sobre currículos, políticas de pesquisa, de ensino e de avaliação. Algumas mudanças no mundo do trabalho relacionado a esse nível de ensino referem-se às:
[...] alterações na organização do campo universitário diante do aumento da demanda e da consolidação da educação superior de massas; alterações na organização do ensino superior ante o impacto das tecnologias de informação e comunicação (TIC) com o desenvolvimento da educação a distância, em nível de graduação, extensão e pós-graduação; integração entre ensino e pesquisa; educação voltada para a eficiência, competitividade, ‘qualidade’, mudança no perfil do professor e do processo de formação; ênfase na formação continuada; mudanças nas fontes de financiamento da educação superior; impacto da mundialização do capital na educação [...] (GARCIA, 2009, p. 139).
Segundo a organização acadêmica das instituições superiores, em 2016 o número de docentes atuantes prevalece nas universidades (54% ou 207.539), enquanto apenas 5% (19.919) ocorrem em institutos federais. Ainda neste contexto, 30% (113.484) dos professores atuaram em faculdades e 11% (43.152) em centros universitários (INEP, 2017).
Ao considerar-se a distribuição dos professores da educação superior por regiões, constata-se que dos 384.094, 43,48% concentram-se na Região Sudeste, 21,67% Nordeste, 19,20% Sul, 9,31% Centro-Oeste e 6,31% Norte. É evidente a alta concentração docentes na Região Sudeste, que é considerada a região mais populosa e de renda per capta mais alta do Brasil, concentrando também o maior número de IES, sendo a Região integrada pelos estados considerados economicamente mais desenvolvidos - São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. Enquanto na Região Norte, encontram-se apenas 6% dos professores, mas que também apresenta o menor número de alunos na educação superior, 451 mil matriculados em 150 IES. Observa-se que esses dados, que refletem o número de professores universitários por regiões, remetem, concomitantemente, ao desenvolvimento destas instituições.
O regime de trabalho dos docentes que atuam na educação superior tem sido um importante indicativo das condições de trabalho aos quais estão submetidos. Podemos utilizar como exemplo uma política de reestruturação da educação superior pública no país, na última década, indicativa de que as condições nas IES não tem melhorado, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (ReUni), criado em 2007 com os objetivos de elevar a taxa de conclusão do curso de graduação dos alunos para 90%; aumentar o número de estudantes de graduação nas universidades federais; diversificar as modalidades dos cursos de graduação; e promover o aumento da relação aluno/professor.
Assim, na medida em que o Programa objetiva, entre outros, a expansão do ensino de graduação, tem sido evidente que ações do governo estimulam as universidades federais à contratação de professores: em regime de trabalho de 20 horas para o trabalho em sala de aula, esvaziando o sentido do regime de trabalho em dedicação exclusiva; para a docência na educação a distância, já que muitos cursos de graduação e pós-graduação criados tem sido nessa modalidade; para o regime de trabalho temporário, ou seja, para a contratação de docentes para lecionarem durante um prazo máximo de dois anos; entre outros.
Destaca-se que esse contexto de expansão trazido pelo ReUni tem aprofundado uma lógica gerencial de gestão com financiamento por contrato baseado em resultados e metas, comprometendo o conceito de autonomia universitária por tratar-se muito mais de uma autonomia administrativa e as condições de trabalho docente qualificado. A precarização do trabalho docente, especialmente nas instituições públicas de ensino superior, tem consequências avassaladoras não só para o professor, mas para o próprio desenvolvimento científico brasileiro (BARSOTTI, 2011), pois, historicamente, tem sido nessas instituições onde ocorre a maior parte da produção científica e tecnológica brasileira, isto é, 90% da ciência produzida.
Na rede pública, o número de docentes em tempo integral quase dobrou nos últimos dez anos. Em 2016, os docentes horistas da rede privada tiveram uma queda de 9,7%. A queda da participação de docentes horistas na rede privada, a partir de 2006, acompanhada do crescimento da participação de docentes em tempo integral e parcial, confirma a tendência geral de melhoria nos vínculos de trabalho dos docentes. Na rede pública, a participação de docentes em tempo integral continua se expandindo, enquanto o número de docentes em tempo parcial e horistas continuam em queda.
Seguindo uma tendência mundial, em face da reestruturação produtiva capitalista, como qualquer outro trabalho, o trabalho docente também está submetido à precarização, principalmente em períodos de crise econômica, em que o cenário é de aumento de taxas de desempregos e, consequentemente, de crescimento do trabalho sem estabilidade. Apesar de na rede pública o número de docentes em tempo integral tenha quase dobrado nos últimos dez anos, em face da expansão da educação superior através da educação a distância e criação de novas IES federais nos governos do Partido dos Trabalhadores (2002-2016), docentes da educação superior, sobretudo os da rede privada, exercem atividades em três turnos e em diferentes instituições, atuando com contratos temporários e em regime horista, sendo remunerados por hora/aula (YAMADA; SALERNO, 2013).
No ano de 2016, entre IES privadas e públicas, 48% dos docentes trabalharam em regime de tempo parcial ou horista; indo mais além na análise dos dados, é possível verificar que na rede privada essa porcentagem expandiu para 74% (INEP, 2017). O que Chomsky (2014) identifica como “estratégia oriunda do modelo de negócio de empresa privada” diz respeito, principalmente, à minimização de gastos aplicados na educação.
Os professores contratados em tempo parcial, por sua vez, têm menos exigências a cumprir em termos de carga horária, pesquisa e disponibilidade, mas, por outro lado, também podem ser diferenciados no tocante ao apoio recebido, tanto financeiro (recebem menos apoio) como na estabilidade do vínculo contratual. Dentre os docentes em tempo parcial, ao menos dois tipos de carreira podem ser encontradas no contexto brasileiro: professores que se dedicam apenas à docência e lecionam em diversas instituições e os professores que exercem outras atividades profissionais paralelas, como a consultoria, ou mesmo têm um emprego em outra organização. Já tem sido discutido na literatura como esse tipo de docente pode estar sujeito a pressões e stress, uma vez que, para sobreviver, é obrigado a cumprir cargas horárias em diversas instituições ou desempenhar múltiplas funções em diversos empregos (Esteve, 1995). Também já foi apontado que esse tipo de docente, em geral, não se dedica à atividade de pesquisa científica de forma sistemática (Nicolini, 2000) e, portanto, não participa de congressos ou faz publicações em periódicos científicos (LACOMBE, 2005, p. 15).
Assim, não seria equívoco afirmar que o exercício do magistério superior vem sendo submetido a condições precárias em termos de intensificação do ritmo do trabalho e achatamento de salário, prestígio social, satisfação pessoal e profissional. Entre tantos fatores, atenta-se ao aumento do ritmo de trabalho em detrimento do tempo para preparar e refletir de forma crítica as suas atividades. Outro aspecto que chama a atenção sobre o trabalho docente é a presença crescente de novas denominações em todos os níveis e tipos de instituições de ensino, sob diferentes formatos e justificativas. Trata-se, na maioria dos casos, de docentes em caráter temporário, em situações desfavoráveis de ensino daqueles chamados de professores e, desta forma, vulneráveis.
DIMENSIONANDO O PERFIL DA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
O contexto social e político-educacional no qual configurou-se essa expansão da educação superior, evidencia uma necessidade especial de investimento no ensino universitário, visto que a pressão dos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial tem direcionado e cobrado políticas de governo que priorizem a formação docente no espaço acadêmico.
Contraditoriamente, a reconfiguração do modo de produção capitalista, a financeirização e a globalização mundial têm influenciado a condução dos rumos da educação superior nos países em desenvolvimento, especificamente o Brasil, aonde a cada ano esse segmento de ensino no setor público vem sofrendo diminuição dos investimentos e a precarização de suas ações estabelecendo uma dicotomia dada à necessidade contemporânea de profissionais com qualificação adequada.
O contexto atual das políticas neoliberais tem relegado aos indivíduos a centralidade e a responsabilidade na formação profissional, cabendo aos governos apenas os estímulos fiscais e financeiros às entidades privadas para assumirem o papel na formação, que em linhas gerais, delineiam o percurso formativo para atender o mercado de trabalho. Nessa lógica, o ensino superior tem sido identificado como instituição que subsidia a construção da sociedade do conhecimento, a melhoria dos serviços e da produção através do pilar do desenvolvimento humano e o aumento do capital. Esse reducionismo restringe o papel da universidade e traz implicações na formação e na atuação do professor.
Em tempos de mercantilização da educação, é enfatizado o papel empreendedorista do professor universitário cabendo-lhe, para sobreviver, o acúmulo de carga horária de trabalho, gerência de editais de pesquisa, atendimento aos critérios de produtividade da CAPES, avaliação de progressão por méritos técnicos, coordenação de grupos de pesquisa, orientação de trabalhos de conclusão de curso, banca de seleção e progressão na carreira, elaboração de pareceres técnicos, reuniões de departamentos, participações em comissões, banca de concursos, aulas, dentre outras atividades.
Essa situação se agrava se considerarmos como vem ocorrendo a formação dos professores que atuam nas IES brasileiras. Conforme Cunha (2006, p. 262), os professores universitários “aprendem fazendo, já que, na maioria dos casos, não viveram processos de formação específica para a docência”. Assim, não seria equívoco afirmar, então, que a própria experiência que o professor vivenciou como aluno na educação superior possivelmente interfere diretamente em seu processo de exercício da docência. Das experiências que adquiriram como alunos de diferentes docentes, formam modelos de professor nos quais se espelham para reproduzir ou negar, mesmo que na maioria das vezes, esses processos sejam inconscientes. Assim, acumulam vivências de docência no papel de aluno que mais tarde servirão de referência para formação de sua atuação docente (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010). No tocante ao aspecto da formação dos professores universitários, percebe-se que existe um processo autodidata no exercício da profissão:
[...] O professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos ‘outros’. Isso se explica sem dúvida, devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos, embora não há que se descartar a capacidade autodidata do professor. Mas ela é insuficiente (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 36).
Freire (1996, p. 22) afirma que “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar de diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender [...]”.
Ainda, com relação ao aparato legal que orienta a condução de ações voltadas para a formação de professores universitários no Brasil, o artigo 52 da LDB/1996, estabelece que as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão, de domínio e cultivo do saber humano, caracterizando-se por:
[...] I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;
II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral (BRASIL, 1996).
Destaca-se o inciso II, que determina que 30% do corpo docente tenha titulação em Mestrado ou Doutorado, regra que é reforçada pelo artigo 66 da LDB/1996. Na íntegra, em seu artigo 65, dispõe que “a formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas”. O artigo 66 afirma que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de Mestrado e Doutorado” (BRASIL, 1996). O referido artigo não faz alusão à formação pedagógica como pré-requisito para ingresso e promoção na carreira de professor universitário.
Pode-se compreender, assim, que para atuar como docente na educação superior e ministrar aulas em diferentes cursos de graduação pode ser necessário somente ter uma formação em nível de pós-graduação lato sensu. Segundo Saviani (1997, p. 4), no referido artigo 66 omitiu-se do texto final, aprovado pelo Congresso Nacional, o trecho da versão original proposta pelo senador Darcy Ribeiro, afirmando que: “Acompanhados da respectiva formação didático-pedagógica, inclusive de modo a capacitar o uso das modernas tecnologias de ensino”.
Além disso, o parágrafo único do artigo 66 da LDB/96 afirma que “o notório saber, reconhecido por universidade com curso de Doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico” (BRASIL, 1996). Isso vem provocando um aumento significativo da demanda por esses cursos e o crescimento de sua oferta, especialmente na área da educação, numa tentativa de buscar a formação para a docência superior, ausente nos programas de pós-graduação das demais áreas. Por outro lado, a não exclusividade da formação nesse nível expressa na lei tem provocado um crescimento da oferta de cursos de pós-graduação lato sensu (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010).
É pertinente observar que em 2001 foi sancionada a Lei nº 10.172/2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE). Ao estabelecer objetivos e metas, compromete-se a prover, até o final da década, a oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a 24 anos e investir em programas de avaliação da qualidade. Contudo, o documento é omisso ao tratar da formação do professor para a educação superior, ao limitar a fixar a intenção de promover o aumento anual do número de mestres e de doutores formados no sistema nacional de pós-graduação em, pelo menos, 5%. Neste aspecto, também o PNE para o decênio 2014-2014 é um tanto omisso sobre a questão da formação dos seus professores, sendo que na temática referente à “qualidade da educação superior e titulação do corpo docente”, apenas apresenta como meta “elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício” no conjunto do sistema de educação superior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% doutores. Ou seja, os últimos planos nacionais de educação não tratam da qualificação/preparação pedagógica dos professores da educação superior, associando essa qualificação apenas à posse de um título acadêmico.
Percebe-se, assim, o reforço da antiga crença de que para ser professor basta o conhecimento aprofundado de determinado conteúdo, tal como era a contratação dos primeiros professores da educação superior brasileira. Masetto (1998), afirma que, no princípio da história das universidades do Brasil, a contratação dos docentes era realizada a partir do destaque que tinham na carreira em que atuavam. Essa ênfase no conteúdo específico também é apontada por Cunha (2006, p. 258), que afirma que “a formação do professor universitário tem sido entendida, por força da tradição e ratificada pela legislação, como atinente quase que exclusivamente aos saberes do conteúdo do ensino”. Reafirma-se a ideia de que a boa atuação na docência estaria ligada diretamente ao conhecimento da parte prática da profissão e não aos conhecimentos pedagógicos.
A docência em nível de ensino superior exige do candidato, antes de mais nada, que ele seja competente em uma determinada área de conhecimento. Essa competência significa, em primeiro lugar, um domínio dos conhecimentos básicos numa determinada área, bem como experiência profissional de campo, domínio este que se adquire, em geral, por meio dos cursos de bacharelado que se realizam nas universidades e/ou faculdades e de alguns anos de exercício profissional. No entanto, esse domínio cognitivo é muito pouco. Exige-se de quem pretende lecionar que seus conhecimentos e práticas profissionais sejam atualizados constantemente por participações em cursos de aperfeiçoamento, especializações, congressos e simpósios, intercâmbios com especialistas, etc. Exige-se, ainda, de um professor, que este domine uma área de conhecimento científico pela pesquisa. É importante que nos demos conta de que esse termo ‘pesquisa’ abrange diversos níveis (MASETTO, 1998, p. 19).
Profissionais de vários campos de conhecimento inserem-se no magistério, passando a atuar como consequência “natural” das atividades que já desempenham. O mesmo pode ser observado quanto a pesquisadores que se tornam docentes, já que, em sua maioria, os cursos de pós-graduação stricto sensu enfatizam conhecimentos específicos e a pesquisa, e não têm seu enfoque no magistério superior (MASETTO, 1998). Faz-se necessário afirmar que a pós-graduação, no Brasil, apresenta três níveis de titulação: Especialização, os chamados cursos lato sensu, Mestrado e Doutorado, identificados com cursos stricto sensu. Em termos amplos, a pós-graduação lato sensu é uma das possibilidades de atualização em áreas específicas de conhecimento. Além disso, é necessário observar que esses cursos de pós-graduação lato sensu, embora oferecidos em alguns casos sob a forma de extensão, assumem dominantemente as formas de aperfeiçoamento e especialização e constituem uma espécie de prolongamento da graduação. E, de fato, esses cursos objetivam um aprimoramento (aperfeiçoamento) ou aprofundamento (especialização) da formação profissional básica obtida no curso de graduação correspondente.
Na formação docente em nível de pós-graduação stricto sensu, é importante destacar que é imprescindível este espaço de formação para os professores que atuam na educação superior. Os cursos stricto sensu possuem um objetivo próprio, distinto daquele dos cursos de graduação e, nessa condição, diferentemente dos cursos de graduação que estão voltados para a formação profissional, a pós-graduação stricto sensu se volta para a formação acadêmica traduzida especificamente no objetivo de formação de pesquisadores.
A formação em nível de stricto sensu tem sido uma exigência no processo de avaliação das IES, no credenciamento e recredenciamento institucional e de cursos de graduação, já que, de acordo com o Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação Presencial e a Distância do Ministério da Educação, vigente para a autorização e renovação de reconhecimento de cursos, tem como uma de suas dimensões o corpo docente e tutorial, com 21(vinte e um) indicadores de qualidade (INEP, 2016).
Quanto aos cursos de Mestrado, têm-se atualmente duas modalidades de oferta da pós-graduação stricto sensu no Brasil: Mestrado Acadêmico e o Mestrado Profissional. A modalidade de Mestrado Profissional teve início na década de 1990, e em 2017, possuía 718 cursos em funcionamento. Para a Capes (2015), o Mestrado Profissional é um curso que enfatiza estudos e técnicas diretamente voltadas ao desempenho de um alto nível de qualificação profissional e, por isso, ele confere idênticos grau e prerrogativas, inclusive para o exercício da docência, com validade nacional do diploma condicionada ao reconhecimento prévio do curso.
Nos últimos quatro anos, houve um aumento de 77% nos cursos de Mestrado Profissional, enquanto o Mestrado Acadêmico atingiu um percentual de aumento de 17% no número de cursos (CAPES, 2017). Observa-se que o curso de Mestrado Profissional tem sido organizado para atender, prioritariamente, a formação de profissionais para atender a demanda de um determinado “nicho” do mercado de trabalho, sem, de fato, ter a finalidade de formação direcionada à pesquisa e/ou docência, como afirma a CAPES. Nesse Mestrado, o aluno não tem a obrigatoriedade de desenvolver pesquisa de dissertação como um dos requisitos para a conclusão do curso, o que se caracteriza como um forte indicador de que esse tipo de curso não está direcionado para a produção/formação acadêmico-científica.
No Brasil, o Sistema Nacional da Pós-Graduação (SNPG) atingiu o crescimento de 25% no número de programas nos últimos quatro anos. Em dados absolutos o sistema avançou de 3.337 para 4.175 programas entre os anos de 2013 e 2016 (CAPES, 2017). Assim como o Mestrado, o Doutorado também faz parte do grupo de pós-graduação stricto sensu, que compreende programas mais duradouros do que as especializações da categoria lato sensu e, da mesma maneira, é regulamentado para a oferta das modalidades acadêmica e profissional. A Portaria CAPES n° 389, de 23 de março de 2017, além de revogar a Portaria Normativa nº 17/2009, que dispõe sobre o Mestrado Profissional, inclui a novidade da modalidade profissional de Doutorado, que até então não existia no SNPG (CAPES, 2017).
Na tabela 2 apresenta-se a formação dos professores da educação superior por graus de formação, no último decênio, e na qual é possível observar um crescimento significativo da quantidade de mestres e doutores que atuam na rede pública e privada nesse nível de ensino.
Os dados da tabela 3 permitem visualizar o grau de formação dos professores nas IES segundo sua categoria administrativa, e através dos quais constata-se que a iniciativa privada, que concentra o maior número de professores, tem um menor número de titulados no mais alto nível da formação acadêmica – o curso de Doutorado. Isso é compreensível, já que são nas IES privadas que as atividades de pesquisa menos acontecem e, por serem instituições que procuram se manter lucrativas no competitivo mercado educacional, contratar e/ou manter um quadro significativo de doutores implica uma ampliação de despesas.
No Brasil, há um Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020 (BRASIL, 2010) voltado à expansão da titulação através do aumento do orçamento da CAPES, favorecendo o crescimento da graduação e do doutoramento, com bolsas em áreas prioritárias:
A formação de doutores tem sido considerada de extrema importância na produção e transmissão do conhecimento e é considerada um indicador do tipo de sociedade moderna que se deseja construir. [...] em 2008, existiam 132 mil doutores no Brasil, correspondentes a 0,07% da nossa população. Para alcançar as proporções dos países desenvolvidos seria necessário, no mínimo, multiplicar esse número por cinco vezes (BRASIL, 2010, p. 255).
Outra política pública estabelecida pela LDB/1996, é o Plano Nacional de Educação (PNE), criado pela Lei n. 13.005/2014, que apresenta como uma de suas metas a elevação da qualidade da educação superior e a garantia da institucionalização de uma política nacional de formação e valorização dos profissionais da educação mediante a ampliação do número de doutores e mestres. Vale destacar que além de definir o financiamento da formação inicial pelo Poder Público, o PNE 2014-2024 prevê o incentivo à participação em programas de Mestrado e de Doutorado mediante a licença remunerada e o incentivo para a qualificação profissional dos docentes. Entretanto, o PNE não prevê a institucionalização de políticas de formação docente que contemplem todos os profissionais em suas necessidades formativas, como é o caso de experiências institucionais com programas de formação continuada centrados na ação pedagógica. Há incentivo à qualificação via pós-graduação, mas a falta de normatização desses programas talvez tenha inviabilizado a formação pedagógica nesses espaços, uma contradição, já que é nesse cenário que se dará a legitimidade de sua inserção no magistério superior.
Apesar disso, ainda há professores universitários que não possuem nem mesmo um diploma de graduação, conforme dados do Censo da Educação Superior 2016, que mostram que, ano passado, ao menos 11 docentes de faculdades ou universidades espalhadas pelo país não tinham concluído um curso. Cabe ressaltar que este número já foi pior, já que em 2010 o número de docentes de nível superior que não tinham terminado a faculdade chegava a 381. Enquanto isso, em 2006, apenas 22% dos professores da educação possuíam um título de doutor, após uma década essa porcentagem subiu para 39% (INEP, 2017).
A exigência de formação em curso de Mestrado prevalece ao longo dos dez anos, contudo, observa-se esse percentual praticamente estável na rede pública, enquanto se percebe um crescimento da participação percentual desses docentes na rede privada. Desde 2011, apesar de serem expressivos, o crescimento do número de professores com apenas Especialização vem diminuindo, assim como de professores com somente graduação. O crescimento do número de docentes na educação superior com Doutorado vem se tornando mais expressivo, tendência que pode ser observada desde 2006, tanto na rede pública quanto na rede privada.
Quanto à formação dos docentes da educação superior por categoria administrativa, a maior parte dos vinculados a IES privadas (49%) estudou até o Mestrado, enquanto 22,5% têm Doutorado e 29% possuem apenas Especialização. Já na rede pública, que concentra um número maior de pesquisas e pós-graduação stricto sensu, e que determina, por imposição legal, que o candidato a professor inscrito em concurso público para universidade federal deva ter título de doutor, percebe-se uma porcentagem maior de doutores (39%), enquanto 21,8% têm apenas Especialização e 39% possuem Mestrado. Conforme já mencionado, a LDB/96 exige ter um terço de mestres e doutores para todas as universidades públicas ou privadas.
Comparando os dados apresentados, é possível fazer uma análise da formação dos docentes da educação superior por organização acadêmica e categoria administrativa. Verifica-se o predomínio de professores com formação stricto sensu nas universidades, sendo que nas públicas há uma tendência acentuada para percentuais de doutores similares aos de mestres. As instituições públicas têm professores mais qualificados que as particulares, levando em conta que, quanto à titulação, a tendência é uma maior concentração de mestres em instituições privadas e doutores nas públicas. Morosini (2000, p. 14) afirma que:
[...] conforme o tipo de instituição de ensino superior em que o professor atua, sua docência sofrerá diferentes pressões. Se ele atua em um grupo de pesquisa em uma universidade, provavelmente sua visão de docência terá um forte condicionante de investigação. Já se ele atua numa instituição isolada [...] sua visão de docência terá um forte condicionante de ensino sem pesquisa, ou, quando muito, de ensino com pesquisa. A cultura da instituição e daí decorrente a política que ela desenvolve terão seus reflexos na docência universitária. [...] mesmo nas instituições universitárias, a afirmação de que todos os docentes tenham a sua atividade relacionada à pesquisa não é verdadeira. As instituições têm diferentes graus de desenvolvimento de pesquisa em seu interior e mesmo entre as universidades públicas.
Atenta-se ao fato de que “nas políticas institucionais e nos órgãos reguladores e ou de fomento como o Ministério da Educação, a Capes e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) não se encontram dispositivos que valorizem o aprimoramento da docência” (CARDOSO, 2016, p. 101). Inclusive, nos processos de autorização, reconhecimento e avaliação de cursos, entre as dimensões avaliadas para emissão de conceitos, estão a titulação, experiência acadêmica e profissional, pesquisa e produção científica dos professores (BRASIL, 2004). Como enfatiza Cardoso (2016, p. 101), “seguindo essa lógica, os aspectos de maior preocupação para coordenadores de curso, diretores, reitores, conselhos e colegiados das IES, serão aqueles que vão impactar no momento dessas avaliações”. Desta forma, as instituições preocupam-se com ações que trazem visibilidade, recursos, mais cursos, mais alunos, atuando progressivamente na lógica concorrencial. Em síntese, o professor universitário, na última década, “sofre uma marcante pressão, advinda da legislação, imposta pela instituição e buscada por ele, para sua qualificação de desempenho, no qual o didático passa a ocupar um papel de destaque” (MOROSINI, 2000, p. 13).
A formação do professor que atua na educação superior tem sido discutida há algum tempo no Brasil, e o que se constata é que, erroneamente, os conhecimentos da área da Pedagogia não ocupam o devido lugar no processo de formação docente (CARDOSO, 2016, p. 97). Com a aprovação do PNE 2014-2024, destaca-se a Meta 13 referente ao corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior e propõe ampliar a proporção de mestres para 75%, e doutores para, no mínimo, 35% do corpo docente (BRASIL, 2014, p. 13).
O Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) é regido atualmente pela Portaria nº 086/2013 (CAPES, 2013). O Post-Doc, também chamado de Estágio Pós-Doutoral, é considerado uma formação extra na carreira acadêmica do professor e corresponde a mais um título acadêmico do que um nível de pós-graduação stricto sensu.
O pós-doutorado se reveste de um caráter de atualização e de reciclagem dos docentes na pós-graduação, o que condiz com a concepção de pós-doutorado (não obrigatório) como complemento e não como um item extra, essencial, para a formação de pesquisadores no sentido estrito do termo (CASTRO; PORTO; KANNENBLEY JÚNIOR, 2009, p. 15).
Observa-se que a avaliação dos cursos de graduação das IES, através de instrumento específico para este fim, apresenta entre os indicadores de qualidade do corpo docente, o indicador de produção intelectual (científica, cultural, artística, tecnológica) dos professores. Esse é um importante indicador, pois “[...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (FREIRE, 1996, p. 29), e é preciso considerar que os “formadores precisam também ser pesquisadores, para poderem tratar o conteúdo como um momento no processo de construção do conhecimento”, ou seja, trabalhar o conhecimento como objeto de indagação e investigação. A universidade que possuir um corpo docente engajado em produção acadêmico-científica, além de conseguir manter-se nos padrões de qualidade exigidos pelos órgãos reguladores, conseguirá atrair professores e obter recursos das agências de fomento. De forma geral, os pesquisadores buscam publicar as suas pesquisas, em forma de artigos, em periódicos que valorizem suas carreiras, pois quanto maior for a classificação do periódico em que publica, maior será o prestígio trazido para o pesquisador e maior efeito em sua empregabilidade (FALASTER; FERREIRA; GOUVEA, 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de década de 2000, ocorreu no Brasil uma retomada da expansão da educação superior, sobretudo, pela iniciativa privada, com fortes estímulos de recursos públicos. Percebe-se a falta de investimentos e fortalecimento das instituições públicas de modo geral, tendo como uma das consequências a precarização do trabalho docente, precarização esta como um fenômeno historicamente presente nas IES privadas. Essa situação se agrava ainda mais considerando-se o crescente processo de transformação das universidades em corporações, como tem ocorrido sistematicamente ao longo da última geração, como parte do assalto neoliberal geral sobre a população, acompanhada de um modelo de negócios onde o que importa é o lucro no final do balanço. Nessas instituições, os verdadeiros proprietários são os gerentes (ou legisladores, no caso das universidades públicas) que querem manter os custos baixos e assegurar que o trabalho seja dócil e obediente. A melhor maneira de fazer isso é, fundamentalmente, contratar temporários. A contratação de temporários foi se disseminando na sociedade no período neoliberal, fenômeno que ocorreu nas universidades.
A precarização do trabalho docente, especialmente nas instituições públicas de educação superior têm consequências avassaladoras não só para o professor, mas para o próprio desenvolvimento científico brasileiro (BARSOTTI, 2011), levando-se em conta que é nessas IES os loci nos quais ocorrem grande parte da produção científica em nosso país. É necessário, pois, considerar que a ação de formação e aperfeiçoamento não afeta só o professor, mas, todos os envolvidos no processo educativo ou mais diretamente na qualidade das atividades desenvolvidas pela instituição de ensino, visto que a ampliação dos saberes pedagógicos, dos conhecimentos específicos, da compreensão de si mesmo como sujeito histórico, contribui para a qualidade do fazer docente. Isso nos remete a pensar a importância da formação pedagógica dos professores no contexto da universidade, ante as demandas sociais dessa instituição. E como constatou-se, essa formação ainda é restrita e, possivelmente precária dadas as exigências formais e da forma como comumente ocorre.
Mediante o avanço das políticas neoliberais de responsabilização individual dos sujeitos sobre suas “competências” e “empregabilidade”, termos em voga nas orientações dos organismos internacionais, houve retraimento de políticas de formação docente, tanto em nível institucional quanto nas diretrizes do Estado. Essa formação se dilui em diferentes espaços: em ambiente ligado ao mundo do trabalho, em programas de formação continuada ou nos cursos acadêmicos em nível de pós-graduação lato e stricto sensu.
Nos últimos tempos, temos observado a intensificação do debate em torno da complexa tessitura que é a docência no ensino superior. A crescente expansão da educação superior, o aumento substancial de oferta de vagas, a maior procura pela qualificação profissional, as novas configurações do mundo do trabalho e do emprego, dentre outros aspectos, desafiam a universidade a oferecer uma formação profissional adequada, que possa atender às expectativas de formação humana, de instrumentalização para o exercício do trabalho, de organização política, produção de conhecimento e gerências de novas tecnologias, mediante a articulação do ensino, da pesquisa e da extensão. Tal perspectiva tem gerado alguns desdobramentos, entre eles, a necessidade de formação de docentes com saberes específicos do campo pedagógico para atuarem nesse segmento de ensino; bem como, das competências necessárias à produção do conhecimento científico.
Entretanto, constata-se a falta de uma política de formação de docentes aquém das políticas direcionadas à aquisição de uma titulação. Conhecendo-se a realidade enfrentada pelos docentes nas IES, entende-se que uma educação superior que possibilite a crítica e a emancipação requer a luta pela superação do modelo neoliberal e, consequentemente a exaltação de uma instituição superior de educação estratégica ao desenvolvimento científico-tecnológico nacional e a defesa do trabalho docente, cujo cerne seja a dignidade, o respeito e o reconhecimento, de modo a possibilitar o incremento de uma docência que efetivamente contribua para a construção de uma educação de qualidade socialmente referenciada.
REFERÊNCIAS
BARSOTTI, P. D. Produtivismo acadêmico: essa cegueira terá fim? Educação & Sociedade [Revista eletrônica], n. 115, p. 587-590, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v32n115/v32n115a20.pdf. Acesso em 12 out. 2016.
BERTOLINI, J. C. Os quase-mercados na educação superior: dos improváveis mercados perfeitamente competitivos à imprescindível regulação do Estado. Educação e Pesquisa, n. 2, p. 237-248, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v37n2/v37n2a02.pdf. Acesso em: 10 ago. 2017.
BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES e dá outras providências. Rio de Janeiro: Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 2004.
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Brasília. Diário Oficial da União, 2014.
BRASIL. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Brasília. Diário Oficial da União, 2001.
BRASIL. Decreto nº 29.741, de 11 de julho de 1951. Institui uma Comissão para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Rio de Janeiro: Câmara dos Deputados, 1951.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 1996.
BRASIL. Plano Nacional de Pós-graduação-PNPG 2011-2020. Brasília: Ministério da Educação; CAPES, 2010.
CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Portaria nº 086, de 3 de julho de 2013. Brasília: CAPES, 2013.
CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Mestrado Profissional. Brasília: CAPES, 2015.
CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Avaliação da CAPES aponta crescimento da pós-graduação brasileira. Brasília: CAPES, 2017.
CARDOSO, M. R. G. O professor do ensino superior hoje: perspectivas e desafios. Cadernos da Fucamp, n. 23, p. 87-106, 2016. Disponível em: http://www.fucamp.edu.br/editora/index.php/cadernos/article/viewFile/837/596. Acesso em: 20 set. de 2017.
CASTRO, P. M. R. de; PORTO, G. S.; KANNEBLEY JÚNIOR, S. Pós-doutorado, essencial ou opcional? Uma radiografia crítica no que diz respeito às contribuições para a produção científica. São Paulo: ANPAD, 2009.
CUNHA, L. A. A universidade reformada: o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
CUNHA, M. I. da. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional: saberes silenciados em questão. Revista Brasileira de Educação, n. 32, p. 258-371, 2006.
CHOMSKY, N. Chomsky: sobre a precarização do trabalho e da educação na universidade. Carta Maior. 2014. Disponível em: http://www.carta maior.com.br/?/Editoria/Educacao/Chomsky-Sobre-a-precarizacao-do-trabalho-e-da educação-na-universidade/13/30389>. Acesso em: 10 set. 2017.
FALASTER, C.; FERREIRA, M. P.; GOUVEA, D. M. R de. O efeito da publicação científica do orientador na publicação dos seus orientados. Revista Administração Contemporânea, n. 4, p. 458-480, 2017.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GARCIA, D. M. F. Educação a distância, competências, tecnologias e o trabalho docente: pontuando relações, fragilidades e contradições. In: CECÍLIO, S.; FALCONE, D.; ALCONE, D. M. G. (Orgs.). Formação e profissão docente em tempos digitais. Campinas, Alínea, 2009, p. 135-164.
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Censo da Educação Superior. Brasília: Ministério da Educação, 2016.
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Censo da Educação Superior. Brasília: Ministério da Educação, 2017.
LACOMBE, B. M. B. Buscando as fronteiras da carreira sem fronteiras: uma pesquisa com professores universitários em administração de empresas no Brasil. Lisboa: Iberoamerican Academy of Management, 2005.
LOURENÇO, C. D. da S.; LIMA, A. M. C.; NARCIZO, E. R. P. Formação pedagógica no ensino superior: o que diz a legislação e a literatura em educação e administração? Revista da Avaliação da Educação Superior, n. 3, 2016.
MOROSINI, M. C. Docência universitária e os desafios da realidade nacional. In: MOROSINI, M. C. (Org.). Professor do ensino superior: identidade, docência e formação. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2000, p. 11-20.
MASETTO, M.T. Docência na universidade. Campinas: Papirus, 1998.
MUSSE, R. Tudo é história. In: CATANI, A.M et al. Marxismo e Ciências Humanas. São Paulo: Xamã, 2003, p. 61-74.
PACHANE, G. G.; PEREIRA, E.M. de A. A importância da formação didático-pedagógica e a construção de um novo perfil para docentes universitários. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, v. 3, n. 4, 2004.
PIMENTA, S. G; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2010.
SAVIANI, D. A função docente e a produção do conhecimento. Educação e Filosofia, n. 21/22, 1997. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/viewArticle/889. Acesso em: maio 2016.
SAVIANI, D. A pós-graduação em educação no Brasil: trajetória, situação atual e perspectivas. Diálogo Educacional, n.1, p.1-19, 2000.
SGUISSARDI, V.; SILVA-JÚNIOR, J. R. O trabalho intensificado na federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico. São Paulo: Xamã, 2009.
SILVA, M. E. P. da. A função docente: perspectivas na nova sociabilidade do capital. 2016. Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/default/files/t0911.pdf. Acesso em: 10 de agosto de 2017.
SILVA-JÚNIOR, J. dos R.; SGUISSARDI, V.; SILVA, E.P e. Trabalho intensificado na universidade pública brasileira. Universidade e Sociedade, n. 45, p. 9-25, 2010.
SIQUEIRA, T. C. A. O trabalho docente nas instituições de ensino superior privado em Brasília. Brasília: Universidade de Brasília, 2006.
YAMADA, M. A.; SALERNO, S. K. O docente na educação superior: o contexto real de trabalho. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2013.