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in Práxis Educativa
A participação juvenil no Ensino Médio brasileiro: um campo deestudos em construção
Resumo:
Este artigo aborda os resultados de uma revisão crítica da produção daPós-Graduação brasileira sobre o tema da participação de jovens estudantes dasescolas do Ensino Médio. Identificaram-se 39 teses e dissertações produzidasentre 2005 e 2017 nas áreas da Educação, Ciências Sociais e Psicologia noBrasil, das quais 25 textos foram recuperados em sua íntegra e constituíram ocorpus da pesquisa. O referencial teórico utilizado foramos estudos da Sociologia da Juventude e da Educação. Os dados indicam umaprodução que se acentua a partir da primeira década, mas ainda com váriaslacunas e em vias de construção face à recente expansão do Ensino Médio e àsnovas formas de ações coletivas contemporâneas.
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Introdução
A juventude brasileira tem sido foco de interesse de pesquisadores de diferentesáreas desde as últimas décadas do século passado, quando os grupos juvenis urbanos eos “problemas dos jovens” (violência, exclusão escolar, gravidez precoce edesemprego) ganharam mais visibilidade social. Além disso, a partir da demanda deorganizações sociais e governos, ampliaram-se os estudos sobre a condição juvenilcom o intuito de subsidiar suas ações. Tais estudos trouxeram à tona novos problemase novas temáticas até então pouco investigadas.
Buscando contribuir para a construção e a consolidação do campo de estudos sobre osjovens no Brasil, grupos de pesquisas e investigadores isolados desenvolverambalanços sobre a produção do conhecimento na forma de estados da arte (SPOSITO, 2002, 2009) ou revisões críticas (BOGHOSSIAN;MINAYO, 2009; CARRANO, 2012; SPOSITO; TARÁBOLA, 2017). Apesar deidentificarem alguns limites nas produções analisadas, tais estudos registraram umavanço razoável sobre o tema nesse período.
Ao trazer os resultados de uma pesquisa1 sobre aprodução do conhecimento acerca da participação de jovens estudantes do Ensino Médiobrasileiro no período, este artigo busca contribuir com esse movimento dospesquisadores para produzir revisões críticas que permitam o aprofundamentoanalítico de algumas temáticas desse campo de estudos. O recorte da pesquisa não seateve apenas aos espaços e aos canais de participação estudantis nas escolas, masabarcou também os estudos que tratam da participação em espaços não escolares.
O estudo fez um levantamento de pesquisas sobre o tema nos bancos de dados de teses edissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)/InstitutoBrasileiro de Informação sobre Ciência e Tecnologia (IBICT) nas áreas da Educação,Psicologia e Ciências Sociais de 2005 a 2017.2Um primeiro procedimento teve como objetivo selecionar o material empírico a partirda análise de títulos, de resumos e de palavras-chave. Foram encontrados 39trabalhos, dos quais 14 produtos foram descartados devido à impossibilidade de obteros textos completos. A partir desse corpus de 25 teses edissertações, a pesquisa debruçou-se com mais detalhes sobre o conteúdo dasproduções para compreender os recortes das pesquisas e as abordagens teóricas emetodológicas utilizadas pelos/as autores/as.
Deve-se observar que não se tratou de um estudo estado da arte, mas de uma revisãocrítica com base nas produções registradas nos bancos de dados citados. Um estudodaquela natureza exigiria procedimentos de controle que permitissem uma maiorconfiabilidade quanto ao grau de exaustividade das fontes consultadas. Assim,trata-se de uma análise produzida a partir do corpus reunido que,com as devidas precauções, nos permite compreender algumas problemáticas dominantese outras emergentes nas pesquisas. Ao abordar qual tem sido a tônica dasinvestigações sobre a participação de jovens no Ensino Médio brasileiro, espera-secontribuir para compreender alguns dilemas vividos por jovens e educadores emrelação a esse nível de ensino.
Após situar o enfoque do artigo e a metodologia adotada, este artigo aborda ocontexto de expansão recente do Ensino Médio brasileiro e traz alguns elementossobre a abordagem da participação juvenil. Em seguida, analisa os resultados dapesquisa a partir dos temas e subtemas organizados. Por fim, faz algumasconsiderações a título de conclusão.
O Ensino Médio brasileiro: configurações da participação
O balanço da produção sobre a participação dos estudantes do Ensino Médio lança-nosde imediato uma questão: De onde parte o interesse de alguns pesquisadoresbrasileiros em compreender a participação juvenil na escola? Como os processospolíticos e sociais que configuram o atual Ensino Médio se projetam sobre a formacomo o tema é abordado nas pesquisas?
Podemos retroceder às origens da preocupação com a participação social e política dosestudantes como objeto de pesquisa no Brasil fazendo referência à produção deMarialice Foracchi (1929-1972) sobre os estudantes universitários dos anos de 1960(FORACCHI, 1965, 1972, 1982). Emboramuitos estudos reunidos aqui não a citem, seu trabalho foi pioneiro na abordagem dosestudantes como categoria social no Brasil. Em suas pesquisas, o tema daparticipação social e política dos jovens universitários teve um lugar central. Suaperspectiva não restringiu a experiência estudantil ao mundo escolar, mas a abordoua partir das relações interpessoais (geracionais e familiares), da situação declasse e dos processos de socialização de jovens e adultos produzidos pela dinâmicasocial global que conformam “a atuação estudantil-juvenil” e “possibilitam atransformação do sistema” (AUGUSTO, 2005, p.14).
A produção da autora caiu posteriormente em um relativo esquecimento - exceção paraestudos vinculados à Sociologia da Juventude -, em parte devido à sua morteprematura, mas também em função do que Augusto (2005,p. 12) caracterizou como “[...] refluxo sofrido pelo tema que foi objetode sua tese de doutorado - a condição de estudante e sua atuação política -,especialmente após os anos de 1980”. Apesar disso, podemos dizer que os trabalhos deMarialice Foracchi inauguram, no Brasil, o campo de estudos sobre a condiçãoestudantil a partir de referenciais da Sociologia da Juventude.
Apesar do refluxo no interesse pelo tema citado por Augusto (2005), podemos dizer que esse período dos anos de1980 foicrucial ao fomentar as bases para as atuais experiências de participação escolar. Osanos da “redemocratização política” da sociedade brasileira (final dos anos de 1970à Constituição Federal de 1988) foram marcados por ampla atuação de movimentossociais urbanos e do campo. A transparência e a participação social na definição daspolíticas e na gestão das instituições públicas foram objetos de reivindicações dediferentes atores coletivos, especialmente sindicatos e associações de professores.A gestão democrática das instituições públicas de ensino torna-se um princípio daConstituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -LDBEN 9.394/96 em grande parte pela mobilização desses atores. Assim, se no âmbitodas pesquisas há um arrefecimento do tema, no plano prático começam a se estruturaras bases para uma maior participação dos jovens na escola por meio de assembleias,colegiados, conselhos, projetos pedagógicos e organizações estudantis.
Durante a década de 1990, pudemos observar também uma série de reformas educacionaisde diferentes matizes levadas adiante pelas gestões municipais e estaduais e queoscilavam entre a pressão por uma maior inclusão escolar e uma maior eficiência(racionalidade econômica) das escolas. A autonomia da escola para a gestão dosprocessos educativos assumia centralidade nessas reformas, tendo em vista que acomunidade escolar - gestores, professores, pais e alunos -, era vista comoresponsável por desencadear inovações educativas como resposta a objetivos maisamplos perseguidos pelas políticas educativas. O “protagonismo de pais e alunos”,embora abordado em uma perspectiva instrumental em muitas propostas, surge como umafaceta importante das inovações educativas das reformas educacionais brasileirasnesse período. De acordo com Zibas, Ferretti eTartuce (2004):
Em que pese os limites das escolas em realmente colocar em ação tais orientações,esse contexto chamou atenção de alguns pesquisadores em relação ao tema daparticipação dos estudantes na escola. Da mesma forma, a ênfase na participaçãoestudantil permaneceu como um princípio estruturador das reformas curriculares doEnsino Médio em propostas posteriores, como, por exemplo, no Programa Ensino MédioInovador do Ministério da Educação (BRASIL,2009).
Outro elemento que irá contribuir para uma retomada da produção de pesquisas sobre otema da participação estudantil refere-se aos efeitos da massificação escolar dasnovas gerações, especialmente no Ensino Médio, a partir dos anos de 1990 até meadosda primeira década (INEP, 2014). Com aacelerada expansão das matrículas, percebem-se mudanças qualitativas importantescomo a maior presença de jovens dos meios populares e o maior número de estudantesnegros, que trazem para a cena escolar novas questões ligadas ao pertencimentoétnico, social e de gênero desses jovens estudantes, alimentando novos conflitos edemandas que ocorrem em um contexto de modernização econômica. As expectativasgeradas, bem como as exigências que se estendem aos indivíduos nesse período afetamde maneira forte os jovens do Ensino Médio que estão nesse momento construindo seusprojetos de futuro profissional e inserção social (SPOSITO; SOUZA; SILVA, 2018).
Assim, o universo escolar torna-se um palco crescente de tensões que se expressaramnas mobilizações de jovens estudantes do Ensino Médio dos últimos anos. Asmobilizações de junho de 2013, conhecidas como Jornadas de Junho, tiveram a presençamajoritária de jovens estudantes secundaristas. Os anos seguintes foram marcadossempre por novas mobilizações, especialmente as ocupações de escolas e de faculdadespúblicas nos anos de 2015 e 2016. Novos repertórios e estratégias de ação foramdesencadeados a partir da organização autônoma de coletivos de estudantes em suasescolas. Um balanço sobre esse momento gerou algumas produções, como atestam Sposito e Tarábola (2017), mas as pesquisas naPós-Graduação deverão começar a apresentar seus primeiros resultados nos próximosanos. A questão que nos cabe perseguir é saber como esse cenário, da ondaparticipativa dos anos de 1980 às ocupações estudantis dos últimos anos, foiabordado pelas pesquisas.
Dilemas e perspectivas da relação juventude, cidadania e participaçãoestudantil
A discussão sobre os mecanismos e as formas de participação na gestão da escolaabarca um grande número de estudos que ganharam vulto a partir dos anos de 1990 coma definição da gestão democrática como um princípio que orienta a educação públicabrasileira. Um levantamento produzido por Ghanem(2004) sobre a produção acadêmica em torno do tema educação eparticipação no Brasil analisou 60 títulos produzidos no período de 1995 a 2003. Comrelação à participação dos alunos, constatou-se que:
Assim, o autor parece confirmar as conclusões de algumas pesquisas que indicam opotencial formativo da participação social e política dos jovens estudantes emdiferentes espaços (SANDER, 2010; CARRANO, 2012) e na gestão democrática da escola(MARTINS, 2010), ao mesmo tempo quereconhecem uma postura de tutela e desconfiança que inibe a participação juvenil(MARTUCCELLI, 2016; LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011).
Em que pese o fato de que a formação cidadã e o fomento à autonomia dos estudantessejam princípios recorrentes nas formulações propostas pedagógicas da maior partedas escolas, ainda se verifica muitas resistências na efetivação de práticaspedagógicas e organizacionais que os efetivem. Os jovens, de uma maneira geral,tendem a manifestar uma profunda insatisfação com a falta de reconhecimento comoatores legítimos nas discussões sobre os rumos da escola. Para eles, a escolaconstitui-se um mundo distante do universo juvenil e os professores e gestores estãopoucos abertos a ouvir suas demandas e necessidades (DAYRELL; CARRANO; MAIA, 2014).
Tal realidade parece estar arraigada na cultura escolar na forma como esta aborda otema cidadania e participação juvenil. Há, desse modo, certo olhar sobre os jovens,geralmente ancorado em perspectivas negativas ou “da falta”, que tende a desmotivarou intimidar a participação dos discentes nas escolas. Trata-se de perguntar então:Quais significados da relação entre cidadania e participação juvenil operam nasescolas do Ensino Médio? Há um reconhecimento dos jovens estudantes como atores nocotidiano escolar?
Martuccelli (2016), ao discutir a relaçãoentre condição adolescente e cidadania escolar e as possibilidades que têm osadolescentes contemporâneos de transformar a sociedade, chama atenção para o fato deque a experiência da cidadania escolar pelos adolescentes “apresenta múltiplaslinhas de tensão” (MARTUCCELLI, 2016, p.156). Nas sociedades contemporâneas, os adolescentes fazem seus percursos ao mundoadulto em meio a uma série de obstáculos e tensões entre “[...] a identificação comuma cultura juvenil, as provas do mundo escolar e o desafio da inserçãoprofissional” (MARTUCCELLI, 2016, p. 156). Aanálise da experiência escolar e da participação na escola não pode, portanto,prescindir da análise dessas dimensões que configuram a experiência adolescente nassociedades contemporâneas.
Nesse contexto, as relações dos jovens com as instituições escolares, agravadas pelamassificação escolar descrita anteriormente, adicionam elementos novos que tornammais complexa a abordagem da questão. Em pesquisa realizada com jovens do EnsinoMédio de três municípios do Pará sobre a contribuição da escola para os seusprojetos de futuro, Leão, Dayrell e Reis(2011) registraram que, apesar de um grande reconhecimento da escola comocondição para uma boa inserção social e profissional, os participantes ressaltavamuma série de desafios a enfrentar em suas experiências escolares que abarcavam deaspectos externos e internos às instituições. Além das condições estruturaisinadequadas e das propostas curriculares desinteressantes, uma questão muitoenfatizada dizia respeito ao fato de que os jovens não se sentiam reconhecidos comoatores no contexto escolar. Para além dos espaços de participação representativa emórgãos colegiados, que, para eles, assumiam um papel meramente formal parareferendar decisões já encaminhadas, os estudantes chamavam atenção para o fato deque a participação e tudo que a envolvia (interação, negociação, respeito às regras)deveriam ser vistos como um aspecto central do processo educativo escolar.
A importância manifestada pelos jovens estudantes do Pará contrasta com um discursosocial abordado anteriormente sobre a falta de interesse dos jovens por questõessociais e políticas. No caso das instituições escolares, professores e gestoresgeralmente se queixam do baixo envolvimento dos alunos em espaços e atividades departicipação discente, o que para eles reflete um baixo interesse dos jovens pelasquestões da cidadania e da política.
Essas diferentes perspectivas expressam as tensões produzidas por mutações sociaismais amplas nas quais as escolas também estão envolvidas e das quais não podem seesquivar. Um olhar sobre a questão da participação juvenil na escola não podedesconhecer que o lugar ocupado e o papel desempenhado dessa instituição comoagência tradicional de socialização têm sofrido alterações, embora a escola aindacontinue sendo uma instituição que marca a vida juvenil. Seguindo os passos de Sposito (2005, p. 95-96), sem ignorar aimportância das agências clássicas de socialização (família, escola, trabalho,religiões), é necessário compreender a relação dos jovens com a escola pelo menos apartir de três perspectivas: a) “uma compreensão dos processos de mutação dessasagências clássicas”; b) “a confluência de vários processos socializadores naexperiência juvenil”, que relativizam o antigo monopólio dessas agências na formaçãodas novas gerações; c) “os sentidos que os jovens atribuem a suas relações com essasagências para além de uma submissão aos modelos normativos e hegemônicos dareprodução cultural ou de uma situação meramente instrumental e distanciada de seumodo de funcionamento”.
Assim, não basta perguntar pelos canais institucionais de participação da escola esuas dinâmicas, uma vez que a decisão por se envolver ativamente com a escola e suasinstâncias de participação, com todos os ganhos e custos, dependerá do sentido queatribuem a ela. Trata-se de um desafio para as pesquisas uma vez que tais relaçõesentre os jovens e a escola não são bem definidas. Os jovens brasileiros, segundoressalta Sposito (2005):
Embora tratando de outro momento, podemos dizer que tal análise permanece ainda comum forte potencial analítico, tendo em vista que a melhora em alguns índicessociais, entre eles a expansão da escolarização entre jovens das camadas popularesna última década, não resultou em uma superação dos problemas estruturais quecircunscrevem as desigualdades sociais e escolares no Brasil.
Ainda no que se refere à cidadania juvenil, podemos dizer que a vida da maioria dosadolescentes brasileiros tem sido marcada pela negação também dos seus direitospolíticos. Trabalhadores desde o início da adolescência, no caso dos jovens deorigem popular, inseridos como consumidores e responsabilizados por seus atos cadavez mais precocemente, pesa sobre eles a imagem de “imaturos”, o que justifica a suaexclusão em vários espaços de participação, especialmente no ambiente escolar.Segundo Martuccelli (2016):
Assim, as mesmas representações socioculturais negativas que atuam na desqualificaçãosocial e política dos jovens em geral (“violentos”, “consumistas”, “imaturos”,“instáveis emocionalmente” etc.) impregnam a relação da escola, gestores e docentescom os estudantes. A partir dessa imagem socialmente construída, a escola tende aabordar a cidadania, quando muito, como mais um tema a ser ensinado, e não como oexercício de atores concretos face às suas demandas no espaço público.
Tais representações alimentam-se de tensões vitais e existenciais que perpassam acondição juvenil contemporânea. Para as novas gerações, a trajetória à vida adultatem sido cada vez mais marcada por riscos e incertezas, idas e vindas. Nessecenário, a certificação escolar e a utilização de redes familiares são vistas comocruciais para o sucesso individual (ARAÚJO;MARTUCCELLI, 2012). Ao mesmo tempo, transformações culturais impactam omodo de ser jovem hoje. Há um estranhamento muito maior em relação ao mundo adulto esuas instituições, o que resulta no distanciamento em relação aos padrões culturaise aos valores de gerações passadas (MARTUCCELLI,2016). Dessa maneira, cada vez mais dependentes do mérito escolar e dasredes familiares de proteção social para produzir uma inserção social e profissionalbem-sucedida, ao mesmo tempo que vivem experiências de distanciamento crítico dassuas práticas culturais em relação ao mundo adulto e alimentam expectativas maioresde relações mais horizontais, os jovens contemporâneos expressam essas tensõestambém na forma como se relacionam com a experiência escolar. Muitas vezes aparticipação emerge como uma forma discursiva de controle sobre o comportamentojuvenil e de administração da vida escolar. Como ressalta ainda Martuccelli (2016):
Assim, a discussão sobre a participação discente na escola do Ensino Médio demandapartir da experiência juvenil contemporânea, tendo em vista que não se podeapreender a complexidade da questão se ficarmos restritos a uma perspectivameramente normativa. É necessário, por conseguinte, compreender o exercício daparticipação na escola pelos adolescentes a partir da sua condição e de suasexperiências, como um desafio entre tantos outros da trajetória juvenilcontemporânea e que só adquire pleno sentido quando colocado no contexto e emrelação com esses outros desafios. Ser jovem estudante é uma prova existencialenfrentada cotidianamente e perguntar pela participação na escola exige compreendercomo essa prova é vivida e nomeada pelos sujeitos.
A produção sobre a participação juvenil no Ensino Médio brasileiro
As teses e as dissertações reunidas foram organizadas em temas e subtemas conforme oQuadro 1 a seguir. Tal classificaçãorepresentou uma escolha dos pesquisadores face à abordagem teórica que pretendiamdar ao objeto da pesquisa, mais que necessariamente por critérios objetivos muitoespecíficos. Trata-se então de reconhecer que a própria forma de organização dosdados empíricos - o trabalho de decompor e recompor o material explorado - permite“fazer surgir a sua significação” (LAVILLE; DIONNE,1999, p. 216). Optou-se por reunir os trabalhos sobre grêmios em um tema,tendo em vista o grande número de pesquisas em torno do assunto e sua importânciacomo forma de participação juvenil mais consolidada historicamente nas escolas deEnsino Médio.
A participação estudantil no Ensino Médio
O primeiro tema - “Participação, juventude e ensino médio” - foi aquele que agregouum maior número de trabalhos (15). O primeiro bloco de estudos abordou asexperiências e as formas de participação na escola a partir dos relatos dos jovensestudantes (PIZZOL, 2005; LELES, 2007; GUEDES, 2007; PEREIRA, 2009;XAVIER, 2015). O foco desses estudos foicompreender em que medida os processos participativos pretendidos pelas políticaseducacionais contribuíram para a melhoria dos processos educacionais. Em geral,esses estudos constataram as dificuldades de a instituição escolar proporcionar queas instâncias formais de participação (grêmios, conselhos etc.) sejam atrativas paraos jovens.
Leles (2007) investigou duas escolas doEnsino Médio do Distrito Federal. Segundo a autora, práticaspatrimonialistas de gestão da escola ditavam o cotidiano escolar erestringiam a participação juvenil. Os estudantes eram vistos como executores deatividades demandadas pela escola, com pouca autonomia do ponto de vista doplanejamento e da avaliação das ações. Predominavam estereótipos sobre os jovensestudantes - “irresponsáveis, imaturos, novinhos, desorganizados” - que resultavamem uma baixa confiança na sua capacidade para tomarem decisões.
A categoria “protagonismo juvenil”, muito presente nos documentos oficiais e naspropostas de reformas curriculares quando abordam a participação dos estudantes nasescolas, também foi tônica em alguns estudos. Pereira (2009) realizou uma pesquisa qualitativa por meio de grupos dediálogo com jovens de duas escolas do Ensino Médio de um município do interior doParaná. A autora constatou que, em determinados casos, a perspectiva do protagonismojuvenil era acionada como forma de adaptação às estruturas de dominação da sociedadecapitalista; em outros momentos, era tomada em uma perspectiva emancipadora. Assim,revelava-se uma categoria ambígua: “[...] os jovens em muitas falas associam oprotagonismo juvenil a ações de caráter assistencial e voluntário [...]”, mas tambémcomo “[...] a expressão de uma busca de autonomia e a necessidade de ser concebidocomo sujeito social [...]” (PEREIRA, 2009, p.7).
A pesquisa de Pizzol (2005) buscoucompreender as significações que alunos do Ensino Médio atribuem ao protagonismojuvenil. Foram entrevistados seis alunos de uma escola pública do Ensino Médio.Embora postulando que o conceito de protagonismo “[...] sugere a adoção de uma visãopositiva sobre os jovens”, o autor constata uma série de limites à participaçãojuvenil na escola como a distância entre professores e alunos, a rigidez daorganização dos tempos e espaços escolares e o predomínio de visões negativas sobrea adolescência.
Também nessa perspectiva da análise crítica do paradigma do protagonismo juvenil, apesquisa de Guedes (2007) foi o único estudoentre todos os analisados que teve um recorte específico no Ensino Médio noturno.Trata-se de uma lacuna, tendo em vista que esse turno é aquele responsável pelomaior número de matrículas nas escolas públicas. A autora ressalta o potencialdemocratizador que uma abordagem emancipadora da participação pode trazer para agestão escolar, especialmente para jovens com o perfil dos estudantes da escolanoturna.
Um segundo subtema reúne dois trabalhos que abordam as representações construídassobre a participação pelos jovens estudantes. Em uma abordagem que focou aparticipação no movimento secundarista, Duarte(2005) realizou uma pesquisa com oito jovens participantes da UniãoMunicipal de Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES), buscando captar asrepresentações que eles elaboravam sobre os movimentos estudantis contemporâneos apartir de representações historicamente construídas sobre os movimentos estudantisdos anos de 1960 no Brasil. O autor constata um deslocamento da militância dos anosde 1960-1970 que tinha um foco claro na derrubada da Ditadura Militar, para
Também fazendo um contraponto entre “a juventude de 1960” e os jovens contemporâneos,a pesquisa de Faria (2010) buscou compreendero comportamento político dos jovens estudantes da geração 2000. A pesquisa aplicou422 questionários para estudantes de uma escola pública e outra privada, além deentrevistar três lideranças políticas juvenis. Segundo conclui a pesquisa, há umforte impacto da indústria cultural e do contexto neoliberal na subjetividadepolítica dos jovens. Havia uma preocupação com temáticas sociais como o racismo e omeio-ambiente, mas pouca disposição para envolverem-se em lutas específicas. Alémdisso, a autora constata que, apesar de uma elevada participação em coletivosjuvenis, havia uma baixa participação em organizações políticas tradicionais.
Um terceiro subtema reuniu trabalhos que se voltaram à abordagem da participaçãoestudantil na perspectiva da formação política e para o exercício da cidadania(SILVEIRA, 2005; FORLINI, 2015; VIEIRA,2017). A dissertação de Silveira(2005) versou sobre a contribuição da escola no “empoderamento” dosestudantes de escolas públicas e privadas de uma capital do sul do país. Emborahouvesse uma predisposição para a participação, havia um baixo engajamento dosjovens em atividades políticas e associativas, o que revela, segundo a pesquisa, umafalha das instituições escolares na “[...] promoção de uma cultura políticaparticipativa” (SILVEIRA, 2005, p. 4). Apesquisa de Forlini (2015) ouviu jovens deduas escolas públicas, uma periférica e outra central, por meio de grupos focais.Constatou-se uma carência de processos formais de educação política, embora severificasse a abordagem do tema em algumas disciplinas isoladas ou em conteúdoscurriculares específicos. Por fim, o trabalho de Vieira (2017, p. 7) procurou “[...] identificar a iniciativa de trêsescolas na formação política de seus alunos” por meio de uma pesquisa quantitativacom alunos de três escolas, duas públicas e uma privada, de São Paulo. Segundoconclui o autor, o desinteresse pela política não é algo espontâneo, mas umaprodução da escola na medida em que essa não estimula o debate em torno de temaspolíticos e sociais, alimentando assim a descrença na participação política. Deacordo com a opinião dos alunos, as escolas não investem na formação política dosestudantes, algo que se mostrou mais evidente nas duas escolas públicas.
Os dois últimos subtemas tratam da participação dos jovens estudantes não diretamenterelacionada à instituição escolar. O primeiro conjunto de estudos voltou-se paraaspectos ligados à participação política de uma perspectiva histórica (SCHMITT, 2011; SCHINEMANN, 2015). O estudo de Schmitt(2011) abordou a história do movimento estudantil no Paraná no período de1964 a 1985 utilizando a metodologia da história oral. O estudo conclui que existiuuma prática de participação tutelada dos estudantes secundaristas pelos governosestaduais no contexto da Ditadura Militar que vigorou no período. Schinemann (2015) também estuda o movimentoestudantil em um município paranaense no mesmo período de 1964 a 1985, para o qualcolheu depoimento de ex-militantes. Em um contexto predominantemente conservador erepressivo, a atuação dos estudantes voltou-se basicamente a atividades culturais eesportivas, conclui a autora.
Por fim, identificamos três pesquisas sobre o engajamento de estudantes do EnsinoMédio em movimentos sociais (BOTELHO, 2006;INÁCIO, 2008; SILVA, A. O., 2016). Botelho(2006) estudou o Movimento Passe Livre (MPL), no Rio de Janeiro, nadécada de 1980, que gerou a aprovação da Lei do Passe Livre para estudantes doEnsino Médio das escolas públicas. A dissertação contrapõe à imagem da apatiajuvenil a constatação de que havia vários grupos de jovens mobilizados na escola,ressaltando a importância das experiências de socialização políticas presentes nastrajetórias juvenis. A capacidade do envolvimento dos jovens estudantes no cotidianoescolar, especialmente a atuação nos grêmios estudantis, foi central para areconstrução do movimento estudantil e sua mobilização em torno da bandeira do passelivre. A autora destaca ainda a Lei do Grêmio Livre, aprovada nos anos de 1980. Osgrêmios constituíram-se em espaços formativos e de organização política fundamentalpara os estudantes, uma questão também ressaltada em outras pesquisas sobreeles.
O Movimento Passe Livre também foi objeto do estudo de Inácio (2008). Essa autora focou sua pesquisa nos jovens deFlorianópolis. Ela entrevistou “duplas de pais e filhos” que participaram domovimento. Da mesma forma que na pesquisa de Botelho(2006), a imagem da apatia juvenil é desconstruída, além da constataçãoda importância da escola ao proporcionar as primeiras experiências de participaçãopolítica. Uma importante contribuição da pesquisa refere-se à presença de redes(formais e informais) de atuação política que são espaços ricos em experiênciasformativas para os jovens. A família e as relações intergeracionais também sãoabordadas como importantes núcleos de socialização política, um tema pouco exploradoem outras pesquisas.
Por fim, Silva, A. O. (2016) fecha este últimosubtema. A autora realizou uma pesquisa quantitativa, além de uma roda de conversa,sobre a participação dos estudantes de uma região do interior de São Paulo emmovimentos sociais, tendo como recorte a relação com a internet ecom as redes sociais. A pesquisa constatou uma baixa participação juvenil, frutotanto da ausência de discussão sobre o tema, quanto da estrutura rígida que nãofavorece a construção de espaços e tempos coletivos. As redes sociais como fontes deinformação e meios de articulação das mobilizações juvenis surgem como uma novidadeimportante nas análises sobre ações coletivas contemporâneas. Ela constata que, comoalternativa à falta de investimento das escolas na participação e na formaçãopolíticas, as redes sociais tornam-se importantes canais para ter acesso ainformações sobre as mobilizações sociais.
Em geral, os estudos desse grupo constatam a dificuldade de a escola tematizar aparticipação estudantil adequadamente, geralmente vista com desconfiança por parteda gestão e dos professores. A organização curricular e pedagógica da escola oferecepoucas possibilidades de participação, geralmente conduzidas e controladas pelosadultos. Isso termina por reforçar o desinteresse dos estudantes por tais espaços, oque reforça um discurso de apatia e despolitização juvenil.
Os estudos que se voltaram à militância dos estudantes em partidos e organizaçõespolíticas identificaram uma resistência em relação a tais espaços, apesar doengajamento em coletivos e organizações juvenis. Prevalece uma visão de que a esferada política é importante para a produção de mudanças e conquistas sociais, ao mesmotempo que os espaços tradicionais de militância política não são capazes demobilizá-los. Nessa direção, há uma tendência a idealizar a participação estudantilda “geração dos anos de 1960” em relação aos jovens contemporâneos, vistos comoindividualistas e despolitizados.
Os estudos sobre grêmios
Em segundo lugar, em número de trabalhos (9), foram reunidas três pesquisas sobre asexperiências e formas de participação nos grêmios estudantis (MARTINS, 2010; CARLOS,2006; MENDES, 2011) e quatroestudos sobre os grêmios na perspectiva histórica (SILVA, G. A., 2009, FRANCO, 2014;RODRIGUES, 2015; PRÉVIDI, 2016), além de uma pesquisa que abordou a atuação deum grêmio estudantil por meio da interação via redes sociais (SCANDOLARA, 2014), e outra que tratou da relação entre asreformas educacionais implementada em uma rede estadual e a configuração do grêmioem uma escola pública (MOURA, 2008).
Um aspecto comum ressaltado pelos pesquisadores refere-se à importância dos grêmiospara a socialização política dos jovens estudantes do Ensino Médio. Os relatosdos/das estudantes sobre suas experiências indicam que o grêmio se constitui como umespaço de sociabilidade e de socialização muito valorizado por eles/as, tendo umadimensão formativa que vai além da sala de aula. Martins (2010) investigou o cotidiano de um grêmio em uma escola públicamineira. Segundo o autor, frente aos entraves burocráticos e aos conflitos com ainstituição, os jovens desenvolviam formas singulares de organização que permitiamconciliar a participação com outras demandas da vida cotidiana, como os compromissosfamiliares, o trabalho e as atividades escolares. Ele constatou que, se aparticipação implicava em uma escolha, ela também acarretava custos que muitas vezeseram vividos subjetivamente como sofrimento.
Um dos estudos (CARLOS, 2006) comparou quatroescolas públicas em duas cidades da Grande São Paulo. Duas dessas escolas estavamsituadas em regiões centrais e outras duas estavam localizadas em bairrosperiféricos das cidades. A autora detectou diferenças nas motivações e naspreocupações dos estudantes dependendo do contexto social ao qual pertenciam. Paraos/as estudantes das escolas periféricas, a preocupação com as condições materiais ede funcionamento das escolas pareciam mais relevantes para sua participação, emcomparação com os/as jovens das escolas centrais que enfatizaram o status e asamizades como fatores que mais valorizavam em sua atuação.
Em geral, as pesquisas identificam alguns desafios e interdições à participação nosgrêmios. Em muitos casos, predomina uma visão estigmatizada sobre os/as estudantesque são engajados no grêmio estudantil, vistos como jovens desinteressados pelasatividades escolares e problemáticos em relação à disciplina. Para as/os estudantes,a escolha em participar compreende custos, entre eles o fato de muitas vezes pesarsobre as/os jovens engajadas/os em grêmios uma avalição negativa por parte dasinstituições escolares. As/os estudantes relatam que as obrigações familiares,escolares e de trabalho dificultam sua participação no grêmio (MARTINS, 2010; CARLOS,2006). Um estudo de caso em uma escola pública desenvolvido por Mendes (2011, p. 49) conclui que “[...] suastrajetórias de engajamento não estão separadas de suas vidas”, sendo o grêmioestudantil “caracterizado como um local de passagem”, subordinado às escolhaspossíveis em termos de futuro profissional. Desse modo, a decisão por participar oumesmo o nível de engajamento no grêmio dependerá de uma série de fatores,especialmente em relação às demandas do mundo do trabalho, da escola e da família.Nesses casos, o tema do “sacrifício do tempo” que envolve o engajamento no grêmioemerge, em alguns estudos, como um desafio a ser superado pelos/as jovens (MARTINS, 2010).
Em que pese esses desafios, os estudos acentuam a dimensão formativa da experiênciade participação no grêmio. O convívio com outros/as jovens, proporcionado pelosmomentos de sociabilidade criados, contribui para diferentes aprendizagens de formascooperativas de relacionamento, de participação e de organização coletiva. SegundoMendes (2011):
Outro subtema presente nas teses e nas dissertações reunidas abordam os grêmios apartir de um recorte histórico. São estudos de casos sobre experiênciasdesenvolvidas em determinado contexto político e social, buscando compreender comoisso configurava uma determinada forma de atuação e os diversos embates ideológicosenvolvidos. A partir de fontes documentais, na maioria dos casos combinada comentrevistas com ex-participantes, esses estudos têm o solo comum no campo de estudosHistória da Educação (SILVA, G. A., 2009;FRANCO, 2014; RODRIGUES, 2015; PRÉVIDI,2016). Dois desses estudos (SILVA, G. A.,2009; FRANCO, 2014) têm o méritode concentrarem-se em cidades de pequeno porte, o que abre possibilidades paracompreender uma realidade pouco explorada nas pesquisas sobre jovens e educação.Além disso, os dados registram uma diversidade ideológica entre os secundaristas,desconstruindo a representação desses jovens como militantes da esquerda,especialmente em relação aos jovens dos anos de 1960.
Agrupados separadamente, por tratarem de temas específicos, dois estudos destacam-se.O primeiro trata da relação entre grêmios e redes sociais, analisando as postagensque se caracterizavam como ciberativismo em uma página virtual deum grêmio estudantil (SCANDOLARA, 2014).Segundo a autora, verificou-se que o espaço virtual potencializava a participaçãoestudantil, especialmente para os estudantes mais tímidos. Além disso, os dadospermitiram compreender a articulação dos jovens estudantes com outras redes demovimentos sociais.
No último subtema, sobre a produção com foco na relação entre os grêmios estudantis eas políticas educacionais, o estudo de Moura(2008) teve a singularidade de voltar-se a compreender os impactos de umapolítica desenvolvida pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo desde 1998com foco na implantação de grêmios estudantis na rede estadual de ensino. Foramfeitas análises de relatórios produzidos a partir da observação de reuniões degrêmios de escolas e de dados colhidos em rodas de conversas com jovens eprofessores coordenadores. Segundo o estudo, os grêmios assumiam um caráterassistencialista “[...] que despolitiza a ação de seus sujeitos, encaminhando osjovens à adaptação e não à problematização da realidade social em curso”, uma vezque estavam direcionadas ao exercício futuro (MOURA,2008, p. 8). As ações tendiam ao controle do funcionamento do grêmio apartir da ação coordenada pelas Diretorias de Ensino da Secretaria da Educação doEstado de São Paulo, que visavam isolar as agremiações estudantis que rechaçavam aintervenção estatal.
As ocupações estudantis
As ocupações de escolas por estudantes em 2015 e 2016 geraram alguns estudosdivulgados em artigos e livros (CAMPOS; MEDEIROS;RIBEIRO, 2016; CATTANI, 2017;GROPPO et al., 2017),mas somente agora algumas pesquisas em andamento no âmbito da Pós-Graduaçãobrasileira começam a apresentar resultados. Isso se expressa no fato de apenas umadissertação tratar do tema.
A dissertação de Ferreira (2017) investigou asocupações por jovens estudantes a partir da observação em três escolas de PortoAlegre em 2016. A autora debruçou-se sobre as narrativas juvenis sobre a realidadeescolar, os efeitos das ocupações sobre as escolas e os aprendizados gerados. Asescolas eram pouco abertas para a realização de atividades que favorecessem aparticipação estudantil, tais como debates e atividades culturais, além deenfrentarem vários problemas estruturais e um clima de desmotivação em relação àsaulas. A partir das observações e dos depoimentos de jovens participantes,ressalta-se a importância da ocupação como experiência participativa e sua dimensãoeducativa para estudantes e trabalhadores da educação. As experiências das ocupaçõespermitiram a produção de novos sentidos para a escola e o fortalecimento dos laçosde pertencimento à escola. Além disso, foram marcadas pela emergência de novos temasque diziam respeito diretamente à experiência social dos jovens como as questões degênero, o racismo e LGBTfobia, o que normalmente não fazia parte do currículoescolar. A pesquisa registra também que, além dos conflitos com a gestão escolar ecom professores durante as ocupações, ocorreram práticas da perseguição política dosjovens após o retorno às aulas.
Na última década, presenciamos a emergência de mobilizações sociais, marcadamentecompostas por jovens, em alguns casos estudantes. Na forma de manifestações de rua,ocupações do espaço público e/ou de instituições escolares, essas mobilizaçõesemergiram em diferentes contextos nacionais, com pautas e repertórios diversos. NoBrasil, as experiências recentes das manifestações de rua em 2013 e 2014, queficaram conhecidas como Jornadas de Junho, e as ocupações de escolas do Ensino Médioe universidades públicas foram as mais expressivas.
Os impactos dessas experiências para a geração que participou desses eventos aindaestão por ser avaliados e sem dúvida aportam novas problemáticas para o campo deestudos sobre a condição juvenil brasileira. Entre elas a dimensão da relação entresubjetividades juvenis, afetos e política, tendo em vista a natureza dos conflitossociais que as ações coletivas juvenis contemporâneas expressam. Como destacam Sposito e Tarábola (2017), trata-se de umfenômeno que poderá constituir uma nova agenda para futuras pesquisas sobre asrelações dos jovens brasileiros com o Ensino Médio. Da mesma forma, esses autoresadvertem-nos para o perigo do foco das pesquisas concentrarem-se apenas nos/nasjovens protagonistas sem produzir olhares sobre os diferentes níveis de adesão ou denão adesão às ocupações.
Considerações finais
A título de conclusão, algumas questões apresentam-se a partir do balanço da produçãosobre a participação juvenil no Ensino Médio. Podemos dizer que há um avanço nasabordagens sobre o tema em estudos que ultrapassam os olhares restritos à condiçãode alunos e eles incorporam aspectos mais amplos das experiências e das práticassocioculturais dos jovens, sobretudo em estudos vinculados a grupos e núcleos depesquisas sobre jovens que se estruturaram nas últimas décadas. Por outro lado, asperspectivas teóricas ainda são muito diversificadas, com produções esparsas pordiversas instituições e orientadores.
De uma maneira geral, os estudos investigados nesta pesquisa concentraram-se em trêsaspectos: 1 - a relação dos jovens com os canais de participação criados a partirdas experiências de gestão democrática nos sistemas de ensino como colegiados,conselhos e grêmios; 2 - a participação política no movimento secundarista; 3 - asexperiências de participação social e política em movimentos e ações coletivas paraalém da escola.
Nesse universo, as experiências dos jovens estudantes em grêmios estudantisconcentrou uma boa parte dos pesquisadores. A aprovação da Lei do Grêmio Livre (Lei7.398 de 1985), além da implantação de políticas educacionais que trazem a autonomiae a participação como princípios da gestão escolar, parece ter contribuído para queo tema tenha ganhado visibilidade no período. Chama atenção, no entanto, que aspesquisas não se contentam em descrever e avaliar a atuação dos grêmios escolares,mas buscam captar as experiências juvenis, práticas políticas, os processos desocialização política e as dimensões subjetivas da atuação nesse espaço.
Novos temas emergem a partir do diálogo dos pesquisadores com a produção sobremovimentos sociais contemporâneos. O primeiro deles é a relação entre o engajamentoem ações coletivas e as tecnologias da informação. Esta pode ser uma trilhaimportante a seguir, uma vez que as novas mídias digitais estão indissociáveis dasocialização das novas gerações hoje. Para o campo da participação política esocial, as redes sociais mostram-se como um canal cada vez mais forte de expressãode posições, valores e demandas, um território em disputa. Além disso, as açõescoletivas contemporâneas trazem uma nova gama de repertórios e de formas de ação,muitas vezes articuladas em torno de redes ou áreas de atuação (CASTELLS, 2013; SOUSA, 2014). Conflitos em torno de relações de gênero e raça,território, orientação sexual e cultura estruturam muitas iniciativas, em geral nainterface desses campos. Um grande desafio posto é desenvolver estudos que captem ainterseção desses pertencimentos.
O tema das ocupações de ruas e escolas como forma de luta dos jovens contemporâneosparece ter um grande potencial para gerar novas pesquisas. Um inventário dosimpactos dessas mobilizações para as instituições escolares pode ser uma pauta paraalguns estudos. Elas teriam gerado acúmulos em termos de repensar os processoseducativos e a forma da organização escolar? Quais os seus impactos na socializaçãopolítica das novas gerações?
Resumo:
Main Text
Introdução
O Ensino Médio brasileiro: configurações da participação
Dilemas e perspectivas da relação juventude, cidadania e participaçãoestudantil
A produção sobre a participação juvenil no Ensino Médio brasileiro
A participação estudantil no Ensino Médio
Os estudos sobre grêmios
As ocupações estudantis
Considerações finais