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Wed, 02 Sep 2020 in Praxis educativa
Representações de professores(as) no jornal Diário dos Campos(1932-1950): condições de trabalho e remuneração
Resumo
Este estudo trata das representações de professores(as) nas páginas do jornalDiário dos Campos, de Ponta Grossa, Paraná, no período de 1932 a 1950.Utilizaram-se como pressupostos teórico-metodológicos a abordagem cultural doconceito de representação e a análise discursiva das mídias. A pesquisadocumental possibilitou perceber questões significativas no que tange aosdiscursos instituídos e às representações de professores(as) a partir dascondições de trabalho e de remuneração docente, categorias centrais da análise.As matérias selecionadas para estudo demonstraram a questão da desvalorizaçãodocente de forma bastante contundente no período analisado. Os salários erambaixos, atrasavam constantemente e as condições de trabalho eram precárias.Propagavam-se discursos de que o magistério deveria espelhar-se por um ideáriode sacerdócio, como missão, prescindindo de pautas afetas à carreira.
Main Text
Introdução
Na perspectiva da História Cultural, o aporte teórico das representações direciona aanálise para a percepção da realidade social em que os sujeitos estão inseridos, bemcomo seus discursos e práticas culturais. De acordo com Burke (2008, p. 21), “[...] a tentação a que o historiadorcultural não deve sucumbir é a de tratar os textos e as imagens de um certo períodocomo espelhos, reflexos não problemáticos de seu tempo”. As representações não são,portanto, extensões diretas da realidade observada, tampouco “[...] uma cópia doreal, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partirdele” (PESAVENTO, 2005, p. 21). Desse modo, énecessário perspectivar para a relação simbólica, intrínseca ao conceito, bem como osentido do que se enuncia.
Uma abordagem cultural do conceito de representação parte, por conseguinte, dopressuposto de que o viés cultural fundamenta o modo de ser e de viver dos sujeitos.É importante perceber também que os grupos tendem a impor valores e concepções aomundo social. Para Chartier (1990):
De acordo com Chartier (2002), a partir doestudo das representações, pode-se depreender que toda prática ou estrutura social éproduzida culturalmente. Por sua vez, as representações compreendem relações deprodução, circulação e apropriação. Destacou-se, no estudo, que a construção de umapossível caracterização identitária de professores(as) aponta mais para questõesdiscursivas referentes às formas pelas quais estes(as) foram representados(as) doque como se percebiam no seu ofício. Evidenciaram-se elementos de como asrepresentações foram delineadas pelos grupos sociais que as teceram, porém buscou-setambém perceber os sujeitos nas falas, ou seja, a intencionalidade dosinterlocutores da produção discursiva. Para tanto, ponderaram-se elementosmobilizadores de legitimidade e de reconhecimento social.
Ao tomar-se por base tais premissas teóricas, é que este artigo trata dasrepresentações de professores(as) ou, mais especificamente, sobre professores(as),publicadas nas páginas do jornal Diário dos Campos, de Ponta Grossa-PR,no período de 1932 a 1950. Elenca-se, como categorias centrais, matérias quecontemplaram condições de trabalho e de remuneração.
A análise documental focalizou um veículo da imprensa escrita local, fundamentando-sena perspectiva discursiva das mídias, por Charaudeau(2013), em que o discurso não é a língua em si, pois, para além do usodas regras da língua, a discursividade consiste em uma combinação entre a forma e ascircunstâncias em que se escreve, considerando quem produz e os respectivosdestinatários do discurso, ou seja, a relação de intencionalidade e de recepção, bemcomo o suporte da escrita. Desse modo, o acontecimento não tem significado por sisó, mas cria sentidos ao ser transformado em discurso que, relacionado à perspectivadas representações, consubstancia-se na construção de sistemas de valores do queCharaudeau indica por “categorização social do real”. Segundo o autor:
O recorte temporal foi delimitado pela disponibilidade da fonte, porém, evidenciando,também, aspectos essenciais do contexto político, nas décadas de 1930 e 1940, tantono âmbito nacional quanto regional e local. Há de salientar-se que não foramencontrados exemplares do Diário nos anos de 1930 e 1931. Optou-se pelorecorte até 1950, por considerar-se que, a partir desse contexto, seriam necessáriasoutras análises de ordem política, inclusive do ponto de vista discursivo no tocanteàs matérias publicadas. O material consultado foi digitalizado e organizado em umbanco de dados próprio.
Para a elaboração deste artigo, foram elencadas 17 matérias que tratavam de conteúdosrelacionados à remuneração e às condições de trabalho docente. As matériasselecionadas trouxeram elementos fundamentais para a apreensão do debate educacionalpor meio da imprensa escrita local, evidenciando questões significativas no quetange aos discursos instituídos e às representações de professores(as). A fim de darsustentação à análise, contemplam-se dois momentos na abordagem. Inicialmente,discorre-se sobre a utilização do Diário na pesquisa documental,focalizando aspectos sobre a materialidade do jornal como fonte histórica, bem comoas reverberações discursivas a partir de sua representatividade local e regional. Emseguida, trata-se especificamente das representações dos(as) professores(as) noreferido jornal.
Discursos e representações nas páginas do Diário
A vida cotidiana registrada em páginas de jornal possibilita ao pesquisador observare compreender um determinado contexto, trazendo informações tanto de sujeitosilustres quanto anônimos (CAPELATO, 1988). Énesse sentido que o estudo documental da imprensa escrita propiciou compreenderdiscursos e representações de professores(as) nas décadas de 1930 a 1950, na cidadede Ponta Grossa - PR.
Jornais são fontes recorrentes em pesquisas na área da história da educação, poiscomo “[...] lugar de fala legitimado sobre a realidade contribui para a definição depapéis e a afirmação de valores e sentidos na sociedade” (DARDE, 2013, p. 6). Justamente por registrarem discursos,fornecem “[...] uma gama de informações sobre o contexto histórico em que foramproduzidos, registrando acontecimentos, posicionamentos políticos e culturais deseus respectivos produtores sociais” (SIMÃO,2015, p. 6). No entanto, é necessário ter clareza que conteúdos dejornais traduzem o perfil intelectual de editores e de escritores, apontando paraforças políticas dominantes de determinado contexto. Para Chartier,
Cabe então ao pesquisador tensionar o “[...] movimento vivo das ideias e personagensque circulam pelas páginas dos jornais”, procurando compreender que toda escritacarrega em si elementos de subjetividades, já que seus produtores são “[...]sujeitos dotados de consciência determinada na prática social” (CAPELATO, 1988, p. 21). Assim sendo,seguramente, a imprensa pode se constituir como um meio de manipulação.
O período de 1930 a 1950 , recorte temporal da pesquisa, foi demarcado pela chamadaEra Vargas (1930-1945). A partir de 1946, o General Eurico Gaspar Dutra governou opaís, e Getúlio Vargas voltaria ao poder nas eleições presidenciais de 1951. Ocontexto histórico tratado compreendeu, portanto, grande parte do período getulista.E a imprensa foi um meio bastante utilizado para cativar a população e fazerpropagandas de obras e de feitos governamentais. Ainda segundo Capelato (1988, p. 13): “Os que manejam a arma-jornal têm umavariada gama de opções entre o domínio das consciências e da liberdade, os alvos queprocuram atingir são definidos antes da luta”. O uso da propaganda política emregimes autoritários é, portanto, estratégico ao se utilizar de repetições decaráter emocional, em formato de apelos e promessas à população em geral, daí osevero controle aos meios de comunicação. Durante o período do Estado Novo(1937-1945), foram criados órgãos específicos de repressão. Assim, “[...] só restavapara a imprensa livre um recurso, o da clandestinidade”, já que a Constituição de1937 “[...] legalizou a censura aos meios de comunicação” (SODRÉ, 1998, p. 382). Em 1939, foi criado o Departamento deImprensa e Propaganda (DIP) que, dentre outras funções, controlava a imprensaescrita. De acordo com Capelato (1999, p. 173), “[...] a partir de 1940, 420 jornaise 346 revistas não conseguiram registro no DIP. Os que insistiram em manter suaindependência ou se atreveram a fazer críticas ao governo tiveram sua licençacassada”.
Nesse contexto repressivo, acentuavam-se imposições à imprensa para reprodução dediscursos oficiais, pois a propaganda política foi um dos pilares de sustentação doregime político varguista. Foi, também, por meio do controle da imprensa, que ogoverno getulista investiu em questões educativas. Criar um novo homem para o EstadoNovo tinha como ponto discursivo central investidas em projetos educativos para sepensar militarmente, fortalecendo a questão do nacionalismo por meio de uma políticaautoritária, em que a educação serviria como instrumento de controle (BOMENY, 1999).
Desde as primeiras décadas do século XX, Ponta Grossa destacava-se pela posição deentroncamento ferroviário, constituindo-se como referência no cenário paranaense,haja vista a crescente reestruturação urbana que suscitava, culturalmente,diferenciadas sociabilidades, impulsionando ampla produção e circulação deinformações. Na esfera local e regional, o Diário configurava-se comoum dos principais jornais do interior do Paraná. Suas edições foram publicadas, emmédia, de 4 a 8 páginas nas décadas pesquisadas. De modo geral, a primeira páginaera destinada às notícias sobre economia e política, enquanto assuntos relacionadosà educação tinham pouca visibilidade, consistindo em notas pequenas e que raramenteapareciam na primeira página.
Ainda que seja fundamental focalizar o contexto em que se insere o recorte temporalda pesquisa, uma constante percebida na linha editorial do jornal, desde suafundação em 1907 sob o nome de O Progresso, foi a atuação deeditores de considerável representatividade na cultural local. Passando pordiferentes proprietários, Chaves (2001, p.34-35) assevera que o Diário se firmou “[...] como principal órgão daimprensa ponta-grossense”. E até início da década de 1930, “[...] esteveestreitamente vinculado aos nomes de Jacob Holzmann e Hugo dos Reis”, o primeirocomo fundador e o segundo como consolidador da imprensa ponta-grossense, assimconsiderados pelo meio jornalístico local daquele período.
Gadini (2018) aponta que, nas duas primeirasdécadas do século XX, o referido jornal constituía-se como o único periódico comcirculação cotidiana no interior paranaense:
Em 1931, foi adquirido por José Hoffmann, conhecido como Juca Hoffmann, atuante tantona área jornalística como política, figura central na editoração das matériastratadas no período delimitado para a pesquisa. José Hoffmann preocupava-se emrelacionar o contexto local com a realidade nacional, apontando em seus escritos oque seriam pontos positivos e negativos da cidade, escrevendo notícias a partir doque observava no cotidiano ponta-grossense. Utilizava-se de um discurso que supunhaconotação ao jornal como porta-voz da verdade (CHAVES, 2001). De acordo com Charaudeau(2013), notícias de jornais, em geral, pautam-se pela busca decredibilidade, a qual dependeria da posição social do informador, ou mesmo de suanotoriedade. O editor do jornal em questão preenchia tais características por setratar de uma personalidade renomada, tanto pelo exercício do ofício na áreajornalística quanto por sua carreira política de vereador (1947), deputado (1950) eprefeito (1955-1958, 1962-1966), posições que o projetaram socialmente. José Hofmann“[...] adotava o tom popularesco de ‘eu e o operariado’, ‘eu e os trabalhadores’,‘eu e o homem simples’, buscando sempre se aproximar dos segmentos mais populares dasociedade ponta-grossense” (CHAVES, 2001, p. 50-51), porém demarcando sua posição defala.
Os artigos de José Hoffmann abrangiam temas variados, com especial destaque aocotidiano local. No presente estudo, enfatizam-se matérias referentes à educação eaos(às) professores(as). Foram consultadas cartas, entrevistas e temáticasrelacionadas à vocação, à formação e, mais especificamente, à carreira e àremuneração. Na maioria das matérias, não foram encontrados registros de autoria,mas é possível apontar para o protagonismo do próprio editor do jornal. Não haviauma coluna específica sobre professores(as). Em decorrência disso, a análisecentrou-se essencialmente em notas únicas, muitas vezes sem continuidade em númerosposteriores e raramente publicadas na primeira página do jornal, o que possibilitou,inclusive, problematizar a representatividade dos(as) professores(as) pelo grau derelevância das matérias sobre educação, tendo em conta a pouca visibilidade destatemática na ordem de diagramação das publicações do Diário.
As representações dos(as) professores(as) no Diário dos Campos
O contexto delimitado para estudo é revelador da tônica que perpassa a história daeducação no Brasil - de sérias problemáticas sociais devido à falta de investimentosna área educacional. Na análise documental, problemas de remuneração docente foramapontados desde o governo de Affonso Alves de Camargo , como demarcou a seguintematéria: “O Sr. Affonso Camargo quando governou, não trepidou em desviar a verbapaga pelo governo da União, aos professores federaes, que há três annos não percebemos seus minguados vencimentos” (O PROFESSORADO..., 1932, ed. 5756). O que édemonstrativo de que questões de gerenciamento político já incidiam diretamente navida dos(as) professores(as), especialmente no que concerne às condições de trabalhoe de remuneração, perpassando diferentes mandatos governamentais. No governo deManoel Ribas (1932-1945), foram frequentes as publicações sobre atrasos naremuneração, conforme veiculava matéria de 6 de março de 1932:
O trecho citado relatava como os(as) professores(as) enfrentavam problemas de nãorecebimento por longos períodos. Outro relato sobre vencimentos atrasados, dirigidoao governador Manoel Ribas, no início de seu governo, foi registrado em cartaescrita por uma professora, publicada no Diário dos Campos, em setembrode 1932. Alertava-se que vários outros jornais propagavam notícias em favor dogoverno, de que este teria acertado vencimentos atrasados dos(as) professores(as), oque, de fato, não havia ocorrido:
É fundamental apontar que, no gênero discursivo de carta, o locutor, geralmenteexterno à equipe editorial, necessita “[...] justificar por que tomou a palavra (emnome de quê), impor-se como sujeito falante, e identificar ao mesmo tempo ointerlocutor (ou o destinatário) ao qual ele se dirige” (CHARAUDEAU, 2013, p. 71). A reclamação da professora, aoencontrar espaço de fala no jornal, denunciava atraso no recebimento dos salários,mas que cobranças e pressões continuavam sendo exigidas pelos inspetores. Em 25 demaio de 1932, o Diário publicava outra nota de caráter reivindicatóriosobre as condições da profissão, opondo-se à “[...] transferencia de professores semprevia consulta e consenso destes; a nomeação de professores não normalistas acargos affectos a estes; redução injustificável de vencimentos; intromissão deinteresses políticos, sejam quaes forem, nas coisas de ensino” (FUNDOU-SE..., 1932,ed. 5819).
Como se pode notar, o atraso das remunerações, além de ser recorrente, estariavinculado a diversas questões que afetavam diretamente a vida profissional, comotransferências sem prévias consultas e redução de vencimentos, o que certamentecontribuiu para a consolidação de associações profissionais de classe. Ressalte-seque, em 1947, foi criada a primeira organização de professores(as) no Paraná, o queindica que tais discussões já se constituíam em pauta de suas ações.
Outras notas que envolviam a carreira docente foram demonstrativas de embate e dedescasos governamentais. Veja-se, por exemplo, nota de 10 de maio de 1935, sobretabela de reajuste de vencimentos:
A própria referência ao número de refeições é demonstrativa de baixa renda salarial.Uma recorrência discursiva é a de que os(as) professores(as) como “beneméritaclasse” deveriam ser valorizados(as), a começar pelos salários. Entretanto, emmatéria de 27 de maio de 1935, o Diário publica um comparativo domagistério com outras profissões: “[...] depois dos carteiros e dos estafetas dostelegraphos, a classe dos funccionarios poblicos peior remunerada no Brasil é a dosprofessores primários” (QUANTO..., 1935, ed. 6684). A mesma matéria ainda pontuavaque a “categoria” dos(as) professores(as) primários(as) seria a mais injustiçada,trazendo, inclusive, dados de variação salarial em vários estados do país:
Durante a primeira metade do século XX, o sistema educacional em São Paulo servia-secomo modelo a ser seguido nas diferentes regiões do país. Contudo, esse prestígioacabava por acentuar a permanência de inúmeros problemas escolares. Dentre eles, aforma como a carreira docente organizava-se, conforme trecho da matéria publicada em1937:
Como se pode notar, não havia regulamentação própria da carreira docente, tampoucopadrões de remuneração. As normativas escolares pautavam-se em legislaçõesregionais, porém já se pode apontar algumas diretrizes de centralização,características do contexto político getulista, conforme matéria de 27 de fevereirode 1940:
O Decreto-lei citado assinalava características próprias ao trabalho docente,coibindo “[...] o funcionamento particular de ensino que não remunere condignamenteos seus professores, ou não lhes pague, pontualmente, a remuneração de cada mês”(REGISTRO..., 1940, ed. 10429). Isso aponta uma contradição: atrasavam-se ospagamentos dos professores públicos, mas instituía-se uma lei que regulamentavanormativas de amparo à carreira docente em redes particulares de ensino.
De forma concomitante, formavam-se elementos de discursividade em torno daidealização da vida do(a) professor(a) e do magistério como missão e sacerdócio,concebendo-o como um ato de entrega e doação, representado pela nobreza do ato deeducar, o que compensaria problemas de ordem material, conforme matéria de 6 deoutubro de 1942:
Argumentações que justificavam baixos salários recebidos pelos(as) professores(as)encontravam sustentação na perspectiva da feminização do magistério, uma vez queeste era visto mais como uma missão do que como uma profissão, muitas vezes,inclusive, como extensão da maternidade. O magistério configurava-se em uma funçãoideal para mulheres, as quais poderiam conciliar atividades escolares sem abdicar deseu papel de esposa e de mãe, o que, por extensão, passava a caracterizar aprofissão docente pelo gênero e por uma certa provisoriedade em detrimento de umviés profissional para prosseguimento na carreira. Destacavam-se glorificações elouvores ao magistério em prol de valores patrióticos, conforme matéria de 25 denovembro de 1944:
Ao mesmo tempo que se defendia que a vida docente era sublime e honrosa; por outrolado, atentava-se para o fato de ser uma carreira cheia de desilusões. Ainda deacordo com a matéria, “[...] é tão pequena a remuneração, que nem mesmo com asgarantias de um emprego público efetivo consegue atrair suficiente número decandidatos” (PROBLEMAS..., 1944, ed. 12064). Muitos registros apontavam para queixasdas condições de trabalho e de remuneração, pleiteando-se equiparações salariais,vide matéria de 19 de maio de 1944:
Os obstáculos à ascensão na carreira ficam evidentes ao se fazerem comparativos comoutras profissões mais atraentes, por exigirem menos esforço na formação educacionale maior salário. O padrão de vida do professorado evidenciava-se pelos baixossalários e quase nulidade de perspectivas futuras na carreira. Ainda que fossemfrequentes registros do cenário de desvalorização da profissão, quase todos os anospublicavam-se notas sobre o dia dos(as) professores(as). Dentre as matériasanalisadas, uma referência, a princípio curiosa, foi o registro do Dia do Professor,em 6 de outubro. De acordo com Osinski(2015), a comemoração data da Primeira República (1889-1930), conjuntamente aoutras ritualizações de dimensão simbólica, como festas cívicas, exposiçõesescolares e exames públicos. Assim como datas religiosas e nacionais, o Dia doProfessor foi implantando com finalidades políticas, enfatizando a educação comocentral do ideário republicano. De acordo com matéria de 6 de outubro de 1945:
No entanto, ainda que se projetasse um ideal de sacerdócio ao(à) professor(a), váriasforam as matérias que retratavam insatisfação por atraso prolongado dos pagamentos edos baixos salários, o que levava muitos a procurarem outras profissões. As páginasdo Diário trazem registros que apontam para diferentes perspectivas derepresentações dos(as) professores(as), inclusive contradições, pois:
Não se pode negar que a profissão docente tinha certo prestígio social e que váriosdiscursos eram propagados no sentido de que era necessário valorizar mais os(as)professores(as). Entretanto, percebeu-se que muitos desses discursos acabavam porcontribuir para a manutenção de idealizações da profissão. Assim, dizia-se que omagistério era tarefa nobre, missão e ato de amor; logo, não necessariamenterequeria contrapartida salarial.
O Diário esteve no entremeio desses direcionamentos, ao mesmo tempo quepropagava a ideia de vocação e de sacerdócio, destacava-se na publicação de matériasque se referiam aos problemas da profissão, abrindo espaço de contestações porintermédio de alguns interlocutores por melhores condições salariais e da carreira.Pode-se presumir que o próprio contexto político local e regional repercutia nosposicionamentos da editoria do jornal. Estudos sobre a imprensa escrita localapontam que José Hoffmann mantinha estreita relação com o governo estadual de ManoelRibas (1932-1945) e municipal de Albary Guimarães (1934-1944), com maior ênfase apartir da implantação do Estado Novo (1937-1945), o que indica direcionamentoseditoriais do Diário às demandas do governo getulista. Ainda que ojornal abrisse espaço para algumas intermediações de cunho mais contestatório, comoas referidas condições de vida de professores(as), o crivo da ordem e da idealizaçãodo papel do(a) professor(a) foram recorrentemente evidenciados, tendo em conta ocontexto de centralização desse período autoritário pelo qual perpassava o país.
Com salários baixos e atrasados, para quitar contas de subsistência, muitos(as)professores(as) atuavam em outros empregos, complementando a renda. Forampublicadas, no ano de 1947, já no período de redemocratização, portanto, entrevistasrealizadas com vários(as) professores(as) que tinham vínculos com outras ocupaçõesprofissionais, o que pode ser configurado como um tipo diferenciado de gênerodiscursivo, ao que Charaudeau (2013) trata por“encenação do acontecimento provocado”, ou seja, que apresenta características bemespecíficas: as falas são exteriores aos agentes da mídia, isto é, não emanam dojornalista; são motivadas por um tema da atualidade; são justificadas pelaidentidade daqueles que falam, como neste caso, por professores(as) que atuam nomunicípio, enunciando ao público discursos de determinadas categoriasprofissionais.
Cabe destacar que alguns(mas) professores(as) entrevistados(as) detinhamreconhecimento público na cidade, por isso foi possível identificar suastrajetórias. Entretanto, para salvaguardar o anonimato dos sujeitos da pesquisa,optou-se por utilizar as letras iniciais de seus nomes. O primeiro professorentrevistado, S. M., ministrava aulas na Academia Pontagrossense de Comércio etambém exercia o ofício de alfaiate. Quando indagado se acreditava em uma melhoriada situação da carreira do magistério, ele respondeu dizendo que esperava há 18 anose que logo concluiria seu curso de guarda-livros e mudaria de profissão. Tambémdeclarou:
A condição de vida de um professor era, portanto, precária. Uma profissão como a dealfaiate era mais rendosa, apesar de não exigir formação. I. M., professor da mesmaAcademia já citada, exercia, de forma concomitante, a profissão de marceneiro,dedicando-se quase que exclusivamente a este último ofício. Referiu-se à condiçãodos professores da seguinte forma: “[...] a situação para quem vive do ensino é bemdesagradável pela baixa remuneração que os professores percebem” (MAGISTÉRIOPRIMÁRIO, 1947, ed. 13116). Ainda destacou: “[...] para o ensino, o prejuizo égrande, pois se observa verdadeira deserção pelos elementos de inegavel capacidadeque se voltam para profissões mais compensadoras” (MAGISTÉRIO PRIMÁRIO, 1947, ed.13116). Isso posto, evidenciam-se questões relacionadas à não valorização daprofissão e consequente evasão do magistério. E se não compensava, por certo nãorepresentava uma profissão condigna para que nela se mantivesse.
O professor R. M., que atuava como guarda livros, manifestou-se dizendo que “[...] oseducadores primarios vivem em absoluta inferiorização economica, e por isso omagisterio conta com poucos profisisonais. A maioria não faz de tão importantemistér o seu verdadeiro ganha-pão, e eu sou um deles” (MAGISTÉRIO PRIMÁRIO, 1947,ed. 13116). Ele concluiu seu pensamento relatando que “[...] mesmo que se valorize odinheiro ou melhore o poder aquisitivo, o professor continuará condenado á majoraçãoinfima que lhe foi imposta” (MAGISTÉRIO PRIMÁRIO, 1947, ed. 13116). Esse professorse mostrava pessimista ao afirmar que a situação dos professores não mudaria, mesmoque o salário aumentasse. Posição representativa da imagem desgastada que já seformava da profissão. Sua fala denuncia, ainda, salas superlotadas e reduzido númerode profissionais.
O professor E. P. atuava como corretor de praça e estudava para se tornar contador.Relatou que tinha como objetivo afastar-se do magistério alegando que “[...] é dignade lastima a situação economica do professor primario em nosso Estado. Não meinteressa mais essa profissão. Envergonho-me de pertencer a essa classe”(MAGISTÉRIO PRIMÁRIO, 1947, ed. 13116). A frase, título da dissertação que resultouo presente artigo, evidencia “vergonha” da profissão, o que acaba por sintetizaroutras falas sobre desvalorização da profissão e baixa remuneração. Nesse sentido,traz elementos acerca do magistério na fala de quem efetivamente vivenciava ocotidiano em sala de aula, o que contrapunha discursos que se pautavam pelaidealização de um certo prestígio social da profissão.
O professor E. Z. trabalhava tanto no magistério público quanto no privado. Nomagistério público, atuava como inspetor municipal de ensino e seu salário eraequivalente ao de professor. Salientou que “[...] de um salario vital precisam osprofessores, salario que garanta a familia, vida social, cultural (compra de livros,conferencias, especialização)” MAGISTÉRIO PRIMÁRIO, 1947, ed. 13116). Relatou,ainda, que “[...] o trabalho do professor primario ao meu ver correspondesimplesmente á desvalorização do trabalho intelectual” (MAGISTÉRIO PRIMÁRIO, 1947,ed. 13116).
O professor A. M. atuava também como jornalista. Expressou-se dizendo que o saláriorecebido era uma verdadeira afronta, e que não estava de acordo com o custo de vida,o que só poderia ser prejudicial ao ensino. Destacou a importância da organização dacarreira a partir de critérios de estudo: “Acho mais que o ensino em nosso Estadoprecisa de nova organização e que a carreira do professor deve ser estudada. Oscargos deverão ser preenchidos tendo-se em conta antiguidade, merecimento econcurso” (MAGISTÉRIO PRIMÁRIO, 1947, ed. 13116).
O professor e diretor P. C. era também horticultor. Ao denunciar a “situaçãoeconômica do professor”, endereçou o discurso ao então governador do estado:
Uma semana após a publicação da reportagem referente à ocupação de outras profissõespelos professores como forma de complemento de renda, o jornal divulgou arepercussão do tema:
Percebe-se, pelo trecho da matéria, a relevância da utilização da imprensa como formade propiciar visibilidade às lutas de diferentes setores sociais, o que evidencia aatuação do editor do Diário, José Hoffmann, posicionando-se em meio adisputas políticas locais e regionais pela própria seleção das matérias publicadas,seja em defesa das condições salariais e de carreira dos(as) professores(as), sejapela vinculação às demandas que o contexto de mando político requeria. Importanteressaltar que, em diversos momentos, temas educacionais e da profissão forampublicados nas décadas pesquisadas, ainda que não fosse de forma regular esistemática, como é o caso da matéria publicada em 6 de outubro de 1948:
De acordo com Souza (2009, p. 346), a partirde 1945, dentre os principais problemas educacionais no país, pode-se citar “[...] afalta de vagas, a alta seletividade do ensino público, as péssimas condiçõesmateriais das escolas, o despreparo dos professores, o arcaísmo dos métodos deensino, a incompatibilidade entre a escola e as necessidades da sociedadebrasileira”. Entretanto, seria um equívoco pensar que os professores(as) aceitavamde forma inquestionável tais condições. Demonstrativo disso foram movimentosrealizados para pressionarem os governos, como registrado em 12 de novembro de 1948.O Diário publicou matéria de que, em São Paulo, mais de dois milprofessores(as) primários(as) haviam se reunido para reclamar seus direitos.Noticiava-se sobre expectativas de que esse movimento chegasse ao Paraná,entretanto, com alguns poréns.
Apesar do Diário publicar conteúdo em defesa dos direitos dos(as)professores(as), refutava-se a ideia de uma greve ou mesmo de manifestações em praçapública. Aconselhavam que os(as) professores(as) primários(as) lutassem por seusdireitos, mas de forma “pacífica”, o que pode denotar que o zelo editorial pelaordem pública pesava mais do que propriamente o teor da agenda das reivindicações.
Outro registro significativo diz respeito às diferenciações de salário e cargahorária entre ensino primário, secundário e superior, conforme carta de um professorque reclamava que, no ensino secundário, usufruía-se de férias mais extensas, nãoprecisando trabalhar em dias frios de inverno, dentre outras condições maisfavoráveis entre o meio urbano e rural, conforme matéria de 31 de maio de 1947:
Essas diferenças de condições de trabalho, calendário letivo e remuneração evidenciamdisparidades entre os níveis de ensino, cabendo especialmente aos que trabalhavamcom o ensino primário o ideário de vocação, tão difundido na temporalidade tratada.Todavia, a carta é demonstrativa de como tais professores(as) não eram meros(as)receptores(as) dos discursos oficiais.
Outra carta de uma professora primária do interior do estado traz novamente à cenacríticas ao governo de Moysés Lupion pelo recorrente atraso no pagamento dossalários. Denunciava-se que o governador se enaltecia por arrecadar milhões decruzeiros aos cofres públicos, gastando com festas e excursões políticas;entretanto, não pagava o salário dos(as) professores(as). O conteúdo dizia, dentreoutras questões, atraso no vencimento de natal, ficando impossibilitados de comprarpresentes. A carta é de 11 de janeiro de 1950:
Finalizando a carta, escreveu que esperava receber em março, maio ou junho.Destaque-se o trecho da carta em que a professora relatava estar sendo sustentadapor seu pai. O magistério, especialmente das primeiras letras, constituía-se em umaprofissão exercida essencialmente por mulheres, gerando praticamente um consenso deque a estas não caberia obrigação no sustento da casa, ainda que, muitas vezes, ocotidiano em que viviam fosse exatamente o contrário.
Os trechos selecionados das matérias publicadas no Diário apontam que oestudo de representações de professores(as) podem ser compreendidos a partir dediferenciados ângulos, pois ainda que o jornal local pesquisado adotasse uma linhaeditorial própria, posicionando-se a partir de conjunturas políticas específicas docontexto tratado, foi possível perceber tanto convergências quanto diferenciaçõesargumentativas entre os interlocutores nas publicações tratadas. O que, de todaforma, evidencia como a própria área educacional constitui-se, historicamente,marcada por disputas discursivas e lutas culturais, fundamentalmente no que serefere às remunerações e às condições de trabalho docente.
Considerações finais
A análise documental apontou questões centrais sobre representações deprofessores(as) publicadas nas páginas do jornal Diário dos Campos, apartir das categorias condições de trabalho e remuneração. Compreendendo tratar-sede um veículo de representatividade local e regional, percebeu-se, na fala dediferentes interlocutores, o protagonismo da editoria na seleção dos temas e do teordiscursivo da produção jornalística, tomando como premissa que “[...] a significaçãoé posta em discurso através de um jogo de dito e não dito, de explícito e implícito”(CHARAUDEAU, 2013, p. 39).
É nessa direção que foi significativo constatar que discursos veiculados erepresentações delineadas sobre professores(as) incidiram na forma como estes(as)eram vistos(as) e serviam, em grande medida, como modelos de normatização decondutas sociais em meio a disputas políticas e debates educacionais marcantes sobrea educação pública e, mais especificamente, sobre a profissionalização docente, noperíodo de 1932 a 1950. Justamente porque o descaso com a educação, especialmente aprimária, levava a um descaso da profissão, ainda que muitos discursos forjassem umcerto prestígio social do magistério, vale destacar que o recorte temporal dapesquisa se insere no período do Estado Novo, o que indica um contexto de censuras ede repressões. Entretanto, foi possível destacar contradições discursivas ediferentes possibilidades de apreensão representativa.
Fundamental considerar que, conforme Chartier(2011, p. 23), “[...] as representações possuem uma energia própria, etentam convencer que o mundo, a sociedade ou o passado é exatamente o que elas dizemque é [...]”. Nessa perspectiva, o movimento das construções discursivas podemapresentar ora conformações, ora contradições, daquilo que já se tratou na primeiraparte deste artigo, que: “As lutas de representações são assim entendidas como umaconstrução do mundo social por meio dos processos de adesão ou rechaço que produzem(CHARTIER, 2011, p. 22)”. Assim sendo, édesse movimento que são formadas percepções dos sujeitos no mundo, gerando açõesreais e concretas, ou seja, práticas socioculturais que, no caso do presente estudo,centralizou-se nos professores primários do Paraná.
As matérias publicadas no Diário demonstraram a questão dadesvalorização docente de forma bastante contundente no período analisado, visto arecorrência dessa temática no teor das notas. Os salários eram baixos, atrasavamconstantemente e as condições de trabalho eram precárias. Concomitantemente,propagavam-se discursos de que o magistério deveria espelhar-se por um ideário desacerdócio, como missão, prescindindo de pautas afetas à carreira ou constância nopagamento dos salários e variando bastante de uma localidade para outra. Comparado aoutras profissões, a remuneração também se mostrava baixa, o que levava muitos(as)professores(as) a procurarem outras profissões.
Por fim, evidenciou-se que a educação foi e continua sendo marcada por jogosdiscursivos e lutas de representações. Uma escola não pode ser pensada como umainstituição isolada do meio político e cultural em que se insere e do processohistórico que a constituiu. Condições de trabalho e remuneração docente dizem muitodesse processo.
Fontes consultadas no jornal Diário dos Campos (1932-1950)
A CARREIRA do professor. Diário dos Campos, Ponta Grossa, 23 jul. 1937.Ed. 9182.
DESDE outubro não recebem os professores estaduais. Diário dos Campos,Ponta Grossa, 11 jan. 1950. Ed. 15495.
ENSINO barato mas não a custa dos professores. Diário dos Campos, PontaGrossa, 6 out. 1948. Ed. 15354.
FUNDOU-SE nesta cidade a Associação dos Professores Effectivos e Normalistas.Diário dos Campos, Ponta Grossa, 25 maio 1932. Ed. 5819.
MAGISTÉRIO primário. Diário dos Campos, Ponta Grossa, 22 jun. 1947. Ed.13116.
MAIS PROFESSORAS. Diário dos Campos, Ponta Grossa, 25 nov. 1944. Ed.13116.
NOTÍCIA alviçareira para o professorado. Diário dos Campos, PontaGrossa, 29 jun. 1947. Ed. 13121.
O DIA do professor. Diário dos Campos, Ponta Grossa, 6 out. 1942. Ed.11100.
O PROFESSORADO e o Sr. Manoel Ribas. Diário dos Campos, Ponta Grossa, 6mar. 1932. Ed. 5756.
O PROFESSORADO PRIMÁRIO. Diário dos Campos, Ponta Grossa, 12 nov. 1948.Ed. 15384.
O REAJUSTAMENTO dos vencimentos dos professores paranaenses. Diário dosCampos, Ponta Grossa, 10 maio 1935. Ed. 6680.
OS PROFESSORES federaes continuam em lamentável atrazo de vencimentos. Diáriodos Campos, Ponta Grossa, 4 set. 1932. Ed. 5923.
PROBLEMAS educacionais: ordenado do professor. Diário dos Campos, PontaGrossa, 19 maio 1944. Ed. 12064.
QUANTO ganha um professor. Diário dos Campos, Ponta Grossa, 27 maio1935. Ed. 6684.
RECOMPENSA aos professores primários. Diário dos Campos, Ponta Grossa,31 maio 1947. Ed. 13099.
REGISTRO profissional do professorado. Diário dos Campos, Ponta Grossa,27 fev. 1940. Ed. 10429.
SERÁ comemorado hoje o “Dia do Professor”. Diário dos Campos, PontaGrossa, 6 out. 1945. Ed. 12688.
Resumo
Main Text
Introdução
Discursos e representações nas páginas do Diário
As representações dos(as) professores(as) no Diário dos Campos
Considerações finais
Fontes consultadas no jornal Diário dos Campos (1932-1950)