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Thu, 10 Apr 2025 in Revista Práxis Educativa
30 anos de PPGE-UEPG (1994-2024): espaço de experiência e horizonte de expectativa
Resumo
Os 30 anos do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PPGE-UEPG) são retratados a partir de dois objetivos. De uma parte, busca-se explicitar essa história por meio da designação de atos de fundação (1993-1994), refundação (2001-2002), reformulação (2003-2004), consolidação (2010-2011) e expansão (2011-2024). De outra parte, visa-se discutir sobre os desafios atuais do PPGE, sob a denominação de ato de projeção. Apoia-se em atas e documentos do PPGE, entrevista com ex-coordenadores e com a coordenadora atual do PPGE (2019), documentário 30 anos PPGE-UEPG (2024), Planos Nacionais de Pós-Graduação, Regulamento da Política Docente da UEPG (2013), Minuta do Regulamento da Política Docente da UEPG (2023), Minuta do Regulamento dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu da UEPG (2024), Lei Geral das Universidades (2021), assim como em Helenice Rodrigues da Silva (2002), Pierre Bourdieu (2013), François Dosse (2013), Reinhart Koselleck (2006, 2014) e Gilles Deleuze e Félix Guattari (2015) para abordar tanto o espaço de experiência quanto problematizar o horizonte de expectativa do PPGE-UEPG.
Main Text
Introdução
Em 2024, comemora-se 30 anos do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PPGE-UEPG). Hoje, existem 22 Mestrados e 11 Doutorados acadêmicos, além de cinco Mestrados e um Doutorado Profissionais nessa instituição universitária. Há 30 anos, a situação era muito diferente. Não havia nenhum. Existiam muitos cursos de Pós-Graduação lato sensu, os quais se expandiram na década de 1980. Um dos obstáculos para a abertura de cursos stricto sensu era a titulação do corpo docente. Em 1992, por exemplo, havia um total de 577 professores de carreira, dos quais 192 eram graduados (33,28%), 273 eram especialistas (47,31%), 98 eram mestres (16,98%) e 14 eram doutores (2,43%), conforme dados da UEPG (1993a, p. 197). Em 2024, de acordo com a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGESP) (UEPG, 2024a), há 642 docentes efetivos, entre eles quatro com Graduação (0,62%), cinco com Especialização (0,77%), 88 com Mestrado (13,7%), 542 com Doutorado (84,42%) e três livres-docentes (0,46%). Os dados retratam a expansão da Pós-Graduação no Brasil e uma situação bastante diferente entre os dois contextos da UEPG.
No ano de 1994, iniciavam-se as atividades do Curso de Mestrado em Educação, o primeiro da UEPG. Explicitar o processo dos 30 anos é um dos objetivos deste artigo. Além disso, realizar-se-á uma discussão sobre os desafios atuais do PPGE, no contexto das políticas da própria UEPG e da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI). Faz-se, de um lado, uma seleção de aspectos que são considerados relevantes para compreender os 30 anos de história do PPGE-UEPG. Essa dimensão tem a ver com espaço de experiência, ou seja, “[...] é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados” (Koselleck, 2006, p. 309). Ao considerar, de outro lado, a recomendação de que “[...] seria capital que os historiadores trabalhassem sobre o equivalente contemporâneo de seu objeto histórico” (Bourdieu, 2023, p. 35), pretende-se explorar as condições necessárias e os obstáculos prementes à continuidade do PPGE, isto é, “[...] a expectativa [que] se realiza no hoje, [que] é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto” (Koselleck, 2006, p. 310). São dois objetivos que se articulam mediante uma leitura do passado e uma leitura do futuro presente. Todavia, “[...] passado e futuro jamais chegam a coincidir, assim como uma expectativa jamais pode ser deduzida totalmente da experiência” (Koselleck, 2006, p. 310).
Trinta anos do PPGE-UEPG são um acontecimento1. É objeto de rememoração (referente ao movimento de elaboração individual) e de comemoração (relacionado à construção de uma memória coletiva) de atuais estudantes, docentes e administradores da Universidade. Igualmente, de egressos, docentes e administradores aposentados. Todos com sentimentos de pertencimento, de integrantes dessa memória e produtores de lembranças. “Comemorar significa, então, reviver de forma coletiva a memória de um acontecimento considerado como ato fundador, a sacralização dos grandes valores e ideais de uma comunidade constituindo-se no objetivo principal”, conforme assinala a historiadora Helenice Rodrigues da Silva (2002, p. 432).
Comemorar 30 anos do PPGE implica reportar-se a um ato fundador. O ano de 2024 remete ao ano de 1994. Nesse intervalo, mantém-se a conexão com o ato fundador. É possível dizer que, em cada ação posterior, há uma espécie de refundação, seja para reiterar correspondências, seja para assinalar incongruências com os acontecimentos anteriores. Não se escapa disso, pois, em cada comemoração, reatualizam-se a memória individual e a memória coletiva. Concordamos com a afirmação de Helenice da Silva (2002, p. 426) de que “[...] objeto de manipulações freqüentes (de ordem política e ideológica), a memória (individual e coletiva) passa, assim, a integrar o ‘território do historiador’”. Nesse movimento, ao historiador está posto o seguinte desafio:
Procurando adequar os relatos de memórias individuais à veracidade histórica, ele elabora uma reflexão sobre a própria temporalidade. Em outras palavras, cabe-lhe a tarefa da apreensão da relação do presente da memória (de um acontecimento) e do passado histórico (desse acontecimento), em função da concepção de um futuro desse passado (Silva, 2002, p. 426).
Busca-se atender a essa exigência cotejando as memórias de parte dos personagens do PPGE com elementos da história da UEPG e da Pós-Graduação no Brasil, pois “[...] a história reencontra, então, a memória nessa sua ambição da verdade” (Silva, 2002, p. 430). Trata-se das complexas relações entre história e memória, entre lembrança e esquecimento. São muitos atos, sendo um único tratado como fundador. Alguns outros que se seguiram são simbólicos nas rememorações e constituintes da comemoração dos 30 anos. Ato fundador é o que edifica, que estabelece o princípio de algo. Outros atos ganham visibilidade, designados aqui de atos subsequentes, aqueles que existiram em razão do ato fundador e que guardam relações de correspondência ou de incongruência.
A discussão em torno do ato fundador e dos atos subsequentes se apoia em um conjunto de dados, a saber: atas e outros documentos que estão arquivados na coordenação do PPGE-UEPG, mas principalmente na Entrevista com ex-coordenadores e coordenadora atual do PPGE, publicada na revista Práxis Educativa em 2019, alusiva à comemoração de 25 anos do Programa, assim como no documentário 30 anos PPGE-UEPG, no qual estão registrados diversos depoimentos de pessoas envolvidas com esse processo.
Utilizamos, ainda, os Planos Nacionais de Pós-Graduação; a Resolução nº 21 de 9 de dezembro de 2013, que “aprova novo Regulamento da Política Docente da UEPG”; a Minuta de alteração do Regulamento da Política Docente da UEPG (2023); a Minuta de alteração do Regulamento dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu da UEPG (2024); além da Lei nº 20.933, de 17 de dezembro de 2021 - Lei Geral das Universidades, que “dispõe sobre os parâmetros de financiamento das Universidades Públicas Estaduais do Paraná, estabelece critérios para a eficiência da gestão universitária e dá outros provimentos” (Paraná, 2021). A partir desses materiais e em diálogo com a produção acadêmica que trata da Pós-Graduação no Brasil2, esperamos tanto abordar o espaço de experiência quanto problematizar o horizonte de expectativa do PPGE-UEPG.
Ato de fundação (1993-1994)
O ato fundador é um acontecimento. Oficialmente, para a UEPG, notadamente para o PPGE-UEPG, o ano de 1994 simboliza o princípio. Todavia, a aprovação do Mestrado em Educação nos órgãos da UEPG aconteceu em 1993, iniciando as atividades acadêmicas no ano seguinte, razão pela qual registramos os dois anos no título deste item.
Em torno desse acontecimento (ato fundador), muitas pessoas estavam e ainda estão envolvidas. Algumas ocupavam funções de comando e de tomadas de decisão, outras participaram como integrantes da comissão de formulação da proposta, mas todos, de uma forma ou de outra, tomaram posição no processo de criação do Curso de Mestrado em Educação. Para além das pessoas que estão registradas nos “lugares de memória” (arquivos, símbolos, personagens, acontecimentos, instituição), sem dúvida, existem muitos trabalhadores que passaram e passam na condição de anônimos. Fazemos menção a esse aspecto para dizer que toda tentativa de produzir uma interpretação do passado se dá por aproximação à experiência realizada. Inescapável condição, pois se trata de uma visada a um passado rememorado e comemorado continuamente, isto é, produzido a partir dos registros daqueles que controlavam e controlam os meios de produção da memória. Apesar dessas limitações, ainda é possível apresentar elementos importantes que se aproximam da ambição da verdade histórica. É sob essa perspectiva que dialogamos com as fontes históricas, sejam os depoimentos, sejam os dados escritos. São ambos tomados como narrativas, cabendo ao historiador realizar mediações a fim de produzir interpretações e sentidos articulados aos contextos.
Ao rememorar o efeito simbólico do Curso de Mestrado em Educação, o primeiro coordenador, professor Ivo José Both3, imediatamente relaciona o lugar da Universidade ao contexto da cidade de Ponta Grossa: “A UEPG foi a instituição que se firmou na vanguarda da implantação e da implementação de cursos em nível superior na região dos Campos Gerais, com forte apelo inicialmente na Graduação e, na sequência, em cursos de Pós-Graduação em nível lato sensu” (Both, 2019, p. 768). É um depoimento concedido por escrito e publicado na revista Práxis Educativa, em comemoração aos 25 anos do PPGE. A narrativa do depoente está em correspondência com a memória coletiva, pois, desde as primeiras ações em defesa da Educação Superior, buscava-se associar Ponta Grossa à posição de referência tanto regional quanto em relação ao estado do Paraná (Campos; Souza, 2016; Frasson, 2002; Frasson; Gebara; Pilatti, 2014). Ainda está alicerçada à própria memória da UEPG, cuja origem remonta às faculdades criadas desde a década de 1950 (Campos; Souza, 2016; Frasson, 2002). Está respaldada na memória da constituição da Universidade, em 1970, sob a junção das faculdades isoladas então existentes, assim como nos efeitos concretos e simbólicos do processo de criação do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), em 1973; da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESP), em 1987; do Programa de Iniciação Científica (PIBIC); e do Programa de Fomento à Pesquisa, ambos em 1991.
São atos institucionais contidos no fragmento do depoimento do professor Ivo Both. Não estão explícitos, mas estão presumidos em sua narrativa. Os dados quantitativos igualmente indicam que, na década de 1980, houve intenso investimento em cursos de especialização na UEPG (Campos, 2019b). O itinerário desse depoente se mistura à própria trajetória da instituição, notadamente ao espaço de experiência, a partir dos anos 1980. Além disso, seu itinerário se imiscui a um dos departamentos responsáveis pela criação do Curso de Mestrado. “[...] partiu, de modo especial, do corpo docente dos departamentos de Educação e de Métodos e Técnicas de Ensino, a iniciativa de criação de Programa de Mestrado em Educação”, relembra Ivo Both (2019, p. 768).
A professora Mariná Holzmann Ribas4, em seu depoimento ao documentário 30 anos PPGE-UEPG, traz alguns detalhes dos primeiros movimentos: “A ideia de Mestrado surgiu numa conversa no Departamento de Métodos e Técnicas com as professoras Leide Mara Schmidt5 e Teresa Jussara Luporini6” (Ribas, 2024). Em sua narrativa, diz: “Daí resolvemos entrar em ação, tivemos muitas dificuldades porque o reitor da época7 não queria. Mas nós acabamos vencendo” (Ribas, 2024).
Essas narrativas se encadeiam aos registros institucionais da criação do curso, pois tanto Ivo Both quanto Mariná Holzmann Ribas integraram o grupo de formulação da proposta, assumindo papéis de liderança, muito embora a segunda tenha concluído seu Doutorado em 1997 e integrado o quadro de docentes posteriormente à fundação. O primeiro exerceu a função de coordenador do curso de 1994 até 1999; a segunda, de 1999 a 2002. Misturam-se memória individual e lugares de memória.
Outro aspecto presente no depoimento de Ivo Both diz respeito ao processo de constituição da proposta do curso: “Tal iniciativa teve como fonte grandemente propulsora a larga experiência que a UEPG vinha acumulando há vários anos com a implementação de cursos de Pós-Graduação em nível lato sensu” (Both, 2019, p. 769). De fato, as discussões se ampararam na experiência dos cursos de especialização, que se expandiram na década de 1980. A criação do curso contou com assessoria de docentes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujo convênio com a UEPG foi firmado no ano de 1991 (Campos, 2019b). No entanto, o processo foi desenvolvido por professores da UEPG, aspecto que revela duas situações opostas. De um lado, resultou em um conjunto de mudanças e foi resultado de outras ações empreendidas a partir da década de 1980, a saber: criação da PROPESP, em abril de 1987; aprovação do PIBIC e do Programa de Fomento à Pesquisa, ambos em outubro de 1991; aprovação da proposta do Curso de Mestrado em Educação no CEPE, além de aprovação do Regulamento Geral dos Cursos de Pós-Graduação stricto sensu da UEPG, ambos em reunião extraordinária do dia 30 de março de 1993. De outro lado, apoiar-se na experiência dos cursos lato sensu se tornou um dos obstáculos ao reconhecimento do Mestrado junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), dada a existência de duas áreas de concentração e seis linhas de pesquisa - havia, assim, uma grande dispersão (Campos, 2019b).
O grupo fundador partiu de sua experiência em cursos lato sensu. O depoimento anterior é identificado na proposta do curso, notadamente ao se tratar dos seus antecedentes: “A oferta sistemática de cursos de Especialização em Educação [despertou] as aspirações da comunidade universitária por um Curso de Mestrado em Educação” (UEPG, 1993b, p. 15). Ao mesmo tempo, Ivo Both (2019, p. 769) faz referência a uma das grandes dificuldades: “Pouca experiência pregressa na gestão de um programa educacional em nível stricto sensu”. As observações assinalando a inexperiência em stricto sensu são feitas a posteriori; desse modo, no momento de criação do Curso de Mestrado, não necessariamente havia essa percepção. É possível dizer que a compreensão era outra, pois, na proposta do curso, a experiência em lato sensu foi indicada como um fator positivo. Apesar disso, desde o Parecer nº 977, de 3 de dezembro de 1965 (Parecer do Conselho Federal de Educação sob relatoria de Newton Sucupira), conforme destaca Maria de Fátima de Paula (2002, p. 135), “[...] faz-se separação entre a Pós-Graduação lato sensu e a Pós-Graduação stricto sensu, concentrando, a partir desta última, os níveis de Mestrado e Doutorado”. Mesmo assim, no item “Antecedentes do Curso”, menciona-se uma certa articulação entre lato sensu e stricto sensu. Mais adiante, vamos explorar um pouco mais esse aspecto, quando explicitaremos que o reconhecimento do curso pela Capes implicou a definição de apenas uma área de concentração e duas linhas de pesquisa, muito diferente da experiência inicial de 1994, o que corrobora a falta de experiência identificada pela narrativa do professor Ivo Both.
Além disso, Ivo Both (2019, p. 770) menciona outra grande dificuldade inicial: “Ainda sem recursos humanos próprios suficientes para a implementação de um programa de Pós-Graduação em nível stricto sensu, recorreu-se à contratação de professores oriundos de várias instituições”. Isso também aparece na proposta do curso:
O corpo docente será constituído de professores da UEPG (dos departamentos do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes), de professores visitantes oriundos da UFPR e de professores da UNICAMP (da Faculdade de Educação). Poderão ainda ser convidados outros professores conforme as necessidades da programação (UEPG, 1993b, p. 34).
O curso iniciou com 13 docentes, sendo cinco da UEPG. Essa foi a estratégia adotada pelos gestores da UEPG, com duração prevista até que alguns docentes da instituição concluíssem seus Doutorados que estavam em andamento. Dada a impossibilidade da época, essa estratégia se mostrou uma alternativa possível para viabilizar a criação do Curso de Mestrado em Educação na instituição. No final da década de 1990, houve o processo de substituição de docentes externos por professores da própria UEPG. Todavia, parte considerável desses docentes concluiu seus Doutorados no final da carreira na própria instituição, gerando, no início dos anos 2000, outra dificuldade de recursos humanos para a manutenção do curso (Campos, 2019b).
O ato de fundação do Curso de Mestrado em Educação foi resultado de políticas de Pós-Graduação de âmbito nacional, mas também de mudanças institucionais já mencionadas. Igualmente, esse ato condicionou um processo de incorporação da Pós-Graduação na estrutura da própria Universidade (Campos, 2019b). Em meados dos anos 1990, a UEPG iniciava sua experiência em uma política que remonta à década de 1960, pois, desde então, apostava-se que “[...] da pós-graduação stricto sensu se espera a grande renovação da universidade como centro de produção científica” (Paula, 2002, p. 135). Na proposta do curso, notadamente no item “Antecedentes do Projeto”, o grupo afirma que “[...] impõe-se neste momento o trânsito para um novo estágio na UEPG, cujos passos iniciais já foram dados em algumas áreas. Isto implica na colocação da Pós-Graduação no centro da política de desenvolvimento acadêmico da Universidade Estadual de Ponta Grossa” (UEPG, 1993b, p. 18). Ivo Both (2024) diz: “Lógico, todo começo não é fácil, todo começo exige sacrifícios”.
Nem desbravadores da história, nem iludidos, mas um grupo de docentes que, frente ao espaço dos possíveis, envolveu-se nesse ato fundador, que edificou o primeiro Mestrado da UEPG. Um curso criado e mantido pela instituição, apesar de todas as ambivalências na sua origem, simboliza a principal virtude. Uma das fragilidades, por sua vez, foi a vinculação direta às experiências dos cursos lato sensu, que se tornou um dos obstáculos para seu reconhecimento junto à Capes.
Ato de refundação (2001-2002)
Oficialmente, nos registros da Capes, o Curso de Mestrado em Educação da UEPG data de 2002. Esse ano tem a ver com o registro oficial após a recomendação do órgão federal. O processo de reconhecimento do curso é designado, aqui, de refundação. O ato de refundar o Mestrado em Educação é, igualmente, um acontecimento. Muito embora a oficialização tenha se dado em dezembro de 2002, a elaboração da proposta aprovada pela Capes aconteceu a partir do ano de 2001. Em razão disso, registramos 2001-2002 no título deste item.
O depoimento da professora Mariná Holzmann Ribas é revelador do desafio que foi o processo de reconhecimento do curso. Ela observa: “E começamos muito precipitadamente já formando uma turma e arranjando professores que eram de Curitiba. Daí a grande dificuldade foi conseguir que o Mestrado fosse reconhecido. E depois de muitas idas e vindas conseguimos que o Comitê de Educação reconhecesse o Mestrado” (Ribas, 2024). É indicativo de muito investimento realizado entre a primeira submissão (1993) e a última (2001).
Pelo que apuramos, em outubro de 1993, a proposta apresentada não foi aprovada. Identificamos que, em 17 de julho de 1995, foi submetida nova proposta, já com atendimento às sugestões da comissão de avaliação. Contudo, mais uma vez, não foi recomendada. Em dezembro de 1997, a discussão em torno de nova proposta ganhou atenção nos debates do colegiado do curso, cuja submissão ocorreu em agosto do ano seguinte. Vejamos o que os avaliadores consideraram ao não ser recomendada essa proposta: “[...] número pequeno de professores doutores; biblioteca com material insuficiente e com pouco espaço físico; as áreas de concentração e linhas de pesquisa devem ser efetivadas de acordo com a produção científica dos professores permanentes” (UEPG/PPGE, Ata 22, 18 jun. 1999, p. 26). Do exposto, destacamos a dificuldade de recursos humanos, quer dizer, de docentes titulados com Doutorado, além da dispersão de áreas de concentração e linhas, aliada à falta de aderência à produção intelectual dos docentes.
Notemos que a gestão do professor Ivo Both fez várias tentativas de reconhecimento do curso. Era uma situação que demandava resolução, pois havia egressos sem diploma reconhecido no território brasileiro. Houve tensão, uma vez que, em 24 de agosto de 1999, realizou-se reunião entre o colegiado do curso, o pró-reitor de Pós-Graduação e estudantes, a fim de debater esse impasse. Nessa reunião, o questionamento central foi: “[...] como ficaria a questão dos alunos que já terminaram o Curso de Mestrado, principalmente com relação às primeiras e segundas turmas, quando, inclusive, já existem duas professoras matriculadas em curso de Pós- Graduação em nível de doutorado?” (UEPG/PPGE, Ata 24, 24 ago. 1999, p. 28). Esse vai e vem, ou mesmo o início precipitado mencionado por Mariná H. Ribas, têm a ver com tudo isso. Estava posta uma grave situação, com desdobramentos em diversas esferas. Assinala-se, aqui, que o curso não era gratuito, o que gerava também um problema de ordem financeira à UEPG, pois os mestrandos pagaram mensalidades e não conseguiram obter um diploma de Mestrado reconhecido pela Capes.
A gestão da professora Mariná Ribas deu continuidade às tentativas de reconhecimento. Apesar de todas as dificuldades, a estratégia mais adequada parecia ser avançar na sistematização de uma proposta a partir das recomendações dos avaliadores. No início de 1999, houve uma intensificação na reformulação da proposta, contando com uma visita in loco realizada pelas representantes da área de Educação junto à Capes, no mês de agosto. Naquele momento, recomendaram: “[...] a Biblioteca [deveria] estar junto com o Curso de Mestrado; enxugamento das linhas de pesquisas; ampliação do número de pesquisas com financiamento e a contratação de mais professores permanentes para o curso” (UEPG/PPGE, Ata 23, 19 ago. 1999, p. 26).
Solicitações difíceis de serem resolvidas. E, de fato, isso foi um impeditivo para o envio de nova solicitação. A coordenação relatou que “[...] não tem condições de mandar o projeto do mestrado à CAPES no mês de março [2000], pois o mestrado não tem número suficiente de professores permanentes, em virtude do não preenchimento das vagas no último concurso” (UEPG/PPGE, Ata 26, 23 fev. 2000, p. 31). Notamos que a UEPG abriu concurso público para professor efetivo com exigência de Doutorado em Educação; no entanto, não houve candidatos com tal titulação. Para além disso, a disposição para reorganizar a proposta era uma situação complexa, porém isso dependia de uma ação do próprio corpo docente. Nesse contexto, o professor Ademir José Rosso8, que havia concluído seu Doutorado em 1998, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sugeriu uma primeira medida: “[...] que cada professor fizesse seu currículo nos moldes do CNPq (lattes), uma vez que ao final deste currículo, aparecem as linhas de pesquisas de cada professor” (UEPG/PPGE, Ata 26, 23 fev. 2000, p. 32). Observa-se uma ação deliberada para identificar com precisão as temáticas de pesquisa de cada docente, a fim de explicitar aderência às linhas de pesquisa do curso, demanda solicitada pelos avaliadores após a não aprovação da proposta submetida em 1998.
Em meados do ano 2000, intensificaram-se os trabalhos para conclusão da proposta a ser submetida ao comitê de avaliação da área de Educação na Capes, havendo a seguinte divisão de tarefas: “[...] ficou decidido que a parte da conceituação e justificativa ficará sob a responsabilidade de Ivo Both e Ademir Rosso e a parte da nova estrutura do curso com Mariná Holzmann Ribas, Leide Mara Schmidt, Rosilda Baron Martins9 e Teresa Luporini” (UEPG/PPGE, Ata 28, 3 jul. 2000, p. 33).
Nessa proposição do ano de 2000, percebemos medidas tomadas para atender às recomendações de avaliações anteriores, cuja expressão se nota na definição de uma única área de concentração: Formação de Profissionais da Educação, bem como em três linhas: Política Educacional; Ensino e Educação de Professores; Educação, História e Memória. Nota-se uma transição de duas áreas (na sua origem) para uma área de concentração, além da redução de seis linhas (do ato de fundação) para três linhas (no ato de refundação). Houve diligência no mês de março de 2001 para afinar a proposta, quando os avaliadores recomendaram que a área de concentração fosse Educação, assim como a redução para duas linhas de pesquisa: Ensino e Educação de Professores; Política Educacional. De outra parte, conforme sugestão dos avaliadores, “[...] a linha Educação, história e memória, por ter no momento apenas uma professora responsável por projetos de pesquisa, estaria mais bem articulada ao Programa como projeto isolado” (Brasil, Cadernos..., 2000, p. 93). Entretanto, havia um horizonte de que “[...] com o retorno previsto de doutores com especialização nesta área, o projeto isolado pode vir a se constituir como linha de pesquisa em curto prazo” (Brasil, Cadernos..., 2000, p. 93). Essas recomendações foram incorporadas, conforme consta na ata do colegiado de julho de 2001: “[...] com relação às linhas de pesquisa, ficam definidas duas linhas - Ensino e Educação de Professores e Política Educacional; e um projeto isolado - Educação, História e Memória” (UEPG/PPGE, Ata 39, 5 jul. 2001, n. p.).
Finalmente, depois de um começo muito precipitado, de muitas idas e vindas, como relata Mariná Ribas (2024), publicou-se, no Diário Oficial da União do dia 6 de dezembro de 2002, a recomendação do curso. Do ato fundador, portanto, chega-se ao ato de refundação do Mestrado em Educação.
Ato de reformulação (2003-2004)
Tão logo ocorreu o que denominamos “refundação”, desencadeou-se um novo acontecimento: o ato de reformulação da proposta, que ocorreu internamente durante o ano de 2003 e passou a funcionar a partir de 2004, motivo pelo qual incluímos os dois anos no título desta seção. As idas e vindas do processo de reconhecimento se findaram, mas outros desafios se apresentaram. Um deles foi a composição do corpo docente, que continuava na ordem do dia. Naquele momento, a contratação de professores externos não mais era uma estratégia para a manutenção do Curso de Mestrado em Educação. Nos itens anteriores, vimos que alguns professores da UEPG concluíram seus Doutorados e passaram a integrar o curso. No entanto, no início dos anos 2000, uma parte se aposentou da instituição. Novamente, o quadro de docentes permanentes se tornou uma preocupação. Se alguns saíram, outros ingressaram, mudando de maneira significativa a imagem da composição de professores na primeira metade da década de 2000. Em poucos anos, houve outra configuração do corpo docente, visível na página do PPGE, notadamente em dissertações concluídas.10
A mudança do quadro de docentes ocorreu no contexto da reformulação da proposta do curso, tão logo ocorreu seu reconhecimento junto à Capes. Essa organização tem a ver com o ingresso de novos docentes, mas também com as discussões desenvolvidas naquele momento. Uma delas diz respeito à retirada da dimensão “formação de professores” de uma linha e sua conversão em eixo das duas linhas, uma vez que se entendia a educação de professores como uma das finalidades da Pós-Graduação brasileira. Efetivamente, se olharmos para os Planos Nacionais de Pós-Graduação, é possível identificar isso, pois, desde o primeiro (1975-1979), a formação de recursos humanos de alto nível já aparecia como um dos objetivos. Em termos práticos, houve mudança nas denominações das duas linhas. Em lugar das linhas anteriores Ensino e Educação de Professores e Política Educacional, passaram a existir: 1) Ensino-aprendizagem; 2) História e Política Educacionais. Essa questão aparece no relatório do ano de 2003, enviado à Capes:
Como três das quatro Professoras que se aposentaram se concentravam na linha de Política Educacional e do Projeto Isolado Educação, História e Memória foi necessária uma avaliação que considerasse as deficiências na constituição das Linhas de Pesquisa, tanto as levantadas pelas avaliações externas quanto as percebidas internamente. Embora uma análise imediata tivesse apontado para uma estruturação do Programa a partir das suas maiores demandas na direção da Formação de Educadores e do Ensino Aprendizagem, o corpo docente com a clarificação propiciada pela visita dos consultores da avaliação continuada, passou a entender que a Formação de Educadores se constituía, no âmbito do Programa, como um eixo articulador e não como linha específica de pesquisa. Assim, foi tomada a decisão de estruturar o Programa em torno as duas Linhas de Pesquisa Ensino-Aprendizagem e História e Política Educacionais, com reagrupamento dos Professores remanescentes das linhas a serem extintas e dos novos docentes em fase de credenciamento (Brasil, Cadernos..., 2003, p. 29).
Outro elemento que é abordado diz respeito ao lugar da pesquisa em um Programa de Pós-Graduação. Em entrevista concedida à revista Práxis Educativa, o professor Ademir José Rosso11 faz menção a quatro desafios concernentes ao contexto que chamamos aqui de “ato de reformulação”:
Adequar o Programa ao Documento da Área; firmar a prática e a estrutura de um Programa de Pesquisa; migrar de um modelo de Curso pago voltado às demandas Institucionais para o de Programa Gratuito voltado para a Educação Básica; superar o modelo de pesquisa regional para a visão cosmopolita (Rosso, 2019, p. 773).
Observemos que a ideia de pesquisa aparece como um dos elementos de discussão no processo de reformulação da proposta e deve ser entendida no movimento da própria Pós-Graduação no Brasil. Nos dois primeiros planos nacionais (1975-1979; 1982-1985), um dos objetivos consistia na institucionalização da Pós-Graduação. No terceiro (1986-1989), por exemplo, já constavam como objetivos a consolidação e a melhoria do desempenho dos cursos de Pós-Graduação, assim como a institucionalização da pesquisa nas universidades, para assegurar o funcionamento da Pós-Graduação. No quinto (2005-2010), afirma-se que o terceiro plano “[...] acrescenta a necessidade de institucionalização e ampliação das atividades de pesquisa como elemento indissociável da pós-graduação e de sua integração ao sistema nacional de ciência e tecnologia” (Brasil, 2004, p. 14). No quinto plano, reitera-se algo que já estava na origem da Pós-Graduação no Brasil (1975), no qual se diz que “[...] a pós-graduação stricto sensu compreende programas de mestrado e doutorado, enquanto os lato sensu são oferecidos na forma de cursos” (Brasil, 2004, p. 21). O depoimento de Ademir Rosso deve ser entendido no interior desse debate, pois ele sustenta que havia necessidade de “firmar a prática e a estrutura de um programa de pesquisa”. Da mesma forma, o relato de que o PPGE deveria se voltar à Educação Básica guarda consonância com um dos objetivos do quinto plano de pós-graduação: “[...] a formação de docentes para todos os níveis de ensino” (Brasil, 2004, p. 59). Igualmente, a inclusão de formação de professores como eixo do PPGE e não mais como linha está associada a recomendações das políticas para a Pós-Graduação.
Ao avaliar o período em que esteve na coordenação do PPGE, Ademir Rosso assinalou um conjunto de conquistas:
Manter o credenciamento do Programa junto à CAPES e ampliar o seu conceito. Dar continuidade às alterações em curso que possibilitassem a passagem da sua fundação inicial, voltando-se também para a Educação Básica e para com candidatos com formação e/ou atuação no campo educacional. Promover a mudança de Curso para a de Programa de Pesquisa articulado nas Linhas de Pesquisa. Reestruturar a Proposta do Programa considerando o perfil dos professores existentes na época em uma Proposta capaz de manter-se e absorver os recursos que ainda estavam em processo de formação. Promover o crescimento das Linhas de Pesquisa e manter o equilíbrio entre elas. Refazer o Regulamento do Programa, de modo a seguir os parâmetros dos Documentos da Área. Introduzir, no Currículo do Programa, a centralidade do Núcleo de Atividades e do Grupo de Pesquisa e Publicações e Participação nos Eventos do Programa (Rosso, 2019, p. 773).
São diversos aspectos citados pelo depoente, mas fixamos na defesa da articulação do PPGE à Educação Básica, assim como na ideia da passagem do conceito de curso para o conceito de programa. A fundação do Curso de Mestrado em Educação mostra forte relação com a experiência lato sensu, o que ajuda a compreender seu formato inicial, com duas áreas de concentração e seis linhas de pesquisa. No ato de refundação, mostramos o movimento de adequação às recomendações do comitê de avaliação, culminando em uma área de concentração e duas linhas de pesquisa.
O processo, chamado neste item de “ato de reformulação”, precisava manter o PPGE no sistema nacional de Pós-Graduação e, portanto, realizar permanentemente adequações ao que estava em vigor desde os planos anteriores, tal como consolidar e melhorar o desempenho dos cursos de Pós-Graduação, aspecto que aparecia no terceiro plano (1986-1989), mas também atender aos novos parâmetros estabelecidos naquele momento, como, por exemplo, o “fortalecimento das bases científica, tecnológica e de inovação”, que era um dos objetivos do quinto plano (Brasil, 2004, p. 58). A reformulação é compreendida nesse movimento em que “[...] a centralidade de um Programa de Pós-Graduação é a Pesquisa”, como assinala Ademir Rosso (2019, p. 775).
O ato de reformulação12 simboliza as ações empreendidas no PPGE na primeira década do século XXI, que vão das mudanças na estrutura da proposta e sua implementação, passando pela elevação da nota nas avaliações realizadas pela Capes e culminando no ato de consolidação, que é objeto do item seguinte.
Ato de consolidação (2010-2011)
A aprovação do Doutorado, tanto nas instâncias internas da UEPG quanto pela comissão de avaliação da área de Educação na Capes, aconteceu no ano de 2010, iniciando-se a primeira turma no ano seguinte, fator que justifica a indicação dos dois anos no título deste item. Mestrado e Doutorado constituem a expressão de um ato de consolidação, cuja origem direta está no contexto do ato de reformulação.
A primeira condição para a criação do Doutorado foi a elevação da nota do PPGE para 4, o que ocorreu no triênio 2004-2006. No triênio seguinte (2007-2009), manteve-se a nota. Um Doutorado estava no espaço dos possíveis. Naquele período, o PPGE foi coordenado por Maria de Lourdes Savelli13 e Luis Fernando Cerri, os quais ressaltam que “[...] chegar à nota 4 [...] foi visto como um degrau, no sentido de que resultava do esforço feito anteriormente, e deveria imediatamente impulsionar para o próximo desafio, a criação de um doutorado” (Savelli; Cerri, 2019, p. 781).
Desde o processo de reconhecimento, trabalhava-se para completar a experiência do PPGE-UEPG. Localizamos, por exemplo, uma primeira menção ao Doutorado feita por Ademir Rosso, em 2002: “[...] temos de sonhar: queremos subir para conceito 4 e para 5, a fim de chegar ao Doutorado, que poderia ser projetado para 2008, e para isso temos de urgir, terminar com elasticidade, cuidar bem da turma do ano 2000” (UEPG/PPGE, Ata 51, 9 set. 2002). Naquele momento, o curso estava no primeiro ano de reconhecimento; no entanto, percebe-se, nesse jogo de linguagem, um ato de fala performático, isto é, que busca produzir um efeito de realidade, criar um horizonte de expectativa. De outra parte, é um ato perlocutório, ou seja, que gera reações entre os docentes. No final de 2007, o futuro presente se aproximou do espaço de experiência, pois tão logo se atingiu a nota 4, Ademir Rosso, membro do Colegiado, sugeriu que fossem “[...] estabelecidas interfaces entre as linhas de pesquisa já pensando numa estratégia para implantação do doutorado” (UEPG/PPGE, Ata 16, 18 dez. 2007). Além disso, “[...] para implantação do doutorado, sugeriu ouvir as professoras Marilda Behrens e Maria Célia [Marcondes]” (UEPG/PPGE, Ata 16, 18 dez. 2007). Ao final do triênio (2007-2009), percebe-se uma compreensão ampliada a respeito da criação do Doutorado, conforme informação do relatório enviado à Capes: manter os “[...] encaminhamentos que foram dados até o ano de 2006, com a finalidade de melhorar o conceito do Programa na avaliação do triênio 2007-2009; consolidar um padrão de qualidade que permita a estruturação e implantação de uma proposta de doutorado” (Brasil, Cadernos..., 2009, p. 14).
Uma proposta do Doutorado se converte em uma ideia-força, pois estava previsto o início das “[...] discussões do projeto de doutorado” (Brasil, Cadernos..., 2009, p. 15). Essas informações aparecem nos depoimentos de Esméria Savelli e Luis Fernando Cerri (2019, p. 781), quando indicam que “[...] o papel da coordenação foi disseminar a convicção de que se tratava de uma necessidade [do doutorado] para o crescimento do Programa, verticalização, e acesso a diversos fóruns e fundos de financiamento de pesquisa”.
A possibilidade de Doutorado avançou no segundo semestre de 2009, com a visita da coordenadora adjunta da área de Educação da Capes ao PPGE-UEPG. Em relação a isso, Jefferson Mainardes (2019, p. 785) relembra que “[...] em 2009, convidamos a coordenadora adjunta da área de Educação na CAPES, Prof.ª Elizabeth Macedo para uma visita ao PPGE. Na sua visita, Elizabeth estimulou o grupo para a proposição do Doutorado”. No ano seguinte, sob a coordenação de Jefferson Mainardes14 e do trabalho da comissão composta pelo corpo docente, iniciou-se formalmente os estudos para sistematização de uma proposta de Doutorado. No contexto da visita de Elizabeth Macedo e da constituição da comissão, “[...] partimos para o estudo do Documento de Área (CAPES) para analisar as exigências básicas. A partir disso, buscamos definir o corpo docente que atendia aos critérios de produção, estruturar a proposta de Doutorado, Currículo e regulamento” (Mainardes, 2019, p. 785).
Das primeiras manifestações acerca de um Doutorado, ainda em 2002, às ações efetivas para sua formulação, o depoimento de Jefferson Mainardes revela que um dos desafios “[...] era a necessidade de construir uma proposta de implantação do Doutorado, pois o PPGE estava com nota 4 na avaliação da CAPES, o que propiciava a proposição do Doutorado” (Mainardes, 2019, p. 782-283). Ao avaliar o período em que esteve na coordenação do PPGE, Mainardes (2019, p. 783) diz que “[...] a principal conquista foi a aprovação do Doutorado”. Isso é reiterado no depoimento de 2024:
Quando foi o ano de 2010, então eu assumi a coordenação. E assim que eu assumi a coordenação do programa, que era um programa com nota 4, nós tínhamos a possibilidade de propor o projeto de doutorado em educação. Então como este era o critério básico, nós iniciamos, fizemos uma comissão, e esta comissão foi encarregada de elaborar o projeto do doutorado em educação (Mainardes, 2024).
A narrativa de Jefferson Mainardes é correspondente ao registro da ata do dia 3 de fevereiro de 2010, quando o assunto em pauta dizia respeito ao “[...] projeto de Doutorado. Segundo o professor Jefferson, o primeiro passo seria a aprovação do corpo docente no colegiado e o segundo, criar uma comissão de elaboração do projeto” (UEPG/PPGE, Ata 1, 3 fev. 2010). O desafio foi a composição de oito docentes (número mínimo) que atendessem às exigências para compor o quadro. Vencido isso, definiu-se que a comissão de elaboração da proposta seria composta por todos os docentes que atendiam aos requisitos para atuar no Doutorado, notadamente, ter duas orientações de Mestrado concluídas e apresentar produção intelectual condizente às exigências de avaliação da área de Educação da Capes.
Conforme depoimento de Jefferson Mainardes (2024), o “[...] projeto foi aprovado pela CAPES em 2010 e a primeira turma de Doutorado teve início no ano de 2011. Este foi um dos principais avanços que nós tivemos neste período em que estive à frente [da coordenação]”. A existência do Doutorado expandiu as possibilidades de atuação do corpo docente, assim como ampliou a projeção do PPGE nos contextos regional e nacional. Simboliza o ato de consolidação do PPGE. “Foi uma nova etapa muito importante para o PPGE, pois a criação do Doutorado ampliou significativamente a atuação dos docentes e permitiu o atendimento de uma demanda que estava reprimida”, registra Jefferson Mainardes (2019, p. 785).
A criação do Doutorado é um acontecimento cuja compreensão está contida na interconexão com os atos anteriores. Conexão direta com o processo que nomeamos de reformulação, além de conexão indireta com o que designamos de atos de refundação e fundação. Esse encadeamento ganha visibilidade na fala de Jefferson Mainardes, no contexto de criação do Doutorado: “[...] a elaboração da proposta de Doutorado só foi possível em virtude do trabalho de todos os que fizeram e fazem a história do Mestrado em Educação, desde a sua criação, em mil novecentos e noventa e quatro” (UEPG/PPGE, Ata 4, 5 maio 2010). Esse fragmento é referente à sua exposição em reunião de 5 de maio de 2010, quando a proposta foi apresentada aos membros do colegiado para discussão e aprovação.
É um ato performativo, cujo efeito de realidade aproxima espaço de experiência e horizonte de expectativa, ou, se quisermos, faz uma conexão entre passado e futuro presente. É um passado ressignificado por um futuro presente que está prestes a se converter em espaço de experiência. O Doutorado era um futuro presente, não possível de ser experimentado, ou seja, era um horizonte de expectativa. “Horizonte quer dizer aquela linha por trás da qual se abre no futuro um novo espaço de experiência, mas um espaço que ainda não pode ser contemplado” (Koselleck, 2006, p. 311). Conforme Koselleck (2006, p. 311), “[...] a possibilidade de se descobrir o futuro, apesar de os prognósticos serem possíveis, se depara com um limite absoluto, pois ela [experiência] não pode ser experimentada”. O ato de fala de Jefferson Mainardes está no terreno de transição entre horizonte de expectativa e espaço de experiência. Ainda não está contido no espaço de experiência (o Doutorado não havia sido aprovado pela Capes), mas também não está absolutamente no âmbito do futuro presente, isto é, voltado absolutamente para o ainda-não. É um ato de fala performático, que produz quase uma fusão entre futuro e passado. No ato de criação do Doutorado em Educação, opera-se uma ressignificação do espaço de experiência, como se observa nesta citação:
  • a) compromisso e empenho dos professores e da coordenação para a permanente qualificação do Programa ao longo dos 16 anos de história do PPGE (1994 a 2010); b) melhoria na avaliação do Programa (nota 3 para 4); c) emprego dos critérios e exigências dos programas nota 5 para o credenciamento e recredenciamento de docentes e para a produção bibliográfica dos docentes; d) criação e qualificação da Revista Práxis Educativa; e) definição de metas claras com relação à produção bibliográfica dos docentes, tempo de titulação, produção discente; f) melhoria na infraestrutura do Programa obtida por meio de projetos de pesquisa - CNPq, Fundação Araucária, CAPES e participação em Editais da Fundação Araucária; g) fortalecimento do Colegiado como instância de decisão; h) investimento anual de recursos do Proap - CAPES e da Fundação Araucária para a aquisição de livros para a Biblioteca (UEPG/PPGE, Ata 4, 5 maio 2010).
O futuro presente se transforma em espaço de experiência. O ainda-não, o não experimentado, o que apenas podia ser previsto, se converte em algo experimentado. No início da década de 2000, o Doutorado estava no plano do ainda-não, do não experimentado, que apenas podia ser previsto. Em 2010, passa-se à dimensão do experimentado, do espaço de experiência15. Esse movimento entre futuro presente e espaço de experiência está contido tanto nas ações mobilizadas no interior do PPGE e da UEPG quanto no contexto do Plano Nacional de Pós-Graduação (2005-2010), que definia “[...] como um dos seus objetivos fundamentais uma expansão do sistema de pós-graduação que leve a expressivo aumento do número de pós-graduandos requeridos para a qualificação do sistema de ensino superior do país, do sistema de ciência e tecnologia e do setor empresarial” (Brasil, 2004, p. 9).
Portanto, o ato de consolidação converte o futuro presente em espaço de experiência. Um futuro presente que se reportava de modo direto ao ato de reformulação. Ao mesmo tempo, um futuro presente que se conecta indiretamente com os atos de fundação e refundação, pois inexistiria sem aquele passado. Por um lado, o futuro presente (expectativa de um Doutorado) quase coincide com o ato de reformulação, pois as possibilidades de previsão do futuro são ampliadas. Por outro lado, distancia-se do ato de fundação, uma vez que aquele espaço de experiência simboliza quase os limites absolutos do futuro. Se a criação do Doutorado simboliza a passagem do não experimentado para o experimentado, os anos seguintes são expressivos de “[...] uma experiência futura, antecipada como expectativa, [que] se decompõe em uma infinidade de momentos temporais” (Koselleck, 2006, p. 310), designados aqui de “ato de expansão”.
Ato de expansão (2011-2024)
Ao ato de consolidação se sucede o ato de expansão, cujo período corresponde desde o início da primeira turma de Doutorado até a situação presente. Não havia mais necessidade de fundar ou refundar o Mestrado ou Doutorado, pois os atos de criação já haviam se realizado. Não houve ações que poderiam ser designadas de “ato de reformulação”, uma vez que a área de concentração e as linhas de pesquisa são as mesmas desde o ato de 2003-2004. O ato de expansão sintetiza esse período, pois os depoimentos dos coordenadores sublinharam a ampliação do corpo docente, a elevação da nota do PPGE na avaliação da Capes, a criação de uma comissão de autoavaliação e a inserção social, simbolizada pelo crescimento da internacionalização e pelo estabelecimento de uma política de ações afirmativas.
Névio de Campos16, ao destacar ações do período em que foi coordenador, menciona que uma das conquistas foi a ampliação do “[...] número de professores” (Campos, 2024). Esse movimento pode ser acompanhado por meio dos relatórios do PPGE na Plataforma Sucupira, quando, por exemplo, no ano de 2023, chegou-se ao número de 30 professores, sendo 28 permanentes e dois colaboradores. Em 2024, são 28 docentes, dos quais 26 são permanentes e dois colaboradores. O aumento de discentes é um fator associado à ampliação do número de docentes. A professora Célia Finck Brandt17 (2019, p. 786) sublinha que o crescimento do número de estudantes foi uma das preocupações do período de sua coordenação: “Proporcionar o aumento do número de vagas de candidatos por professor para garantir que cada docente passasse a ter uma defesa por ano”.
Uma representação do impacto social do PPGE pode ser dimensionada a partir do depoimento da professora Simone Cartaxo18: “Até hoje nós temos 510 teses e dissertações, sendo que dessas 116 são teses defendias no Programa. É um Programa grande. É um programa que começou pequeno com todos os desafios. E hoje nós temos muitas conquistas” (Cartaxo, 2024). Uma das expressões da ampliação é o crescimento de docentes credenciados, por conseguinte, aumento de discentes, sendo grande parte egressos da graduação e professores da educação básica, aspecto em consonância com o Plano Nacional de Pós-Graduação (2011-2020), que estabelece “[...] ênfase na formação de docentes para todos os níveis de ensino” (Brasil, 2011-2020, p. 16).
A expansão do PPGE requeria uma forma sistemática de organizar a gestão. Uma medida para isso, conforme Névio de Campos (2024), “[...] foi criar uma comissão de avaliação coordenada pela professora Mary Ângela Teixeira Brandalise, que é especialista nesta área, para fazer o processo de autoavaliação do programa, para a gente pensar e reorganizar tanto o mestrado quanto o doutorado”. Na entrevista de 2019, Névio de Campos assinalou que:
Na história do Programa, havia algum modo de avaliação. Em 2015, a diferença é que a Comissão, composta por docentes e discentes, iniciou um processo mais sistematizado de avaliação, aspecto importante para integrar o maior número de pessoas e viabilizar a participação dos agentes do Programa (Campos, 2019a, p. 789).
Essa forma de condução do PPGE continuou nas gestões posteriores, inclusive se ampliou e se aprofundou na coordenação da professora Gisele Masson19, quando a comissão debateu e sistematizou uma Política de Autoavaliação (2021-2024). A adoção de processo avaliativo coordenado por uma comissão de autoavaliação é outro aspecto revelador do ato de expansão.
No período correspondente ao que designamos de “ato de expansão”, o PPGE atingiu nota 5 na avaliação da Capes ao final do quadriênio 2013-2016. Em relação a isso, Névio de Campos (2024) diz que o terceiro desafio, “[...] que eu acho simbólico, foi que administramos e coordenamos também a partir das experiências dos coordenadores anteriores, e que naquele quadriênio (2013-2016) o PPGE chegou à nota 5”. Nesse ponto, ele reitera a conexão entre o ato de expansão e os atos de reformulação e consolidação:
A primeira preocupação foi manter a política de gestão das coordenações anteriores, atentando para avançar nos quesitos avaliativos externos (Proposta Curricular do Programa, Corpo Docente, Corpo Discente, Tese e Dissertações, Produção Intelectual e Inserção Social). Esse aspecto foi garantido, pois obtivemos conceito Muito Bom em todos esses quesitos, permitindo elevação do Programa à nota 5 (Campos, 2019a, p. 789).
A elevação da nota do PPGE resultou em maior quantidade de bolsas para mestrandos e doutorandos, assim como em maior volume de recursos do PROAP-Capes. Tudo isso permitiu a ampliação do número de estudantes, inclusive o início da recepção de estrangeiros desde 2016, por meio do Programa de Bolsas Brasil PAEC20 OEA-GCUB, dirigido pelo Grupo de Cooperação Internacional de Universidades Brasileiras (GCUB) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que funcionou de 2011 a 2020; depois disso, deu-se via Programa GCUB de Mobilidade Internacional (GCUB-Mo), coordenado pelo GCUB. No início, vieram estudantes da América Latina; depois, também da África, especialmente de Moçambique. Essa dimensão ampliou a inserção internacional do Programa, aspecto simbolizado na elaboração de uma política de internacionalização (2021-2024).
Por fim, outra ação simbólica da expansão do PPGE diz respeito à criação de uma política de ações afirmativas, definindo um percentual de vagas para negros, indígenas, pessoas com deficiência e pessoas trans. Sobre isso, Gisele Masson (2024) afirma:
Um dos principais avanços, em que pese os desafios desse período da nossa gestão [da pandemia], foi termos aprovado a política de quotas na seleção do Programa de Pós-Graduação em Educação. Foi um debate importante e necessário, e um avanço imprescindível para o nosso Programa ter aprovado a política de ações afirmativas para ingresso na pós-graduação em educação.
A gestão seguinte, coordenada pela professora Simone Cartaxo, teve o desafio de implantar essa política. Isso ganha destaque no depoimento dessa coordenadora: “[...] outro desafio importante foi implantarmos as quotas; tínhamos então na gestão anterior, a política das ações afirmativas que foi aprovada, e nós tivemos o desafio de fazer esta implantação recebendo alunos de diferentes quotas no nosso Programa; este continua sendo um desafio para a gente”.
O ato de expansão poderia ser dimensionado a partir de diversos outros aspectos. No entanto, exploramos aqueles que são recorrentes nos depoimentos de coordenadores do período: maior número de docentes credenciados no PPGE, consequentemente, o crescimento do número de mestres e doutores titulados; e a ampliação da inserção social, especialmente com a formação de professores para a Educação Básica.
No contexto do ato de expansão, o PPGE teve o maior número de docentes de sua história, resultado de concursos públicos realizados nos primeiros anos do século XXI. A expansão do PPGE, portanto, está conectada à expansão do Sistema Estadual de Ensino Superior do Paraná, ocorrida no início deste século, gerando uma situação muito diferente de outros contextos da trajetória dos 30 anos. Hoje, 11 docentes do PPGE, por exemplo, ingressaram na UEPG entre 2006 e 2010; nove docentes do Programa tornaram-se efetivos nesta instituição entre 2011 e 201621. Ou seja, 71,4% (20 de 28) do atual corpo docente são oriundos do contexto de aumento de concurso público, especialmente no governo de Roberto Requião (2003-2010). Se considerarmos apenas os docentes efetivos da UEPG que integram o PPGE, 86,9% (20 de 23) ingressaram entre 2006 e 2016. Esse quadro mudou totalmente nos anos de 2010, notadamente depois do governo de Carlos Alberto Richa (2011-2018) e do governo de Carlos Roberto Massa Junior (desde 2019). Frente a isso, importa discutir a situação atual da UEPG e pensar o futuro presente do PPGE, que é objeto específico do item seguinte.
Ato de projeção (futuro presente)
O ato de projeção corresponde ao futuro presente. “A verossimilhança de um futuro previsto decorre, em primeiro lugar, dos dados anteriores do passado. O que antecede é o diagnóstico, no qual estão contidos os dados da experiência”, assinala o historiador Reinhart Koselleck (2006, p. 313). Ou, ainda, “[...] o que estende o horizonte de expectativa é o espaço de experiência aberto para o futuro. As experiências liberam os prognósticos e os orientam” (Koselleck, 2006, p. 313). Esse autor avança ao dizer que “[...] os prognósticos também são determinados pela necessidade de se esperar alguma coisa. Um prognóstico abre expectativas que não decorrem apenas da experiência. Noutras palavras: o espaço de experiência anterior nunca chega a determinar o horizonte de expectativa” (Koselleck, 2006, p. 313). O espaço de experiência do PPGE é simbolizado em cinco atos: fundação, refundação, reformulação, consolidação e expansão. O futuro presente é traduzido aqui com a expressão horizonte de expectativa. O ainda-não, o não experimentado, algo ainda não vivido, pleno de ambivalência. “Esperança e medo, desejo e vontade, a inquietude, mas também a análise racional, a visão receptiva ou a curiosidade fazem parte da expectativa e a constituem”, afirma Koselleck (2006, p. 310).
Medo e esperança marcaram a situação do corpo docente do PPGE nestes 30 anos22. Em 1994, havia uma dependência de professores externos à UEPG; depois, a composição passou a ser de docentes da própria instituição; na primeira década do século XXI, ocorreu uma significativa renovação; na segunda década, uma importante expansão do quadro docente, resultando em 28 professores no ano de 2024, sendo 26 permanentes e dois colaboradores. Em 1992, do total de docentes da UEPG, 2,43% eram doutores; em 2024, esse percentual subiu para 85%. Dois espaços de experiência distintos. Por conseguinte, projeções distintas. No início da década de 1990, o horizonte consistia em um processo de ampliação do quadro de doutores, por meio de realização do Curso de Doutorado. Atualmente, quase a totalidade já é detentora dessa titulação.
No documento Avaliação de Curso Novo (Brasil, 2023a, p. 10-11), da área de Educação, as exigências são as seguintes: composição mínima de dez docentes permanentes; 25% do corpo docente pode ser composto por colaboradores; o número de docentes externos à instituição sede do curso não deve exceder 20% do conjunto de permanentes; recomenda-se que 100% dos docentes atuantes no Mestrado orientem no Doutorado, e exige-se que 70% dos docentes do Curso de Mestrado integrem o Curso de Doutorado. Essas condições se estendem como orientação aos cursos já existentes.
Incluímos essas informações a fim de cruzá-las com a situação atual do PPGE e apontar horizontes. Dos 28 docentes do PPGE, três são sêniores (já aposentados); três já podem se aposentar; dois são externos; seis podem se aposentar em até cinco anos; dois podem se aposentar entre cinco e dez anos; 12 podem se aposentar entre dez e 20 anos. Em cinco anos, em caso de aposentadoria, o PPGE terá 14 docentes credenciados pertencentes ao quadro de efetivos da UEPG. Em dez ou 15 anos, o corpo docente do PPGE poderá sofrer uma grande transformação, chegando à quase inexistência de docentes com vínculo efetivo à UEPG. Esse cenário representaria o desaparecimento do PPGE-UEPG; não haveria comemoração de 50 anos. Um cenário de medo e inquietação.23
Esse prognóstico se funda em um cenário de inexistência de concurso público na UEPG, além do processo de implementação da Lei Geral das Universidades - LGU (Paraná, 2021), que estabelece critérios rígidos para a reposição de aposentadorias ou falecimentos de docentes efetivos. O último concurso público ocorreu em 2016, sendo quatro vagas24 destinadas ao Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, setor ao qual pertence o PPGE. Esse longo período sem concurso público gerou diminuição do quadro de efetivos e aumento do número de professores temporários. Se essa tendência continuar, o PPGE e outros Programas de Pós-Graduação da UEPG terão destinos diferentes do espaço de experiência de 1994-2024. A extinção de cursos de Pós-Graduação hoje existentes é um dos cenários possíveis em um futuro não muito distante; outra hipótese menos adversa seria a junção de programas de áreas específicas e sua reorganização em áreas interdisciplinares.
Esse cenário de medo e angústia está mais próximo do futuro presente se olharmos o movimento de implementação das regras da LGU na UEPG. Um primeiro ato da administração da UEPG tem início pela PROGESP, via processo n. 23.000014387-6 do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), com despacho da pró-reitora Eliane de Fatima Rauski, do dia 7 de março de 2023: “Encaminhamos proposta de alteração na Resolução de Política docente para atender as demandas da Instituição com relação a atividades pedagógicas e administrativas”. Esse despacho foi enviado à Reitoria, e o chefe de gabinete, Rauli Gross Junior, encaminhou o processo à Pró-Reitoria de Planejamento (PROPLAN) para análise e parecer. No mesmo dia, a Pró-Reitora de Planejamento, Andrea Tedesco, despachou para a Direção de Planejamento (órgão da PROPLAN) com solicitação de análise e emissão de parecer técnico. Em 18 de setembro de 2023, o diretor de planejamento, Rodrigo Zardo, enviou o processo à PROGESP, com a inclusão de sugestões à minuta original. No dia seguinte, o processo foi devolvido pela PROGESP à PROPLAN. No mesmo dia, Rodrigo Zardo enviou nova versão à PROPLAN, na qual consta o aumento de oito para 12 aulas na categoria docente I. No dia 19 de setembro, consta que esse processo foi recebido e concluído por Andrea Tedesco, Pró-Reitora de Planejamento. No dia 20 de setembro, foi recebido na PROGESP. Foi enviado à Reitoria no dia 27. Consta a situação de conclusão de processo na Reitoria, em 28 de setembro; na PROGESP, no dia 24 de outubro.
Observa-se uma divergência entre a proposta inicial da PROGESP e a incluída pela PROPLAN, no dia 19 de setembro de 2023. Na minuta, constam, na Tabela 1, do artigo 17, as categorias docentes para definir distribuição de aulas e demais atividades. As novidades são a extinção de duas categorias e inclusão da categoria “docente em regime de TIDE [Tempo Integral e Dedicação Exclusiva] sem participação em projeto de pesquisa ou extensão ou integrado de ensino”, com atribuição de 18 aulas na graduação. No entanto, na versão da PROPLAN, de 19 de setembro, na categoria I, muda de oito aulas para 12 aulas. Nesse ponto, parece residir a celeuma, pois essa versão circulou entre a comunidade universitária como proposta de uma nova política docente.
É nesse contexto que se pronunciam as PROGESP e PROPLAN. No dia 20 de novembro, o processo foi reaberto na PROGESP para dar “fim” à celeuma entre os integrantes da PROPLAN e da PROGESP, cuja reverberação entre a comunidade acadêmica foi negativa, dada a possibilidade de mudança na carga horária de docentes da categoria I, passando de oito aulas para 12. No despacho, a Pró-Reitora certifica “[...] que em razão de não mais haver interesse da Instituição neste assunto, encerramos o presente processo”. No dia seguinte, a PROPLAN, na tentativa de banir esse tema que gerou desgaste político à Reitoria, anexou a ordem dos trâmites da minuta e afirmou que as divergências entre as proposições da PROGESP e da PROPLAN ocorreram por um erro de digitação, além de registrar a conclusão do processo em sua unidade. Em síntese, a proposta de alteração do regulamento da política docente traz uma série de adequações à LGU, sendo que a motivação central da celeuma diz respeito a duas versões da Resolução da política docente.
Um segundo ato se observa na administração da UEPG. Em 2024, a LGU avança nas estruturas da UEPG. Isso se percebe no processo n. 24.000020695-6 do SEI, originado no Setor de Ciências Exatas e Naturais e assinado por todos os diretores dos demais setores da UEPG, no dia 12 de março de 2024. Esse documento, enviado à PROPESP, expõe a seguinte pauta: “Aulas da Pós-Graduação e suas implicações com gestão dos Departamentos (atendimento da política docente, mapas de aulas, renovação e previsão de carga horária de professores temporários)”. No conteúdo da inicial do processo, consta o que se chama “algumas questões levantadas”:
- Calendário acadêmico independente e em desalinho com a Graduação; - oferta de disciplinas em regime semestral sem previsão/acordo/ciência da chefia do departamento; - mapa de aulas dos docentes construído pelo Departamento (chefe) + Programa de Pós-Graduação (coordenador do curso); - disciplinas obrigatórias e a escolha dos alunos; - poucos alunos em alguns programas de pós podem resultar em não oferta de disciplinas (afetando a distribuição/demanda por carga horária, especialmente no segundo semestre); - docentes com carga horária irregular segundo a política docente (Informações dos departamentos x PROGESP); - duplicação de carga horária e disciplinas com apenas 1 aluno matriculado (regulamentação/regimento/resolução?); - impacto no cálculo real da demanda por colaboradores (contratação/renovação) (UEPG, Sexatas, Processo SEI 24.000020695-6, 2024b).
O conjunto de conteúdo mistura constatação com denúncia, autonomia da Pós-Graduação com ingerência da tecnocracia. O efeito de realidade é que a situação de recursos humanos da UEPG se deve ao mundo à parte da Pós-Graduação, ou seja, “desalinho com a graduação”, “oferta de disciplina sem previsão, sem acordo e sem ciência da chefia de departamento”, “docentes com carga horária irregular”, “duplicação de carga horária”, “disciplina com um discente”. É uma falácia da composição, visto que toma parte ou algo periférico para designar toda a experiência da Pós-Graduação.
A PROPESP, por sua vez, inclui no processo iniciado pelos setores do conhecimento uma minuta do novo regulamento da Pós-Graduação. Antes de considerar alguns pontos deste documento, merece menção o teor do despacho do recém-empossado Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação (Renê Francisco Hellman), do dia 26 de março de 2024: “Considerando as discussões já ocorridas internamente nesta Pró-reitoria e as proposições trazidas pelo grupo dos Diretores de Setor da universidade, encaminho para apreciação dos programas de pós-graduação a proposta de nova resolução da pós-graduação stricto sensu” (UEPG, PROPESP, Processo SEI 24.000020695-6, 2024c). Pelo exposto, a minuta foi objeto de discussão dos dirigentes da PROPESP, além da inclusão do que os setores do conhecimento denominaram de “algumas questões levantadas”. Na sequência, o parecer do Pró-Reitor faz a seguinte consideração:
Ressalto que a proposta aqui encaminhada foi pensada coletivamente para modernizar alguns pontos relativos aos programas de pós e, em atendimento à resolução da política docente, estabelecer procedimento administrativo para otimizar a distribuição das cargas horárias dos professores que atuam na graduação e na pós-graduação, permitindo que os departamentos possam fazer o controle que lhes cabe (UEPG, PROPESP, Processo SEI 24.000020695-6, 2024c).
A citação explicita que a minuta objetiva atender a um procedimento administrativo, isto é, modernizar é sinônimo de procedimento administrativo para otimizar a distribuição de aulas aos docentes e permitir um controle com mais eficiência. Essa ação da PROPESP está no movimento de implementação da LGU na UEPG, portanto de adequação da estrutura da instituição à legislação, que representa uma redução de investimento no Sistema Estadual de Ensino Superior do Paraná.
Depois das justificativas apresentadas, o Pró-Reitor de Pós-Graduação solicitou “[...] aos coordenadores dos cursos de Pós-Graduação que discutam essa minuta em seus colegiados e que, se houver necessidade, proponham mudanças, supressões ou acréscimos no texto, indicando o dispositivo objeto da proposição e uma breve justificativa” (UEPG, PROPESP, Processo SEI 24.000020695-6, 2024c). Eis o que se demanda aos docentes e pesquisadores de cada programa de Pós-Graduação da UEPG. Tensionar-se-á o teor invasivo do texto originário do Setor de Ciências Exatas e Naturais e criticar-se-á a tentativa da minuta da PROPESP de controlar as atividades da Pós-Graduação, ou tomar-se-á uma atitude de cumplicidade com a redução da importância da Pós-Graduação nesta instituição?25
Na minuta do novo regulamento, são apresentados elementos que diminuem a autonomia dos Programas de Pós-Graduação, inclusive gerando sobrecarga de atividades aos coordenadores de cada programa. Do conjunto, merecem destaque os § 3° e § 4° do inciso 23 do artigo 37:
§ 3 O Colegiado do Programa deverá, até o dia 31 de outubro de cada ano, enviar via Processo SEI às chefias departamentais respectivas a programação das ofertas das disciplinas do ano seguinte, suas cargas horárias, com indicação dos professores e a carga horária que competirá a cada um deles, para fins de controle e cumprimento da política docente.
§ 4° No início das atividades de ensino de cada semestre dos Programas, competirá ao Colegiado respectivo comunicar via Processo SEI às chefias departamentais quais disciplinas serão efetivamente ofertadas, indicando também aquelas que não serão, para permitir a adequação das cargas horárias dos professores nos seus departamentos, quando for o caso (UEPG, PROPESP, Minuta..., Processo SEI 24.000020695-6, 2024d).
São expressões da “modernização da Pós-Graduação”, isto é, do controle sobre as atividades. Trata-se de uma ação deliberada para atender às premissas da LGU. Apliquemos as premissas da tecnocracia e tudo se fará luz! Corrijamos a anomalia da Pós-Graduação e tudo se resolverá! Conscientemente ou não, o teor dessas ações reatualiza a velha discussão dos anos 1990, ocorrida nos conselhos superiores da UEPG, quando alguns conselheiros defendiam a inclusão da pesquisa e Pós-Graduação na política da instituição, e grande parte considerava uma demanda desnecessária. A política docente reconheceu, muito recentemente, aulas na Pós-Graduação e atividades de pesquisa, mas a forma de sua inclusão ainda guarda muitas ambiguidades, tal qual a descrição de que a quantidade de aula em cada categoria é uma atribuição mínima, podendo ser destinadas aulas a mais. A decisão final fica a cargo dos tecnocratas que, com a cumplicidade da comunidade acadêmica, poderão suplantar as condições fundamentais para o futuro presente da pesquisa e da Pós-Graduação na UEPG. A garantia da pesquisa e da Pós-Graduação ainda depende de luta política em cada departamento e em toda a instituição, mas, acima de tudo, nos espaços de organização docente.
A negação desse prognóstico desolador poderá ocorrer se novas condições forem estabelecidas nas políticas públicas para o Sistema Estadual de Ensino Superior do Paraná. Contudo, isso dependerá da resistência da comunidade acadêmica, especialmente das associações sindicais que lançaram, em 6 de setembro de 2023, a Frente Paranaense pela Revogação da LGU:
[...] lançamos nesta data, a Frente Paranaense pela Revogação da LGU, união das comunidades universitárias das sete Universidades Estaduais do Paraná com a finalidade de lutar pela revogação dessa nociva Lei, planejada e promulgada pelo governo Ratinho Jr. O objetivo desta Frente é a constituição de uma ampla articulação de sindicatos, organizações estudantis, conselhos superiores das IEES do Paraná, além de pessoas ou entidades não pertencentes às comunidades universitárias, que defendem a universidade pública e autônoma, para revogar essa Lei (Paraná, 2023)26.
Para além disso, é preciso que se exija da PROPESP um posicionamento contundente em defesa da pesquisa e Pós-Graduação. Caso contrário, a razão de ser dessa Pró-Reitoria não mais se justificaria. Se não é possível alterar a política docente, tal qual se desejava em 2023, criam-se mecanismos rígidos e alheios à Pós-Graduação para fazer avançar as premissas da LGU. O conteúdo do documento assinado pelos setores do conhecimento toma a Graduação (ensino) como parâmetro para normatizar a pesquisa e a Pós-Graduação. O futuro presente está prestes a se tornar um espaço de experiência, em outras palavras, a situação de medo e angústia presente no horizonte de expectativa diante da não reposição de docentes por meio de concurso público e frente ao avanço de contratação temporária, ganha ares mais dramáticos no contexto de implementação da LGU na UEPG, como evidencia essa solicitação de diretores dos setores do conhecimento.
O ato de projeção considera tanto a ausência de reposição do quadro de docentes, isto é, a inexistência de concurso público, quanto as ações de implementação da LGU. A não reposição de docentes efetivos representa um futuro presente ou uma expectativa de futuro marcada pelo medo e pela angústia. Conforme Koselleck (2006, p. 311-312), “[...] nossa expectativa do futuro, quer seja portadora de esperança ou de angústia, quer preveja ou planeje, pode refletir-se na consciência. Neste sentido, a expectativa também pode ser objeto de experiência”.
O medo e a angústia expressam uma linha tênue entre o ainda-não, o não experimentado e o experimentado ou o que pode ser previsto com a implementação da LGU na UEPG. O fim da Pós-Graduação passa a ser objeto da experiência ou do experimentado. Se, em um futuro próximo, diante da não renovação do quadro docente, pudermos ver o fim da Pós-Graduação, imediatamente podemos assistir a uma maior precarização das condições de trabalho, podendo a pesquisa deixar de integrar a carreira docente ou ocupar uma posição secundária. Esses prognósticos ganham sentido se cruzarmos com as reflexões de Koselleck (2014, p. 192): “Se prescindirmos de qualquer experiência histórica, podemos dizer ou que o futuro é completamente desconhecido (então qualquer prognóstico nada mais é do que um jogo de azar)”. Neste caso, o que aludimos aqui é mera especulação, sem relação alguma com o espaço de experiência. No entanto, continua esse historiador, “[...] ou que existem (e a experiência histórica fala a favor disso [prognóstico]) graus de possibilidade maior ou menor com que a realidade vindoura pode ser prevista” (Koselleck, 2014, p. 192). Nessa situação, o exposto aqui não é pura especulação, pois se funda em dados e em uma “[...] análise racional” (Koselleck, 2006, p. 310).
Se, nos anos 1990, conforme citamos no primeiro item deste artigo, defendia-se a inclusão da Pós-Graduação no centro da política de desenvolvimento acadêmico da UEPG, agora assistimos a um ataque às condições mínimas de autonomia da Pós-Graduação. A continuar essa tendência, depois dos atos de fundação, refundação, reformulação, consolidação e expansão, teremos um processo de retração ou até de desaparecimento de parte dos cursos de Pós-Graduação na UEPG. Será o fim da Universidade e o reencontro com suas origens de faculdades, em que o ensino imperava soberanamente. É isso que queremos? Penso que não! Então, saiamos em defesa da Universidade Pública, na qual pesquisa e Pós-Graduação estejam no centro da política de desenvolvimento acadêmico da UEPG, como desejavam os fundadores do Mestrado em Educação no início dos anos 1990.
Considerações finais
Os 30 anos do PPGE-UEPG foram o objeto deste texto. Um movimento analítico em torno da rememoração e da comemoração de três décadas. Uma visada a esse acontecimento tomado como extraordinário no conjunto de acontecimentos ordinários. O ato de comemorar produz um sentido extraordinário ao ato original, fundador, edificador do Curso de Mestrado da UEPG. Percebe-se isso nos depoimentos, isto é, nas rememorações, nas memórias individuais, que estão entrelaçadas às comemorações, às memórias coletivas. Expressões como “pioneiros” e “fundadores” dão o tom disso. Tanto nas memórias individuais quanto nas memórias coletivas, um acontecimento ganha uma dimensão extraordinária: o sentido do ato fundador estaria nele mesmo, na ação pioneira de indivíduos quase prometeicos, e não na sua relação “[...] na série dos acontecimentos ordinários, no interior dos quais ele se explica” (Bourdieu, 2013, p. 209).
A comemoração de 30 anos reatualiza essas memórias, criando uma espécie de simbiose entre os sujeitos de hoje e os sujeitos de ontem. Essas memórias integram o “território do historiador”, a fim de que sentidos sejam produzidos, lembranças e rememorações sejam articuladas, na série de acontecimentos ordinários. A divisão do acontecimento 30 anos do PPGE-UEPG em atos de fundação, refundação, reformulação, consolidação e expansão procurou exercer esse sentido interpretativo, isto é, um conjunto de atos que guardam complexas relações, notadamente ao se demarcar uma experiência originária (os fundadores), uma experiência de sucessão expressa pela repetição e acumulação (ato de refundação) e uma experiência de adaptação manifesta pela modificação (ato de reformulação, ato de consolidação e ato de expansão).
Em nenhum desses atos se observa uma absoluta relação de repetição do ato anterior, nem uma total negação do ato original. Todos os atos subsequentes se direcionam ao ato de fundação, pois todos se projetam e se produzem no interior da história do PPGE. Todos os momentos estão contidos nesses 30 anos do PPGE. O ato de refundação, uma designação atribuída por nós, seria uma espécie de coroação do ato fundador, pois os principais sujeitos de 1994 atualizaram seu empreendimento no simbólico reconhecimento junto à Capes. De um começo precipitado, de idas e vindas, finalmente a coroação. Ao mesmo tempo, as idas e vindas resultaram em uma proposta bastante distinta da original. Sucessão, mas com adaptação.
A reformulação, que expressa uma vontade de modificação e esquecimento dos atos anteriores, torna-se algo diferente. O efeito de realidade é de um novo tempo, tempo de reforma, tempo de travessia, de esquecer o Curso de Mestrado em Educação e experienciar o Programa de Pós-Graduação em Educação. Um novo horizonte se abre em contraposição ao ato original. Essas experiências constituídas no ato de reformulação tornam-se estruturas estruturadas e estruturas estruturantes no processo que denominamos “ato de consolidação” e “ato de expansão”. As rememorações referentes à consolidação e à expansão do PPGE se posicionam em uma linha sucessiva, de continuidade ao ato de reformulação. Entretanto, sem negar o ato fundador, pois a ele há uma ligação na comemoração dos 30 anos. Reporta-se à origem, mas a consolidação e a expansão estão amalgamadas ao ato de reformulação.
A exposição dos 30 anos em cinco atos mobiliza a noção de um acontecimento. Primeiro, para mostrar que as lembranças tendem a reivindicar a ideia de acontecimento extraordinário, como se, na história, existissem “[...] momentos privilegiados, mais históricos que os outros” (Bourdieu, 2013, p. 209). Em contraposição, buscou-se explicitar cada acontecimento (extraordinário), isto é, cada ato no interior dos acontecimentos ordinários que o antecederam. Aqui, acontecimento tem o sentido de desfecho, de resultado, quer dizer, a interpretação da fundação do Mestrado em Educação está contida em um conjunto de ações anteriores e simultâneas que extrapolam as intencionalidades dos agentes envolvidos naquele processo. Além disso, exploramos o acontecimento como abertura de possíveis, pois “[...] o acontecimento nos revela subitamente algo escondido no passado que vem à tona para mudar o trajeto” (Dosse, 2013, p. 128). Portanto, acontecimento “[...] seria ao mesmo tempo que começo, a conclusão desse começo obscuro até o rompimento temporal que ele encarna” (Dosse, 2013, p. 128). O ato de fundação do Mestrado em Educação é desfecho de um conjunto de ações, mas é abertura do possível, ou seja, “da colocação da pós-graduação no centro da política de desenvolvimento acadêmico da UEPG”. Nessa abertura do possível, estava contida uma ruptura com o espaço de experiência em que o ensino reinava soberanamente na UEPG. “O próprio acontecimento [...] é abertura de possível. Ele passa para dentro dos indivíduos, tanto quanto para dentro da espessura de uma sociedade”, assinalam Deleuze e Guatarri (2015, p. 119).
A comemoração de 30 anos do PPGE-UEPG cria um efeito de sentido de uma história teleológica, de um encadeamento evolutivo. As narrativas no ato dessa comemoração expressam um desejo de duração eterna ao PPGE. Em certo sentido, este artigo que abordou do ato de fundação ao ato de expansão pode gerar um sentido evolutivo, teleológico. Todavia, o último item, ato de projeção, buscou tensionar essa visão positivista de história. Mesmo nas partes anteriores deste artigo, há indício das ambivalências na história do PPGE, notadamente ao se mencionar uma fala da coordenadora Mariná Ribas, do ano de 2000, dizendo que não seria possível enviar proposta à Capes porque não havia número suficiente de docentes permanentes. A história do PPGE é marcada por essa dificuldade, porém, no contexto de expansão, se chega a quase três dezenas de docentes. Isso pode gerar uma visão ufanista, um horizonte de eternidade do PPGE.
É contra esse ufanismo que se inscreveu a última parte deste artigo. Tomamos a situação docente atual e cruzamos com uma projeção de sua permanência. Acrescentamos a isso a condição do Sistema Estadual de Ensino Superior do Paraná, especialmente da UEPG, sublinhando a inexistência de concurso público desde 2016 e o processo de implementação da LGU, em que se observa, por exemplo, uma nova categoria docente, em regime de dedicação exclusiva sem participação em projeto de pesquisa ou extensão ou integrado de ensino, cuja atribuição central é ministrar, no mínimo, 18 aulas na Graduação27. Essa nova categoria, ainda que continuasse existindo a categoria I (professor permanente em curso de Pós-Graduação), simboliza a abertura do possível, isto é, a exclusão da Pós-Graduação do centro de desenvolvimento acadêmico da UEPG, horizonte oposto ao que desejavam os agentes envolvidos no ato de criação do Mestrado em Educação. Muito embora os atos de fala de comemoração dos 30 anos desejem a eternidade do PPGE, as ações dos tecnocratas da UEPG miram um destino oposto: seu desaparecimento ou sua reorganização em áreas interdisciplinares, em um futuro não tão distante.
Uma vida longa do PPGE é possível, desde que se desenhem outras tendências das políticas públicas para o Sistema Estadual de Ensino Superior do Paraná. A história nunca está fechada, mesmo nessas circunstâncias de profundo ataque à Universidade Pública, especialmente à Pós-Graduação. Ainda é possível mudar esse destino. E, se a história pode nos ensinar algo, olhemos para os fundadores do PPGE que, no início da década de 1990, ousaram defender a “colocação da pós-graduação no centro da política de desenvolvimento acadêmico da UEPG” e façamos uma defesa contundente pela manutenção da Pós-Graduação no centro da política de desenvolvimento acadêmico dessa Universidade.
Resumo
Main Text
Introdução
Ato de fundação (1993-1994)
Ato de refundação (2001-2002)
Ato de reformulação (2003-2004)
Ato de consolidação (2010-2011)
Ato de expansão (2011-2024)
Ato de projeção (futuro presente)
Considerações finais