Thu, 23 Jan 2025 in Revista Práxis Educativa
Apresentação da Seção Temática: Ética e integridade acadêmica e científica
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Desde o ano de 2014, a Revista Práxis Educativa tem publicado dossiês, seções temáticas, resenhas de livros e artigos avulsos sobre ética em pesquisa e integridade acadêmica e científica. Inicialmente, o interesse na publicação de artigos sobre essa temática foi motivado pela necessidade de divulgar textos que foram apresentados em uma Sessão Especial intitulada “Princípios e procedimentos éticos na pesquisa em Educação”, realizada na 36ª Reunião Nacional da ANPEd, em Goiânia, no ano de 2013. A realização da referida Sessão Especial marcou a retomada da discussão de questões relacionadas à ética em pesquisa na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) na (Mainardes et al., 2023). Ao longo do tempo, surgiram novas oportunidades de publicação, tornando a revista Práxis Educativa em um dos principais veículos de publicação sobre ética e integridade em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais no Brasil e, mais especificamente, sobre ética em pesquisa na área de Educação.
Neste volume de 2024, a Seção temática “Ética e integridade acadêmica e científica” conta com sete artigos. O primeiro, é a tradução do artigo de Abdulghani Muthanna, Youmen Chaaban e Saba Qadhi, do inglês para português. Os autores exploram a inter-relação entre ética em pesquisa e integridade em pesquisa. Para os autores, enquanto a ética em pesquisa está relacionada aos princípios e aos regulamentos que os pesquisadores devem seguir na condução de pesquisas científicas, a integridade da pesquisa é a prática desses códigos. A violação da ética em pesquisa engendra, então, “a presença de má conduta de pesquisa que reflete, pelo menos, em algum nível, na falta de integridade da pesquisa” (Muthanna; Chaaban; Qadhi, 2024, p. 2).
O segundo artigo, de autoria de Comas-Forgas, Álvarez-García e Cerdà-Navarro, explora o panorama dos periódicos predatórios nas ciências da educação examinando sua prevalência, editores, países de origem, anos de lançamento, práticas ilícitas e métricas de pesquisa na Internet, com foco em periódicos indexados no Cabell's Predatory Reports. As revistas científicas da educação representam 2,75% do total de revistas predatórias listadas na base de dados, principalmente espalhadas por editoras de pequena escala. Os EUA, a Nigéria e a Índia surgem como grandes centros e os resultados revelam um rápido crescimento de revistas predatórias entre 2011-2015, seguido por uma proliferação mais lenta. As violações do processo de publicação e revisão por pares são as práticas ilícitas mais comuns. As métricas de pesquisa na Internet indicam um aumento do tráfego orgânico para websites de revistas predatórias entre 2017 e 2021, levantando preocupações sobre o seu potencial impacto no panorama da publicação acadêmica. As conclusões sublinham a necessidade de esforços contínuos para aumentar a sensibilização, promover práticas éticas de publicação e proteger a integridade académica nas publicações da área de Educação.
O artigo “Percepciones de la integridad en la docencia universitaria: perspectiva del alumnado”, de autoria de Maritza Minelli Briceño Caballero, analisa a presença de comportamentos antiéticos na atuação dos professores na perspectiva de 1.558 estudantes de graduação de uma universidade pública mexicana, por meio de um questionário. Os resultados revelaram que os alunos identificam com maior frequência comportamentos antiéticos em duas áreas principais: o desempenho dos professores em sala de aula e a sua relação com os alunos. Por outro lado, as percepções negativas relacionadas às obrigações gerais dos professores e aos processos de avaliação foram observadas com menor frequência. Esses comportamentos antiéticos, identificados pelos alunos, têm o potencial de impactar negativamente a qualidade do ensino, visto que o ambiente da sala de aula é um espaço crítico onde os valores e a ética dos professores são manifestados e modelado.
“Academic integrity in pre-service teacher education: a review of the literature”, de autoria de María Vallespir Adillón, Eva María Espiñeira Bellón, Jesús Miguel Muñoz Cantero e Rubén Comas Forgas, apresenta uma revisão de literatura detalhada sobre integridade acadêmica na formação de professores, analisando a prevalência, razões e soluções para desonestidade acadêmica. A partir de um total inicial de 693 artigos indexados no Web of Science e Scopus, foram selecionados 23, com base em critérios rigorosos, revelando problemas como plágio e trapaças entre futuros professores. O estudo aponta a pressão acadêmica, a falta de habilidades e a confusão sobre os princípios de integridade como fatores chave que impulsionam comportamentos desonestos. Enfatiza a importância de estratégias abrangentes para combater isso, incluindo a formação ética, desenvolvimento de tecnologias de detecção e cultivo de uma cultura que priorize a honestidade. Com o surgimento da Inteligência Artifical (IA), adaptar medidas de integridade torna-se crucial.
Jensy Campos Céspedes e Benjamín Campos Chavarría são os autores do artigo “Estrategias para la prevención y abordaje de prácticas de deshonestidad académica en el contexto universitario: propuestas desde la mirada estudiantil”. O artigo tem por objetivo apresentar dados sobre as percepções estudantis sobre as práticas de desonestidade acadêmica no mundo universitário e as propostas que eles fazem sobre as melhores estratégias para prevenir e enfrentar as práticas desonestas. A pesquisa realizada consistiu em um estudo descritivo-exploratório baseado em um questionário respondido por 1.319 estudantes de uma universidade pública costarriquenha. Dentre os principais resultados, observa-se que a maioria das estratégias propostas pelos estudantes para prevenir e enfrentar a desonestidade acadêmica referem-se a ações a serem realizadas pela instituição universitária e não são identificadas propostas de ação emitidas em que os estudantes apareçam como principal ator educativo, o que poderia estar associado a uma possível crença de que a instituição universitária é a responsável pela preservação da integridade acadêmica e à falta de responsabilização dos estudantes em relação ao fenômeno. A principal conclusão do estudo aponta para a necessidade de as Instituições de Ensino Superior implantarem ações que, por um lado, estabeleçam consequências claras sobre as práticas de desonestidade acadêmica e, por outro lado, trabalhem no fortalecimento das competências acadêmicas dos estudantes, juntamente com a promoção de uma cultura de integridade acadêmica.
O sexto artigo intitula-se “Ética nas pesquisas acadêmicas: refletindo com mestrandos e doutorandos sobre posicionamentos ativistas necessários”, de autoria de Ademilson de Sousa Soares, Débora Suzane Gomes Mendes, Giovanna Vargas Consoli Rennó, Guilherme Henrique Calais Silva, Juliana Barbosa e Paula Mendes Costa Amaral. As reflexões apresentadas no artigo surgiram das reflexões construídas com mestrandos e doutorandos participantes da disciplina “Ética na pesquisa: desafios e dilemas nas Ciências Humanas e na Educação”, ofertada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O texto decorre da necessidade de agir-se na realidade da pesquisa e da percepção de que a escrita acadêmica, seguida da publicação de resultados das investigações, é uma importante maneira de assumir um posicionamento ativista, conforme defendido por Stetsenko (2021). Após sustentar a necessidade de uma postura de compromisso ético adequado com os processos de pesquisa, são apresentadas reflexões sobre a necessidade de combater a todas as formas de fraude, tais como plágios e autoplágios. Finalmente, argumenta-se que uma epistemologia da destinação deve orientar um posicionamento ético ativista e transformador nas Ciências Humanas e nas pesquisas em Educação.
O último artigo, de Cinta Gallent-Torres, Begoña Arenas Romero, María Vallespir Adillón e Tomáš Foltýnek intitula-se “Inteligencia Artificial en educación: entre riesgos y potencialidades”. O artigo investiga o impacto da Inteligência Artificial (IA) na educação, explorando tanto o seu potencial transformador quanto os riscos associados. Os autores explicam que, à medida que as tecnologias de IA se tornam cada vez mais integradas aos sistemas educacionais, elas oferecem oportunidades sem precedentes para melhorar as experiências de aprendizado por meio de educação personalizada, sistemas de tutoria inteligentes e monitoramento de desempenho. Essas aplicações não só facilitam uma abordagem educacional sob medida, mas também introduzem desafios significativos e riscos, como preocupações com a privacidade dos dados, viés algorítmico e o potencial de ampliar as desigualdades educacionais. O artigo delineia, de forma abrangente, os riscos envolvidos com a implantação da IA em contextos educacionais e propõe medidas estratégicas para mitigar esses riscos. O artigo enfatiza ainda a importância de estabelecer diretrizes éticas robustas e quadros regulatórios para proteger contra o uso indevido de dados e para garantir justiça e transparência nas aplicações de IA. Além disso, o artigo defende um papel proativo dos educadores e formuladores de políticas na modelagem da integração da IA na educação para alinhar com padrões éticos e objetivos educacionais. Por meio de uma análise detalhada das capacidades e armadilhas da IA, o artigo oferece uma perspectiva equilibrada sobre como navegar as complexidades da IA na educação. Ele convoca um esforço concertado para aproveitar os benefícios da IA enquanto se abordam os desafios éticos, garantindo que a IA sirva como uma ferramenta para o enriquecimento educacional equitativo.
Em síntese, todos os artigos apresentam questões atuais sobre ética em pesquisa, integridade acadêmica e IA. Dos sete artigos, cinco deles são de pesquisadores/as ligados/as à Red-IA - Red Iberoamericana de Investigación en Integridad Académica (https://red-ia.org/), à qual agradecemos por mais esta parceria.
A Red-IA é uma rede interdisciplinar que promove a colaboração e o intercâmbio de conhecimento entre pesquisadores/as do espaço ibero-americano dedicados/as ao estudo da integridade acadêmica em diversos níveis e contextos educativos. Seu objetivo principal é criar sinergias para fomentar práticas de honestidade, justiça e ética em instituições educativas, além de posicionar a integridade acadêmica como prioridade nas agendas educacionais da região. A Red-IA atua como um espaço único de conexão entre disciplinas como Educação, Direito, Ciências da Informação, Sociologia, Informática, entre outras, contribuindo para o avanço científico e a formulação de políticas educativas. Atualmente, a Red-IA reúne 91 membros de 37 universidades em 17 países, consolidando-se como um dos principais fóruns de pesquisa e ação colaborativa em integridade acadêmica na região.
Os debates sobre integridade acadêmica e científica são altamente relevantes para o contexto brasileiro. Em virtude do modelo de revisão ética existente (Sistema CEP/Conep e Plataforma Brasil), a revisão ética de projetos de pesquisa tornou-se quase sinônimo de ética em pesquisa. A aprovação ética é importante, mas não suficiente. A aprovação ética, por ela mesma, não garante o agir ético. Além disto, há uma série de questões de ética e integridade que vão muito além da aprovação ética1. Em virtude disto, argumentamos em favor da necessidade de: a) considerar a ética como um dos elementos estruturantes da pesquisa e que, portanto, precisa estar em “primeiro plano” (Stetsenko, 2017, 2021; Mainardes, 2022); b) articular ética em pesquisa com integridade em pesquisa (Steneck, 2006; Muthanna; Chaaban; Qadhi, 2024; Mainardes, 2024); e c) fomentar a ética e integridade em instâncias variadas, a fim de configurar um “ecossistema de ética e integridade” (Mainardes, no prelo).