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in Práxis Educativa
Profissão docente e ruralidades contemporâneas: identidade ediferença nas escolas rurais
Resumo:
O presente artigo busca compreender de que maneira a profissão docente na roça sereconfigurou diante dos contextos das novas ruralidades e como professores daroça têm considerado as diferenças em suas salas de aula. Tomamos como baseteórica as discussões de Moreira (2005), Carneiro (1998, 2012), Rios (2011,2015), Pineau (2014) e Silva (2011). Trata-se de uma pesquisa qualitativa em queas narrativas de formação foram o ponto central da investigação. Utilizamos comodispositivos de pesquisa as entrevistas narrativas com três professoras e umprofessor que moram e exercem a docência na roça, em escolas da rede pública daEducação Básica. Os resultados nos proporcionaram maior entendimento sobre comoos sentidos são construídos e ressignificados a partir das novas ruralidades esua relação com a educação. A conclusão é de que há necessidade da criação deespaços para discussão e formação com ênfase nas questões voltadas para asidentidade e as diferenças.
Main Text
Introdução
Discutir sobre profissão docente em espaços rurais nos provoca a considerar asruralidades contemporâneas, tendo em vista que esta temática vem ganhando o lugarmerecido nos debates sobre as novas identidades em construção, como uma maneira dereposicionamento dos sujeitos que vivem e convivem em territórios rurais. Com isso,a profissão docente vai se constituindo a partir de especificidades destes espaços edas experiências que vão sendo construídas nas relações entre os sujeitos e seusterritórios.
Com o rompimento de uma estrutura socioeconômica que entrou em decadência devido aosdiversos conflitos sociais e culturais, foram surgindo fissuras que permitiram àsminorias políticas invisibilizadas se perceberem como grupo a partir dassubjetividades e diferenças que traziam. Isso se desencadeou em torno de umamotivação, promovendo outros olhares para suas próprias realidades de vida. Disso,duas novas condições lhes são produzidas: uma a de mobilizar-se para modificar suavida e intervir na realidade, a outra de conformar-se com sua vida e ser passivodiante do que a realidade poderia lhe oferecer.
Neste contexto, as escolas rurais foram reconfigurando-se em torno de uma diversidadelocal e das práticas docentes desenvolvidas nestes espaços. Dessa forma, surge anecessidade de se pensar a respeito das identidades e diferenças no meio escolar,considerando os sentidos e significados que estas produzem na formação dos sujeitosenvolvidos. A partir de tais pressupostos, fomos instigados a investigar a profissãodocente no espaço rural, enfatizando as seguintes questões: De que maneira aprofissão docente na roça se (re)configurou diante das novas ruralidadescontemporâneas? Como professores e professoras da roça têm lidado com as diferençasem suas salas de aula?
A fundamentação teórico-metodológica ancorou-se na abordagem (auto)biográfica,entendendo o desenvolvimento da profissão como processo de construção deconhecimento ao longo da vida. Essa opção metodológica deveu-se à aproximação daideia de se compreender como se processam os significados das novas ruralidadescontemporâneas, focando na realidade do trabalho docente, buscando analisar como osprofessores lidam com as diferenças na sala de aula. Neste sentido, tomamos anarrativa como elemento veiculador de sentidos, embasados na epistemologia da(auto)biografia, pois quem narra a própria vida, ao narrar, estabelece relaçõestemporais e de situacionalidade consigo mesmo e com aqueles com quem interagedurante o seu percurso profissional. Cria-se aí um espaço biográfico, por meio doqual a narrativa faz emergir os sentidos que os professores atribuem às diferenças,revelando como elas atravessam seu trabalho e como com elas eles lidam.
Como aponta Arfuch (2010), as formas queintegram o espaço biográfico apresentam, como característica comum, o fato de que osprofessores narram, de distintas maneiras, histórias e experiências profissionaisque por se constituírem como verdadeiras narrativas estão sujeitas “[...] a certosprocedimentos compositivos, entre eles, e prioritariamente, os que remetem ao eixo da temporalidade” (ARFUCH, 2010, p. 111). Ademais, Delory-Momberger (2008, p. 26) considera ser o método (auto)biográficouma “[...] das formas privilegiadas da atividade mental e reflexiva, segundo a qualo ser humano se apresenta e compreende a si mesmo no seio do seu ambiente social ehistórico”.
Esse fato é também analisado por Nóvoa e Finger(2014) quando consideram que o método (auto)biográfico dispensa umaatenção particular e especial, além de grande respeito pelos processos de formaçãodas pessoas. Essa, segundo ponderam os referidos pesquisadores, é uma das qualidadesque distinguem esse método de outras tantas metodologias aplicadas nas ciênciassociais. Isso é considerado pelo grau de respeitabilidade que o método em questãopromove ao possibilitar uma longa investigação na compreensão dos processos deformação dos sujeitos que narram suas histórias, produzindo novas histórias e novasformas de se pensar o humano e sua natureza. É nesta direção que Nóvoa e Finger (2014, p. 22) afirmam que:
Neste estudo, tomamos a abordagem (auto)biográfica não só como um importante elementode investigação das compreensões que os professores produzem com o trabalho docenteno contexto das ruralidades contemporâneas, mas sobretudo como um instrumento deformação, vez que narrar sobre a profissão e como se lida com ela faz o professorrefletir e, consequentemente, inaugurar novas formas de compreender o seu trabalho,bem como os contextos em que ele está inserido. Desta forma, defendemos o princípiode que ao produzir narrativas sobre si e sobre seu trabalho docente, os sujeitosdesta pesquisa se inseriram numa condição de reconstruir e de refletir algunsmomentos por eles vividos, fazendo aflorar os significados que o ato de narrar écapaz de promover, visto que ele se dá a partir da ideia de que é preciso fazerescolhas sobre o que, quando e como um momento deve ser reconstruído. O movimentoformativo que se pode observar na abordagem (auto)biográfica permite ao sujeito quenarra tomar a linguagem como um cenário reflexivo, por meio do qual ele deu forma esentido às suas experiências com a diversidade na escola, numa condição perene deprodução de conhecimento sobre si e sobre o trabalho com as diferenças.
Tomamos como dispositivo de pesquisa a entrevista narrativa, realizada com trêsprofessoras e um professor1 que moram e assumema docência em contextos rurais, no município de Várzea do Poço, situado noTerritório da Bacia do Jacuípe, no interior da Bahia. Foram critérios para a escolhados colaboradores da pesquisa a. ser professor de escolas rurais e b. atuar há maisde cinco anos nestas escolas.
A entrevista narrativa se configura na abordagem (auto)biográfica como um dispositivoque nos permite depreender os saberes que um sujeito construiu ao longo de umatrajetória de formação ou até mesmo de vida. Esses saberes poderão servir como formade orientação para que se possa descrever e analisar os sentidos das experiênciasque cada professor desenvolveu na docência em contexto rural. A escolha destedispositivo justifica-se, dentre outros motivos pelo fato de que “[...] através danarrativa, as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em umasequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vidaindividual e social” (JOVCHELOVITCH; BAUER,2007, p. 91).
A entrevista narrativa favorece ao sujeito a ordenação e sequenciação de suasexperiências, buscando explicar os acontecimentos que demarcam suas experiênciaspessoais na dimensão da vida social. Nessa direção, a escolha deste dispositivojustifica-se na pesquisa por permitir perceber como os sujeitos abordam os sentidosdas diferenças e diversidades no contexto rural, tecidos no exercício docente.
Na abordagem (auto)biográfica, as entrevistas narrativas não se constituem apenas emuma listagem de acontecimentos da vida de um sujeito, como forma de ordenaçãoaleatória de sua trajetória de vida. Para além disso, este dispositivo constitui-seem uma tentativa de relacionar os acontecimentos da vida ao longo das experiênciasdocentes em contextos rurais. Faculta alinhar os acontecimentos de modo a criar umenredo, estruturado por uma concepção de espaço e tempo formativo, que dá sentido àsexperiências com as diferenças e diversidades no contexto rural, permitindo, assim,o desenvolvimento de uma história que tem começo e fim e que pode sempre serreconstruída em novo tempo e espaço, logo, produzindo novos sentidos. Trata-se,portanto, de um dispositivo que favorece uma organização dos fatos relevantes davida dos professores, sobretudo daqueles vivenciados na profissão docente emcontextos de ruralidade. Assim, os professores, colaboradores da pesquisa, aonarrarem os fatos reveladores das experiências, organiza-os de forma a potencializaras experiências vividas, apoiando-se na oralidade e na competência reflexiva que alinguagem lhe permite fazer. Souza (2008, p.91) nos diz que:
Considerando que um dos objetivos desta pesquisa é compreender como se processam ossentidos das novas ruralidades contemporâneas, focando na realidade do trabalhodocente, com o intuito de analisar como os professores lidam com as diferenças nasala de aula, este dispositivo se constituiu em um relevante instrumento que nospermitiu analisar o sentido e a forma como cada um dos professores foram revelando e(re)significando suas experiências na docência em contextos rurais, abordando como adiferença e a diversidade era trabalhada em suas salas. A entrevista narrativapermitiu produzir uma articulação da experiência profissional, produzindo um diálogoentre o individual e o sociocultural, em que os professores foram mobilizandosaberes do seu arsenal de conhecimentos adquiridos durante a sua lida docente naroça. É nesta seara que se pode abordar a dimensão narração, formação eautoformação, em que as trajetórias formativas revelam as múltiplas redes derelações, as quais identificam as identidades dos sujeitos, bem como a forma comoelas vão sendo construídas pelos processos de formação trilhados por cada um durantea formação, bem como durante o desenvolvimento da profissão, no caso da pesquisa emtela, em contextos rurais.
A entrevista narrativa foi utilizada aqui por apresentar um caráter formativo paraprofessores e professoras, possibilitando o processo de autoformação, heteroformaçãoe ecoformação, dimensões adotadas pela teoria tripolar de formação proposta porPineau (2014). É importante mencionar quetomamos como base de análise dos dados concepções fundamentadas na hermenêutica efenomenologia, por nos dar condições de compreender e interpretar as narrativas quetrazem consigo uma sobrecarga de subjetividades, sentidos e significados da vida decada sujeito entrevistado. Ao narrarem sobre suas experiências os professores daroça fundamentam suas práticas e vivências a partir das relações que estabelecemconsigo, com o outro e com seus espaços de vida.
Discutiremos as novas ruralidades, apresentando as identidades e suas contribuiçõespara se pensar o rural numa dimensão de ressignificação que leva em conta os modosde ser e pensar os territórios rurais, os significados produzidos em detrimento dasrepresentações que se fazem destes locais. Na sequência, abordaremos docência naroça e como esta foi sendo produzida nestes contextos a partir do ser e do fazerdocente. Por fim, abordaremos a respeito da identidade e diferença como uma maneirade (re)pensar o lugar da diferença nas escolas rurais.
Identidades e ruralidades: uma ressignificação do rural
As discussões e reflexões acerca das questões que dão centralidade aos sentidos esignificados inerentes aos espaços do cotidiano e à produção de nossas vivências eexperiências vêm ganhando novas dimensões na contemporaneidade a partir demovimentos que reivindicam outras maneiras de considerar a vida e os lugares em queesta acontece.
Com isso, fomos compreendendo que os modos de viver e pensar os contextos rurais nãopoderiam estar somente atrelados à produção agrícola que, por sua vez, reservavapara o rural um lugar de produção de alimentos e fornecimento de matéria prima, emque, o modo de vida das pessoas da roça2 esteveassociado a condições de precariedade, escassez, retrocesso, pobreza e atrasosocial. Essa lógica favoreceu que se tomasse como parâmetros uma visãourbanocêntrica que perpetuava um ideário de que a vida na cidade ofereceria semprecondições de acesso a uma escola de qualidade e, consequentemente, a um mundocivilizado e isento da pobreza e, quando vivenciado, ofereceria às pessoas da roçapossibilidades de se libertarem da condição de “não-gente”3.
Esta condição de “não-gente” era reforçada em falas do tipo: “quero que meus filhosestudem na escolas da cidade para ser gente”; “vou morar na cidade para ser gente”.Com isso, ressurgia um ideário de que o avançado e progressista se encontrava nacidade e o atrasado e arcaico encontrava-se no campo. Diante de situações comoestas, percebemos a proposição de uma visão binária para as relações entre o rural eo urbano, em que, reservava-se para o rural a condição da ausência - um “não-acesso”˗ e para o urbano as condições da presença e do excesso - um acesso.
Considerando os pressupostos apresentados, compreendemos que acontece um esvaziamentode sentidos dos aspectos culturais e sociais que são produzidos na roça. Isso seevidencia quando não pensamos nas relações estabelecidas nos territórios rurais epor isso desprestigiamos as formas de ser, pensar, fazer e viver em contextosnão-urbanos. Tal visão nos faz pensar sob uma ótica da padronização dos processossociais, econômicos e sociais que se fundamentaram nas ideias de uma identidade fixae una.
Com fundamentos nas concepções de uma sociedade inspirada no modelo industrial nadécada de 1970, o filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre (LEFEBVRE, 2002) lança mão de uma teoria que menciona umacompleta urbanização. Esta se caracteriza como a suposição da completa urbanizaçãodesencadeada por pensamentos vinculados ao desenvolvimento industrial que ocupava asgrandes propriedades rurais, suplantando uma ideia de campo, apenas, como um espaçode produção agrícola. Na mesma década temos a suposição de um renascimento ruralapresentada pelo geógrafo e sociólogo Bernard Kayser (KAYSER, 1990). No decorrer desses anos, notamos que nenhuma das duassuposições lançadas por tais estudiosos prevaleceram. Assim, podemos inferir que aurbanidade vem engendrar a valorização de uma ruralidade que está nascendo e nãorenascendo.
Reiteramos que o nascimento de um novo mundo rural supera as condições dos binarismosentre cidade-campo, tradicional-moderno, civilizado-incivilizado, rural-urbano,agrícola-industrial, em que a visão sobre o rural é desqualificada e desvalorizada,reservando, durante muito tempo, para as pessoas que vivem e convivem na roça, umaposição de inferiorização. Neste caso, é emergente a necessidade de concentrarmosesforços na busca de pensar a respeito dos elementos que compõem os princípios queestabelecem relações dinâmicas de interdependências entre os espaços rurais eurbanos. Tais produções são tomadas a partir de concepções desencadeadas com osurgimento das novas ruralidades, que vêm para oferecer sentidos e significados àsmaneiras de viver e de interagir consigo mesmo, com o outro e com o ambiente em queestão inseridos.
Vale ressaltar que o surgimento de novas ruralidades no Brasil se dá em relação afatores como: superação de condições de desigualdades sociais e de invisibilidadedas minorias políticas existentes; necessidades de construção de um novo mundorural; necessidade de construção de novas identidades; necessidade de superação deuma visão maniqueísta; necessidade de ressignificação das antigas práticasdesenvolvidas no meio rural; participação cidadã e concretização efetiva e real dademocracia. Tais fatores se colocam como relevantes por demandarem diversas ediversificadas mobilizações com vistas a outras posturas e posicionamentos queassegurem o respeito e a convivência com as diferenças.
Moreira (2005) apresenta o rural como espaçodiversificado e dinâmico, configurado como um espaço utilizado e da vida social.Defende que ruralidade se refere “às relações específicas dos habitantes do campo com a natureza e às relações próprias deinterconhecimento destas relações” (MOREIRA,2005, p. 93). De acordo com esta abordagem, entendemos que o termo“rural” refere-se ao espaço vivido, da experiência e das relações estabelecidas. Jáo termo “ruralidade” está reservado para as representações que são construídas apartir das vivências e experiências que acontecem nesses espaços e denotam asmaneiras de ver, pensar e viver em contextos rurais.
Com os movimentos sociais oriundos da pós-modernidade surgiram novas identidades,considerando as subjetividades e as diferenças dos sujeitos, possibilitando aconstrução-desconstrução-reconstrução das identidades através dos processos deinter-relações e intersubjetividades. Estes processos desencadeiam momentos detensões, conflitos e negociações, ocasionando pensamentos que convergem e divergem.Isso provoca a organização de um espaço de diálogo, reposicionando os sujeitos, quepor sua vez, revisam e repensam suas concepções a respeito da realidade em quevivem. Desta forma, encontram outros sentidos e significados para viverem econviverem na roça.
As identidades rurais ressurgem de um espaço que está para além das atividadesagrícolas, fundamentadas numa ressignificação do local conectado a outrasrealidades, sendo estas, rurais e não-rurais, em que a produção cultural éintercambiante e se encontra calcada nas simbologias existentes num cotidianovivido. Com isso, Carneiro (2012, p. 35)reitera que o rural passa a ser visto como um local de “produção de bens simbólicosque alimenta a indústria cultural e a comunicação entre universos culturaisdistintos, de origem urbana ou de origem rural”.
As ruralidades contemporâneas nos propõem condições para pensarmos numa relação decomplementação e interdependência entre o “rural” e o “urbano”, superando situaçõesque, em algum momento, tencionaram tais relações num sentido de sobreposição esuperioridade. Tais condições fizeram existir fronteiras entre estas duasrealidades, ignorando as diferenças e as diversidades dos espaços rurais.
Os elementos presentes no universo da roça contribuem para que as atividades ruraisestejam sobrecarregadas de significados, promovedoras de espaços inter-relacionaisque fazem ressurgir outras formas de pensar e fazer o cotidiano nestes lugares.Diante de aspectos ligados a estas inter-relações, reiteramos que os contextosrurais adquiriram outras dimensões que superam a visão de um lugar de investimentosagroindustriais, em que, os sujeitos passam a se organizar de maneiras diferenciadascomo uma forma de produzir novos sentidos às práticas desenvolvidas em momentosanteriores. Conforme Carneiro (1998, p.58),
É interessante pensarmos numa ruralidade que estabeleça relações com a urbanidade, demodo que, possamos vivenciar os processos de intersubjetividades para a construçãode novas identidades. Isso acontece de maneira retroalimentar a partir da troca queprovoca um movimento de alteridade, sendo necessário o compartilhamento de saberes efazeres com o outro. Quando nos propomos a compartilhar bens culturais e simbólicos,estamos nos propondo a estabelecer outras relações que irão nos envolver com osoutros, evidenciando condições de pertencimento e não-pertencimento, deidentificação e não-identificação permitindo a ampliação de nossas experiências,contribuindo para o enriquecimento de nossas comunidades.
As atividades desenvolvidas no meio rural apresentam especificidades próprias,levando em conta a multiplicidade de sentidos que se encontram embutidas nasrelações estabelecidas com os elementos naturais que se colocam nestes lugares.Neste sentido, a produção da vida na roça rompe as estruturas fundamentadas naslógicas de uma economia centrada nas formas de exploração do ambiente e das pessoas,que estão focadas na produção de outros valores e princípios que se dão a partir dasrelações de alteridade e com o espaço vivido e inventado.
Pensar o rural, partindo dos significados que trazem as novas ruralidades,oportuniza-nos compreender tal espaço como um espaço plural e dinâmico capaz deoferecer condições múltiplas de ser e fazer através de possibilidades deressignificação de práticas e maneiras de produção do cotidiano relacionadas aosmodos de viver e de pensar os contextos rurais na contemporaneidade.
Diante disso, é importante enfatizarmos que o conceito de ruralidades contemporâneasse constrói em torno da reconfiguração das identidades das pessoas que vivem econvivem na roça, a partir de uma perspectiva de reinvenção dos diversos modos derelação e inter-relação que estabelecem entre si e com o meio em que se encontraminseridas. Isso as faz produzirem outros sentidos e significados contrários à lógicahegemônica que tenta esvaziar os sentidos das diferenças que estão presentes nosespaços rurais como uma maneira de inferiorização destes espaços e daqueles que sãoligados a eles.
As novas ruralidades vão sendo constituídas a partir da produção de bens simbólicos eculturais embutidos nos processos de intersubjetividades que são estabelecidos pelaspessoas da roça que ressignificam suas formas de pensar, viver e agir. Tal situaçãoevidencia uma reconfiguração deste espaço como um local reinventado através deperspectivas de engendramento nas relações com outros espaços, fazendo com quepensemos a docência na roça como um elemento impulsionador dessas relações.
Docência na roça: uma relação entre o ser e o fazer
A profissão docente tem sido marcada e demarcada por diversas influências de umasociedade em constantes transformações. Com isso, os fazeres da docência vão sendoconstruídos a partir do entendimento de que os professores e professoras têm sobre oser e o fazer, desencadeando a produção de um saber calcado na experiência queassocia a formação docente adquirida no decorrer da vida acadêmica com as concepçõesda realidade vivenciada.
As tessituras da docência no espaço rural engendram sentidos e significados própriosque correlacionam os sujeitos com os elementos naturais dispostos na localidade.Estes, por sua vez, expressam seus modos de viver e pensar de maneira indissociávelàs relações estabelecidas com tais elementos, produzindo representações esimbologias que possibilitam ressignificações de práticas e vivências de acordo comas alterações de fatores sociais, culturais, econômicos e ambientais.
Cada comunidade rural traz consigo ritmos, rituais, características específicasrelacionadas a crenças e a concepções que permeiam estes territórios, podendopermanecer, durante muito tempo, alterados ou não, a depender dos tipos e condiçõesde influência que sofrem ou provocam. As inter-relações e intersubjetividadesdesenvolvidas nestes espaços estão intimamente relacionadas às formas como aspessoas vivem e interagem com as atividades que precisam desempenhar para que a vidaaconteça.
Essa relação de viver e interagir com os outros e com as atividades desempenhadas nosespaços rurais envolve crianças, jovens, adultos e idosos, os co-responsabilizandopor suas existências e pela conservação ou não destes espaços. Isso nos permitedizer que a organicidade da vida em contextos rurais atende a uma dinâmica que seencontra condicionada às condições do tempo e espaço da roça. Tais condições, pornão serem contempladas pelos currículos escolares das escolas da roça, acabamprovocando interrupções na vida estudantil de muitas pessoas que moram na roça,reforçando a ideia de que existe uma grande lacuna entre o espaço escolar e ocotidiano da comunidade.
Diante desses pressupostos, podemos perceber que a profissão docente tomou, durantemuito tempo, um único parâmetro baseado no modelo científico, desvalorizando outrossaberes inclusive os oriundos das experiências. Com este cenário, professores eprofessoras da roça se encontravam numa situação bidirecional, em que, um sentidoestava centrado em reproduzir as propostas de um currículo inspirado nas concepçõeshomogeneizadoras e urbanocêntricas. Já o outro sentido se fazia através doreconhecimento das necessidades locais e adaptações aos diversos modos de ser, fazere viver em meios rurais.
Concebendo que a docência na roça foi sendo construída a partir de situações focadasnas experiências de vida-formação de docentes que inicialmente não se formaram comodocentes, mas de acordo às condições de uma determinada época e realidade, foram seconstituindo na docência, pelo envolvimento nas atividades culturais e sociais dacomunidade, produzindo-a paralelamente a suas obrigações, seus afazeres comoagricultores e agricultoras. Essa condição é externada pela narrativa de Renato, queevidencia a transitoriedade de compreensões entre o ser e fazer na docência, namedida em que revela a existência de duas práticas pedagógicas por ele exercidas.Uma em que os aspectos formativos para a docência não estavam presentes e outra queaponta uma visão urbanocêntrica da docência, balizada pelos aspectos formativos quelogrou.
Renato vai constituindo-se na docência através de um movimento de autoformação quepossibilita uma compreensão de seu papel como professor da roça, demonstrandoclaramente como realiza seu trabalho docente de acordo com as demandas enecessidades atuais de sua comunidade. Percebemos que este movimento (auto)formativoque Renato apresenta parte da concepção apresentada por Pineau (2014) que se refere ao processo de formação mobilizadoa partir da apropriação que o sujeito faz de si mesmo, determinando-se comoautorreferencial no espaço formativo que este constitui no decurso da vida. Nestecontexto, a compreensão de si e de seu processo formativo tem como um ponto dereferência os saberes da experiência.
Esta apropriação de poder de formação que o sujeito articula para formar-seestabelece ligações diretas e dependentes com as perspectivas da heteroformação(ação e interação com os outros) e da ecoformação (ação e interação com o ambienteem que se encontra inserido). De acordo com Pineau(2014, p. 97) “[...] Os desenvolvimentos são produtos das interaçõesentre as pessoas, o meio ambiente e a relação entre os dois, e se fazem porsequências, etapas ou ciclos”.
A docência na roça possibilita uma formação articulada a tempos e movimentosinstigadores de um processo alimentado pelas inter-relações que se dão nosinterstícios gerados por conflitos, tensões, negociações, estranhamentos, diálogos,valorização e reconhecimento no âmbito das localidades em que as escolas estãosituadas. Podemos tomar aqui como conflitos, tensões e estranhamentos o encontro dasdiferenças que cada sujeito traz e expõe no cotidiano escolar, evidenciandoposicionamentos e atitudes distintas a respeito de pensamentos reforçados por umacultura machista, heterossexual, branca e de uma suposta normalidade. Isso ficaclaro quando na divisão de grupos para brincadeiras algum aluno se recusa a pegar namão do outro por ele ser negro, meninos não podem brincar com as mesmas brincadeirasdas meninas, o isolamento de alunos deficientes por julgarem-no indefesos ouinferiores. Nestes contextos acontecem também os momentos de negociações, diálogo evalorização intermediados pelos professores ou não.
Essas situações são frequentes e vão se tornando complexas, requerendo que osprofessores busquem formação e apoio da comunidade para intermediarem os conflitosdecorrentes de tais situações. Neste sentido, a concepção da docência para Rafaelaencontra-se condicionada a uma busca de formação e a um movimento de alteridade quevai sendo desvelado a partir da interação com a comunidade.
A docência na roça vai sendo configurada na valorização das relações estabelecidasentre professores e professoras com suas comunidades engendrando tensões, conflitos,decepções, reconhecimento, valorização e satisfação da realização de uma atividadeque requer inteireza e acontece de maneira intensa em nossas vidas. Neste caso,Hall (2003, p. 38) coloca que “aidentidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós comoindivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’ apartir de nosso exterior, pelas formas através das quais nósimaginamos ser vistos por outros” (grifos do autor).
Neste sentido, podemos considerar que a profissão docente na roça vai sereconfigurando a partir de um movimento que envolve as identidades e subjetividadesdaqueles e daquelas que a produzem. Conforme Rios(2015, p. 41),
Analisando as compreensões que cada sujeito colaborador da pesquisam desvela em suasnarrativas, compreendemos que a profissão docente na roça foi sendo produzida apartir de uma multiplicidade de elementos inerentes às diversidades dos contextosrurais, às identificações e não-identificações, às várias maneiras de pertencimentoe não-pertencimento. Neste caso, a entrada na profissão nos espaços rurais atendia asituações específicas e peculiares de cada região, como uma maneira de atender àspopulações situadas nestes espaços.
No entanto, observamos que há elementos marcados pela subjetividade de cadaprofessor, revelando os sentidos que cada um tem sobre a profissão. Isso éevidenciado pelas concepções que Rafaela constrói em torno da docência. Elasencontram-se baseadas no exercício da profissão docente como uma missão, umsacerdócio, marcando esta construção ao caracterizar a docência como um lugar deencontros e desencontros, frustrações e enaltecimentos que requer dedicação eenvolvimento com seus pares.
As tessituras da docência na roça são marcadas por muitas caracterizações, quetransversalizam os sentidos que cada professor atribui a si e às condições dedesenvolvimento da profissão. Vimos, no excerto da narrativa de Marta, como asmarcas da invisibilidade são por ela tecidas no reconhecimento de ter sido umaprofessora leiga.
Professores e professoras da roça vão construindo-desconstruindo-reconstruindo suasidentidades no decorrer da vida, encontrando mecanismos que os ajudem na superaçãodas dificuldades e elevação de sua autoestima para lidar com as situações diversasque a profissão docente propõe. Neste movimento, o sujeito reinventa-se,transforma-se a partir dos conflitos, pois mobiliza elementos do vir-a-serinspirados na posição de um sujeito em devir.
A profissão docente na roça ganha dimensões outras quando no referimos às ruralidadescontemporâneas, uma vez que, estas se encontram sobrecarregadas de sentidos esimbologias por (re)significar o rural e o reposicionar como um espaço diverso eplural que busca na urbanidade uma relação de interdependência e complementaridade.Neste sentido as ruralidades contemporâneas se projetam como novas representações econdições do ser e do fazer docente. O espaço rural é reinventado e ganha novossentidos e contornos por ter introjetado situações, condições e representações deuma docência que se representa nos modelos urbanocêntricos. Isso não quer dizer quea roça é um local menor em se considerando as condições e caracterizações sociais,mas é um lugar diferente, que a cada dia se reconfigura em sentidos e experiênciaspelo modelo urbano. Ser docente na roça significa inserir-se em uma nova ruralidade,a que aqui chamamos de contemporânea por também entendermos que a roça se modernizaao seu jeito e revela em si novas compreensões sobre o rural e, logo, sobre adocência neste espaço.
Com isso, compreendemos que os sentidos e os significados existentes no espaço daroça exercem de maneira significativa condições diversas nas relações queestabelecemos conosco, com os outros e com o mundo. Assim, o fazer docente nestesespaços se reconfigura de acordo ao processo de reconstrução e reposicionamento dosmodos de viver e pensar o rural, compreendendo como eixo central as inter-relações eintersubjetividades que resultam do movimento de alteridade a que somos convidadoscotidianamente a realizamos.
(Re)pensando o lugar das diferenças nas escolas rurais
O cenário educacional tem se mostrado, cada vez mais, como um contexto de encontrocultural que forçosamente impulsiona professores, professoras, gestores e gestoras arepensarem suas práticas a partir de outras perspectivas que possibilitem, nãosomente validação do conhecimento concebido cientificamente, mas também avalorização de elementos intrínsecos às questões constituintes de concepçõespautadas na diferença como responsáveis pela produção de nossas subjetivações econstrução-desconstrução-reconstrução de nossas identidades.
Pensar nas questões relacionadas às diferenças nos remete a pensar nas questõesreferentes às identidades, pois são os elementos da diferença os responsáveis pelaprodução das identidades através dos processos de inter-relações eintersubjetividades. Neste sentido, identidade e diferença estão imbricadas pormanterem uma relação de interdependência, marcando e demarcando as condições de ser,pensar e existir dos sujeitos.
Ester atribui as diferenças de comportamento trazidas por seus alunos e alunas àconvivência com seus pais, reiterando que seu fazer em sala de aula está baseado naorientação para o bom relacionamento de um aluno ou aluna com o outro, valorizandoos princípios do respeito, amor e união.
A identidade e a diferença, ao longo dos tempos, foram tomadas a partir de umasuposição de pertencimento e não-pertencimento, sendo referenciado para a identidadetudo aquilo que se colocava como bom, puro, divino, já para a diferença estavarelacionado ao impuro, ruim, inferior, negativo. Logo, “a identidade e a diferençase traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence,sobre quem está incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significademarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que ficafora” (SILVA, 2011, p. 82).
Pressupostos como estes desencadeiam condições de preconceito e estereótipos a grupose sujeitos que não estavam incluídos por apresentarem as marcas da diferença demaneira enfática e performática. Isso resultou em diversas situações que tencionaramrompimentos estruturais a partir de movimentos e mobilizações de reivindicação daidentidade, considerando fatores relacionados aos conflitos sociais intensificadosna contemporaneidade; debates no campo das discussões pós-coloniais; superação daconcepção de uma identidade una e fixa; fortalecimento de grupos constituídos pelasminorias políticas; rompimento das macroestruturas.
Todos esses fatores ressurgem dos encontros das subjetividades inerentes àintersecção das diferenças4. Isso nos remete apensar na diferença como um ponto de intercruzamentos de outros diversos pontos quepossibilitam a inter-relação e reconstrução de outras diversas conexões responsáveispela manutenção de elementos que nos tornam sujeitos da individuação, bem como, dacoletividade, fazendo com que, não tomemos as diferenças como sinônimo dedesigualdade.
Os contextos de nossas escolas encontram-se permeados por maneiras distintas depensar, ver e saber, em que os sujeitos expõem seus vários jeitos de ser, reagir einteragir com seus pares, culminando em situações de compreensão, conflito, tensão,concordâncias e discordâncias, desencadeando processos de negociações e diálogos,muitas vezes, invisíveis para as formatações curriculares e distantes das posturasutilizadas diante do que foge aos padrões normatizadores, homogeneizantes econdicionantes tomados pela instituição escolar ao longo dos tempos.
Neste sentido, as escolas rurais em suas especificidades se apresentam como um espaçoem que se dá o encontro de culturas, em que, as diversidades expelem-se de maneiraexpansiva requerendo condições outras de visibilidade e posicionamentos que lancemmão de posturas que impliquem no desenvolvimento de práticas docentes que tomem comoeixo norteador a realidade local e os saberes inerentes aos espaços da roça comoforma impulsionadora de aprendizagens, na qual, os sentidos e significadosconstruídos nestes espaços direcionem as propostas pedagógicas dessas escolas.Partindo dos princípios de que a formação dos sujeitos esteja direcionada no sentidoda reciprocidade, criam-se maneiras de coexistências entre estes sujeitos e suaslocalidades. Como reitera Larrosa (2011, p.45):
Aqui, colocamos a experiência de si como fator intimamente relacionado ao processoeducacional como uma prática social que evidencia as mobilizações que os sujeitosfazem de suas experiências e das experiências dos outros, aprendendo e apreendendo apartir da necessidade que temos de construir e transmitir experiências. Então, taisexperiências se deslocam no sentido de valorização da vida e dos lugares em queestas são produzidas, bem como, dos sentidos, representações e significados emanadosdestas produções.
A escola como um território da diferença requer um fazer docente que dê centralidadepara as questões referentes à identidade e diferença, como uma proposição desuperação de posicionamentos fundamentados numa visão maniqueísta, trazendopossibilidades de construção-desconstrução-reconstrução das identidades como umaforma de evitar alguns movimentos inspirados na sobreposição cultural que, namaioria das vezes, desconsideram os sujeitos, suas identidades e subjetividades,intensificando processos de exclusão e marginalização.
Podemos contemplar através das narrativas de Rafaela como as diferenças aparecem nocotidiano escolar dos espaços rurais e como a docente concebe a diferença em sala deaula e quais são suas práticas diante deste contexto.
Professores e professoras da roça vão delineando seus fazeres a partir das buscas deelementos que contribuam no processo pedagógico em sala de aula e possam oferecerpossibilidades para o desenvolvimento de um trabalho que seja interventivo. Assim, apostura de Rafaela se apresenta como intermediadora das situações de conflitos queressurgem em torno do binarismo construído ao longo dos anos, que estabelecefronteiras em decorrência de um modelo social baseado no machismo, naheterossexualidade, nos padrões eurocêntricos. Sendo assim, a professora compreendea necessidade de promover práticas docentes que estejam pautadas em outras lógicas,concebendo como importante uma formação que possa romper com as estruturas quereforçam a inferiorização de um em detrimento da supervalorização do outro e asobreposição cultural.
Logo, (re)pensar o lugar das diferenças nas escolas rurais requer que compreendamos anecessidade do rompimento de fronteiras existentes nos espaços escolares econsideremos a riqueza do encontro de culturas que acontece nestes, tomando comopressupostos norteadores práticas que tragam as diferenças para o centro das salasde aula como uma maneira de valorização das experiências de si e das experiências dooutro. Isso faz reforçar os princípios da reciprocidade e da coexistência entre ossujeitos como condição de viver e conviver na e com as diversidades.
Considerações
O estudo evidenciou que as práticas educativas desenvolvidas por docentes em escolasrurais foram reconfigurando-se em torno de uma diversidade local, considerando osmodos como cada docente lida com a diversidade; às vezes ratificando e segregando asconcepções de diferença. Isso apareceu nas análises das narrativas, dado que osdocentes mostram que a prática educativa desenvolvida nas escolas rurais tem a vercom a formação e concepção sobre diversidade que desenvolveram em sua trajetória devida. Dessa forma, e a partir do que emergiu nas análises, ficou evidente anecessidade de se pensar a respeito das identidades e diferenças no meio escolar,considerando os sentidos e significados que estas produzem na formação dos sujeitosenvolvidos, de modo que o docente possa inserir-se numa compreensão de que a práticadocente deva sempre ser contextualizada às demandas locais, logo, às novasconcepções de práticas educativas em que as diversidades sejam tratadas em suaessência, ao se valorar cada sujeito em sua diferença.
As narrativas revelaram que existe uma caracterização da docência no espaço rural,permeada de sentidos e significados próprios que correlacionam os sujeitos com oselementos e relações naturais que existem na localidade. Os professores trazem àbaila seus modos de viverem e de pensarem às relações estabelecidas com contextos dalocalidade, produzindo representações e simbologias ressignificadoras deexperiências que se originam a partir das alterações de fatores sociais, culturais,econômicos e ambientais.
Como fomos percebendo, ao longo das discussões, a profissão docente foi ganhandooutros sentidos desencadeados através dos movimentos relacionados ao ser e ao fazerde professores e professoras da roça. Neste caso, a experiência passa a ser um doselementos principais na produção da docência na roça, pois evidencia outrasperspectivas que são responsáveis pela construção-desconstrução-reconstrução dasidentidades e subjetividades intrínsecas ao processo de inter-relação que traz osrequisitos para um fazer docente fundamentado nos princípios da reciprocidade ecoexistência entre os sujeitos.
Dessa forma, a profissão docente na roça foi se reconfigurando em detrimento dosurgimento das novas ruralidades por considerar as necessidades e demandas de umprocesso educacional que pudesse atender e atingir às especificidades do local comoforma de valorização da vida nos contextos rurais. Tais condições deram visibilidadeaos modos de pensar, ver e viver na roça, garantindo a existência de outro lugarpara o interconhecimento produzido a partir das relações intersubjetivas entre ossujeitos e o ambiente em que estão inseridos.
Vimos que em torno da docência imperam aspectos formativos que apontam uma visãourbanocêntrica da docência, balizada pelos sentidos que se atribui ainda às práticaseducativas na escola rural, mas já reconhecendo que existe uma nova compreensão deruralidade contemporânea, que torna o rural, não menor que o urbano, mas diferente,com sua singularidade e originalidade. Essa condição tem a ver com uma visão que seevidenciou na pesquisa, que concebe a docência na roça constituída a partir de umaformação articulada a tempos e movimentos formativos alimentados pelasinter-relações que se dão nos interstícios gerados por conflitos, tensões,negociações, estranhamentos, diálogos, valorização e reconhecimento dos sujeitos queestão nas escolas rurais, e que fazem dela um espaço de produção de experiências emque a ruralidade é tecida numa nova compreensão do espaço rural e de sua dinâmicaorganizacional.
Neste sentido, o trabalho concluiu que a docência na roça foi sendo configurada navalorização das relações estabelecidas entre professores e professoras com suascomunidades engendrando tensões, conflitos, decepções, reconhecimento, valorização esatisfação da realização de uma atividade que requer inteireza e acontece de maneiraintensa na vida e prática educativa dos professores. É nesta perspectiva queprofessores e professoras da roça vão construindo-desconstruindo-reconstruindo suasidentidades no decorrer da vida, encontrando modos de fazer a docência, buscandovalorar sua autoestima e autonomia para lidar com situações que a profissãopropicia, sobretudo no contexto em que se pretende trabalhar com a diversidade. Énesse cenário que as ruralidades, no estudo analisadas como contemporâneas,configuram-se como novas representações da condição do fazer docente no espaçorural, que passa a ser inventado e ganha novos sentidos e contornos.
Partindo desse pressuposto, cabe ressaltar que as diferenças em sala de aula sãoconcebidas por professoras e professores da roça de maneiras diversas. Essa análisenos fez perceber que, ainda, existem resquícios de um pensamento que atrela adiferença a um caráter do que precisa melhorar ou se adequar. Isso nos remete apensar que os espaços escolares encontram-se permeados por forças padronizadoras queimpõem uma ideologia que favorece aos sentidos de esvaziamento do real significadoda diferença. Mesmo com estes ranços ideológicos existentes no interior das escolashá professores e professoras desenvolvendo práticas docentes que valorizam a maneirade ser de alunos e alunas e buscam, à sua maneira, intermediar os processos deconflitos, tensões e negociações inerentes ao encontro da cultura na escola.
Diante disso, é necessário criar espaços de discussões e formação que levem em contaos contextos de diversidades em nossas escolas, dando um enfoque às questões daidentidade e diferença como elementos preponderantes para o respeito, compreensão econhecimento de si, este, por sua vez, engloba o nós, os outros e o ambiente que noscerca.
Resumo:
Main Text
Introdução
Identidades e ruralidades: uma ressignificação do rural
Docência na roça: uma relação entre o ser e o fazer
(Re)pensando o lugar das diferenças nas escolas rurais
Considerações