O PROCESSO DE ESCOLHA DE TURMAS E DISTRIBUIÇÃO DE CARGA HORÁRIA NO DISTRITO FEDERAL: FUGA POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO?

Maira Vieira Amorim Franco
Fernando Santos Sousa
Danyela Martins Medeiros
Jennifer de Carvalho Medeiros

Este trabalho tem por objetivo analisar e trazer para o debate aspectos relativos ao processo de escolha de turmas e distribuição de carga horária dos professores da rede pública de ensino do Distrito Federal, que atuam nos anos iniciais. Este processo tem sido direcionado por uma portaria elaborada anualmente por meio de discussões entre governo e sindicato de professores. Entendemos que este instrumento norteador, adquire um caráter de direcionamento formativo e até mesmo uma alternativa de minimizar as precárias condições de trabalho por parte de professoras e professores. Identificamos que a portaria por meio de seus critérios de pontuação aponta caminhos para um aligeiramento da formação continuada, uma vez que em sua composição pontua melhor os professores que apresentam cursos apostilados, com elevado número de horas, desvalorizando os cursos presenciais principalmente os de maior carga horária, que demandam maior esforço e sólida formação teórico/prática. Tais questões acabam por proporcionar competição entre os pares e, categorias que operam dialeticamente como a valorização e desvalorização, o prazer e o sofrimento, o individualismo e a coletividade.

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Caderno Temático

O PROCESSO DE ESCOLHA DE TURMAS E DISTRIBUIÇÃO DE CARGA HORÁRIA NO DISTRITO FEDERAL: FUGA POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO?

THE CASE CHOICE AND DISTRIBUTION PROCESS IN THE FEDERAL DISTRICT: TRAVELING FOR BETTER WORKING CONDITIONS?

EL PROCESO DE ELECCIÓN DE TURMAS Y DISTRIBUCIÓN DE CARGA HORARIA EN EL DISTRITO FEDERAL: ¿FUGA POR MEJORES CONDICIONES DE TRABAJO?

Maira Vieira Amorim Franco
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), Brasil
Fernando Santos Sousa
Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal (SEEDF), Brasil
Danyela Martins Medeiros
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre formação e atuação de professores Pedagogos, Brasil
Jennifer de Carvalho Medeiros
Instituto Federal de Brasília (IFB), Brasil

O PROCESSO DE ESCOLHA DE TURMAS E DISTRIBUIÇÃO DE CARGA HORÁRIA NO DISTRITO FEDERAL: FUGA POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO?

Olhar de Professor, vol. 20, núm. 1, 2017

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 03 Março 2017

Aprovação: 03 Junho 2017

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar e trazer para o debate aspectos relativos ao processo de escolha de turmas e distribuição de carga horária dos professores da rede pública de ensino do Distrito Federal, que atuam nos anos iniciais. Este processo tem sido direcionado por uma portaria elaborada anualmente por meio de discussões entre governo e sindicato de professores. Entendemos que este instrumento norteador, adquire um caráter de direcionamento formativo e até mesmo uma alternativa de minimizar as precárias condições de trabalho por parte de professoras e professores. Identificamos que a portaria por meio de seus critérios de pontuação aponta caminhos para um aligeiramento da formação continuada, uma vez que em sua composição pontua melhor os professores que apresentam cursos apostilados, com elevado número de horas, desvalorizando os cursos presenciais principalmente os de maior carga horária, que demandam maior esforço e sólida formação teórico/prática. Tais questões acabam por proporcionar competição entre os pares e, categorias que operam dialeticamente como a valorização e desvalorização, o prazer e o sofrimento, o individualismo e a coletividade.

Palavras-chave: Formação Continuada, Trabalho docente, Portaria de distribuição de turma e carga horária.

Abstract: The objective of this work is to analyze and bring to the debate aspects related to the process of class selection and distribution of hours of teachers of the public school system of the Federal District, which operate in the initial years. This process has been guided by an ordinance elaborated annually through discussions between government and teachers' union. We understand that this guiding instrument acquires a character of formative orientation and even an alternative to minimize the precarious working conditions on the part of teachers and teachers. We identified that the ordinance by means of its punctuation criteria points to ways of reducing the amount of continuing education, since in its composition it better scores the teachers who present a lecture course, with a high number of hours, devaluing the presential courses, mainly those with a higher load that demand greater effort and solid theoretical / practical training. Such issues eventually provide competition among peers and, dialectically operating categories such as valuation and devaluation, pleasure and suffering, individualism and collectivity.

Keywords: Continuing Education, Teaching work, Class distribution and hourly delivery order.

Resumen: Este trabajo tiene por objetivo analizar y traer para el debate aspectos relativos al proceso de elección de clases y distribución de carga horaria de los profesores de la red pública de enseñanza del Distrito Federal, que actúan en los años iniciales. Este proceso ha sido dirigido por una ordenanza elaborada anualmente por medio de discusiones entre gobierno y sindicato de profesores. Entendemos que este instrumento orientador, adquiere un carácter de direccionamiento formativo e incluso una alternativa de minimizar las precarias condiciones de trabajo por parte de profesoras y profesores. Identificamos que la ordenanza por medio de sus criterios de puntuación apunta caminos para un aligeramiento de la formación continuada, una vez que en su composición puntualiza mejor a los profesores que presentan cursos apostillados, con elevado número de horas, desvalorizando los cursos presenciales principalmente los de mayor carga horaria, que demandan mayor esfuerzo y sólida formación teórico / práctica. Tales cuestiones acaban por proporcionar competencia entre los pares y, categorías que operan dialécticamente como la valorización y desvalorización, el placer y el sufrimiento, el individualismo y la colectividad.

Palabras clave: Formación continua, Trabajo docente, Portaria de distribución de clase y carga horaria.

Introdução

O trabalho docente no atual contexto histórico é resultado de constantes modificações na organização social, das forças produtivas e de um intenso campo de disputa pela regulação da educação que refletem de forma direta, indireta e intensa a luta de classes. Embora nem sempre sejam percebidos de maneira clara os impactos dessas modificações por parte da sociedade, professoras e professores tem sofrido um inegável processo de intensificação do trabalho, culpabilização, responsabilização, perda de autonomia, influenciado(s) por mecanismos externos de regulação que interferem diretamente na organização do trabalho e da atividade docente.

Nesse sentido, como fruto de constantes indagações considera-se válido o desenvolvimento de discussões e análise do processo de distribuição de carga horária e escolha de turmas, dos professores da rede pública do Distrito Federal. Embora estejamos tratando de um caso específico, o modelo desse tipo de portaria se repete, mesmo que com algumas modificações em diferentes estados e municípios e podem direcionar para diferentes tipos de formação, bem como intensificar um processo competitivo na luta por melhores condições de trabalho e fuga de um processo de trabalho a cada dia mais precarizado.

A portaria anual de escolha de turmas é um documento da Secretaria de Educação do Distrito Federal que regulamenta a distribuição de carga horária, a escolha de turmas e o quantitativo de Coordenadores Pedagógicos em toda a rede de ensino público, entre outras determinações. Este documento é pautado por questões de regulação do trabalho docente por parte do governo e também regulamenta como deve estar organizado o horário extraclasse destinado para planejamento e formação e demais atribuições do professor, denominado de “Coordenação Pedagógica”.

A atual Portaria nº 446 de 19 de dezembro de 2016, prevê que às quartas-feiras as coordenações sejam coletivas5 e às segundas-feiras e às sextas-feiras destinadas à coordenação pedagógica individual, podendo ser realizada fora do ambiente da unidade escolar, e as terças ou quintas-feiras destinadas à formação continuada, presencial, reconhecida pelo Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE. Caso o professor não esteja em formação continuada, esse (s) dia (s) são destinados à coordenação pedagógica individual na escola.

Delimitamos um marco temporal para discussão as portarias de 2004 a 2017, e mais detalhadamente os anos de 2011 a 2017, períodos do último governo (Agnelo Queiroz) e do governo atual (Rodrigo Rollemberg). Abordaremos o processo de escolha de turmas em que participam professoras e professores da Educação Básica que atuam nos Anos Iniciais com carga horária 40h semanais.

Nesse sentido o presente artigo tem como objetivo analisar e trazer para o debate aspectos relativos ao processo de escolha de turmas e distribuição de carga horária no Distrito Federal, destacando de que forma esse tipo de portaria favorece ou desfavorece, intensifica ou facilita a atividade de professoras e professores da rede pública. Bem como questões referentes às relações dialéticas que podem fazer parte desse processo de escolha como a satisfação e a insatisfação, o prazer e o sofrimento, a valorização e desvalorização do processo de formação e o acirramento do individualismo entre os pares. Inicialmente faremos uma breve discussão de algumas categorias do trabalho docente que favorecerão a nossa análise e suas relações com a formação continuada. Em seguida apresentaremos alguns aspectos da portaria por meio da análise fundamentada nas categorias que permeiam o trabalho docente.

Os Jogos Vorazes entre professoras e professores: a disputa por formação ou por melhores condições de trabalho?

O fim do ano letivo no Distrito Federal é marcado por inseguranças entre professoras e professores, deve-se ao fato da indefinição do futuro, de qual turma que trabalharão no ano seguinte. No Distrito Federal aplica-se o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) em um sistema de ciclos. O Bloco de Alfabetização compreende o 1º, 2º e 3º ano e os professores que trabalham nessa etapa são bonificados com uma gratificação denominada Gratificação de Atividade de Alfabetização - GAA. Tal gratificação gera um verdadeiro processo de competição na escolha de turmas, professoras e professoras desenvolvem uma verdadeira corrida por certificações que os deixarão em uma posição privilegiada nesse processo de escolha. No início do ano letivo acontecem as primeiras reuniões pedagógicas, o processo de distribuição de carga horária e de escolha de turmas. Tal processo chega a ser encarado e comparado por meio de brincadeiras a um verdadeiro “Jogos Vorazes”6, que se justifica pelo acirramento e a competição entre professores no processo de escolha de turmas.

Além disso, consideramos o processo, se analisado além de sua aparência, marcado por uma fuga de condições de trabalho ainda precárias, desvalorização da atividade docente, desvalorização salarial e demandas de uma classe que vive do trabalho, caracterizando-se de fato como um verdadeiro jogo de sobrevivência. A diferença salarial faz com que muitos docentes optem por atuar na alfabetização, aumentando a busca por cursos que deem maiores pontuações no processo de escolha de turmas. Esse fator acirra a competição entre os docentes, que além de concorrerem por melhores salários podem também escolher o turno de regência de classe, aspecto que integra o contexto de melhores condições de trabalho.

Nesse sentido para melhor compreensão do debate consideramos necessário apresentar os principais aspectos da portaria, bem como as mudanças que ocorreram em seu processo de elaboração nos diferentes governos.

Para este trabalho, optamos por realizar uma pesquisa de análise documental, pois entendemos que ao analisar criticamente a sistematização, a seleção de dados e de informações das portarias de distribuição de carga horária, podemos compreender melhor a realidade a qual nos propomos pesquisar, não só pelo contexto, mas principalmente porque “Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador.” - assim afirmam Lüdke e André (1986, p. 39).

Ampliando nossa percepção acerca da proposta do estudo, Gil (2008, p. 147) aborda ainda que “Para fins de pesquisa científica são considerados documentos não apenas os escritos utilizados para esclarecer determinada coisa, mas qualquer objeto que possa contribuir para a investigação de determinado fato ou fenômeno”. Nossa opção pela análise documental nos investiu de informações na busca da compreensão das condições objetivas e subjetivas que envolvem o momento da escolha de turmas dos professores dos Anos Iniciais.

Até o ano letivo de 2004 o principal critério para a escolha de turmas era prioritariamente o tempo de serviço na Secretaria de Educação do DF, considerando uma pontuação maior para os professores regentes com maior tempo de atuação na atual Unidade Escolar. A partir da Portaria nº 26, de 03 de fevereiro de 2005, passou a ser exigida formação específica para atuação nas classes do Ensino Especial. Assim, os professores que comprovaram ter realizado cursos específicos para o Ensino Especial recebiam maior pontuação no processo estabelecido por tal portaria.

Durante a implantação do Bloco Inicial de Alfabetização – BIA7, a Portaria nº 34 de 07 de fevereiro de 2007 acrescentou aos critérios de escolha de turma uma pontuação maior para professores com experiência em turmas de alfabetização com entrevistas para aqueles que desejassem atuar em uma turma do BIA. Neste mesmo ano, o Sindicato dos professores – SINPRO passou a integrar as comissões do Governo para a elaboração de portarias e demais leis destinadas à docência e a partir de 2010, o SINPRO elabora um tutorial, esclarecendo dúvidas sobre as Portarias expedidas que norteiam a escolha de turmas.

Em 2008, com a Portaria nº 27 de 01º de fevereiro de 2008, acrescentou-se aos critérios para a escolha de turma, além do tempo de serviço na SEEDF, a pontuação por formação acadêmica (graduação, especializações Lato Sensu e Stricto Sensu) e demais cursos de formação na área de educação para todos os docentes. No entanto, observamos que a pontuação para a qualificação profissional era baixa, como demonstra as informações no quadro 1:

Pontuação dos Professores para
Escolha de Turmas
Quadro 1
Pontuação dos Professores para Escolha de Turmas
Elaborada a partir das informações da portaria nº 27 de 01º/02 de 2008.

A tabela demonstra alguns critérios para a pontuação, referente à atividade docente que é multiplicada quantidade de anos de atuação do professor. Podemos perceber que a pontuação por títulos tem um valor baixo em relação aos anos de experiência docente, não sendo atrativo para os critérios de escolha de turma a obtenção de titulação de mestrado e doutorado, por exemplo.

Convém observar que dentre a pontuação atribuída à titulação acadêmica, a diferença entre a especialização e o doutorado é mínima, considerando o nível de aprofundamento teórico e metodológico que se exige em cada uma das etapas da pós-graduação. A desvalorização dos títulos nos critérios para escolha de turmas reflete no perfil da formação dos docentes da rede, onde a maioria tem apenas a especialização. A busca por formação está diretamente ligada à busca por melhores condições de trabalho. Nesse sentido, a função imediata da certificação se revela nas condições estabelecidas pelas portarias ao passo que a formação com função de transformar a prática docente encontra-se em segundo plano e, portanto, com menor destaque.

No Distrito Federal, através do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais em Educação (EAPE)8 são ofertadas para todos os profissionais da Rede Pública oficinas, palestras e cursos de capacitação na sede da instituição e nas Coordenações Regionais de Ensino atendendo aos professores e demais profissionais das escolas públicas. De acordo com a pesquisa de Lagar, à EAPE compete, dentre outros:

[...] coordenar e implementar a formação continuada dos profissionais da educação do DF; disseminar, na rede pública de ensino, pesquisas e experiências educacionais significativas; realizar e/ou coordenar pesquisas, estudos e experiências com foco na formação continuada dos profissionais da educação; propor parcerias com instituições públicas e privadas para a promoção da formação continuada ao seu público-alvo; elaborar, acompanhar, executar e avaliar seu plano de ação; aprovar e acompanhar propostas de cursos e eventos oriundos das instituições educacionais vinculadas à SEDF, bem como de outras instituições parceiras. (BRASÍLIA, 2012, p. 86).

Neste sentido, a EAPE programa cursos de formação continuada que são ofertados semestralmente, que podem ser elaborados pela própria EAPE, em parcerias com outras secretarias do Governo de Brasília e/ou instituições, com o objetivo de atender a demanda da Secretaria de Estado de Educação (SEEDF). Os cursos podem ser na modalidade presencial ou semipresencial e os professores podem se inscrever pelo site9 da instituição. Cabe ressaltar que não há custos para participação nos cursos e, através do site da EAPE, o profissional tem acesso a lista dos cursos ofertados e preenche uma pré-inscrição, pois neste período ele concorre a uma vaga, uma vez que as vagas são limitadas. Os critérios para seleção são definidos e divulgados previamente e “No caso de empate, serão obedecidos os critérios: primeiro, o tempo de serviço efetivo na SEEDF e, segundo a idade (dando prioridade ao candidato que apresentar a maior).” (LAGAR, 2012, p. 87).

No caso dos profissionais das carreiras de magistério público (professores, professoras e orientadores educacionais), a participação poderá ocorrer em apenas um curso e no horário de Coordenação Pedagógica. Ao final da formação, os cursistas podem fazer a avaliação do curso via site da instituição, na aba “Avaliação” que direciona para um ambiente virtual específico, onde também é possível imprimir o certificado de conclusão.

A EAPE ainda credencia instituições externas que ofertam cursos, em sua maioria, na modalidade à distância. São cursos modulares de temáticas variadas, com carga horária que podem compreender de 20h até 300h, que vão desde a gestão escolar, perpassando pela educação inclusiva, práticas pedagógicas, dentre outros. No site da EAPE a instituição pode ter acesso às informações sobre a validação de cursos, que necessariamente passará por uma comissão que fará uma análise sobre a proposta do curso, para uma possível aprovação de oferta. Anualmente a EAPE publica uma lista das instituições e cursos autorizados, os certificados destes cursos são aceitos para compor a pontuação dos professores e professoras no processo de escolha de turmas, que é orientado pela portaria publicada anualmente pela SEEDF para este fim, objeto de estudo e análise deste trabalho. Selecionamos as Portarias de escolha de turmas no período de 2011 a 2016 para identificar as principais alterações relacionadas ao projeto de governo sobre a educação que atuava no momento (figura 1):

Alteração das portarias.
Figura 1
Alteração das portarias.
Elaborado pelos autores a partir das informações das portarias publicadas entre os anos de 2011 e 2016.

O principal ponto a ser observado está na contagem dos cursos na área de educação que, apesar dos cálculos, não limita as horas. Significa dizer que o professor pode fazer inúmeros cursos que atinjam inclusive a pontuação que a pós-graduação stricto sensu recebe. Somente em 2014 a portaria passa a limitar a carga horária dos cursos. A participação em eventos acadêmicos também passou a ser considerada em 2014, no entanto a portaria de 2016 (a mais recente) não contempla esse tipo de atividade para fins de pontuação. O mesmo ocorreu com a pontuação para servidores com deficiência.

Entendemos que o processo de elaboração das portarias de escolha de turma é um espaço de conflitos e consensos, de representações de diferentes frentes da Secretaria de Educação (professores, sindicatos, regionais de ensino, diretores escolares, entre outros). Evidencia, portanto a importância da escolha de turma para revelar a busca altamente individual e relativamente coletiva por melhores condições de trabalho.

A última portaria de distribuição de carga horária, nº 446 de 19 de dezembro de 2016 define os critérios para a escolha de turma a partir: do tempo de serviço do docente no DF, de atividades como docente em outros órgãos municipais, estaduais e federais, do tempo como dirigente de entidades de classe, de sua formação acadêmica – graduação, especialização Lato Sensu e Stricto Sensu e cursos na área educacional regulamentados pela SEEDF. Os limites das somas das cargas horárias de cursos feitos pelos professores foram assegurados em 2014 pois a “corrida” por cursos na área de educação cresce a cada ano juntamente com a competitividade entre os docentes de uma mesma escola. Existem instituições privadas (ou externas) que oferecem cursos à distância na área de educação (com preço de até R$220,00) de até 300h que são facilmente concluídos por meio de uma avaliação escrita e como troca o certificado de conclusão do curso.

O processo de distribuição de carga horária e escolha de turmas colocam em questão as condições de trabalho docente. A formação dos professores determinada por portarias que regulam o lócus de atuação do professor carrega em si a ambiguidade existente entre a precarização e profissionalização (ENGUITA, 1991). O acúmulo de certificados traz a ideia de maior qualificação e preparo para a atuação, o que é legitimado pela pontuação atribuída nas portarias analisadas. Esse acúmulo evidencia traços da profissionalidade enquanto forma de estar na ocupação docente, mas não é suficiente para demonstrar que o conhecimento adquirido transformará a sua prática de forma crítica.

O que se busca no primeiro momento é garantir um espaço para trabalhar com mais preparo e com maiores condições de enfrentar os processos de intensificação e precarização que continuarão existindo, seja para o professor que conseguiu escolher a turma que realmente queria quanto para aquele professor que não conseguiu a turma desejada e que terá mais um ano para se preparar, seja para um novo processo de escolha de turma ou para a sua atuação em sala de aula, considerando todas as adversidades previstas. Nem sempre as duas formas de preparação andam juntas.

O processo de escolha de turmas visa à racionalidade e a preservação dos princípios da Administração Pública, isto é, legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência. Reconhecemos a importância de um instrumento regulador que norteie o processo considerando a dimensão quantitativa de escolas e professores da Rede Pública do Distrito Federal. Dada essa dimensão, também é possível dizer o quão complexo esse processo se constitui, seja em nível de planejamento quanto de execução.

É na relação entre planejamento e execução da portaria que fazemos a seguinte análise: o trabalho do professor torna-se alienado no processo de escolha de turma quando esse mesmo processo tem suas regras definidas à revelia dos professores, que anseiam a cada ano pelas diretrizes contidas nesse documento para só então definirem o seu trabalho no ano seguinte. Essa alienação está inserida no contexto das condições de trabalho do professor e da busca incessante por alternativas que minimizem os efeitos da intensificação e precarização do seu trabalho.

Assim, o trabalho docente e suas condições de trabalho consideradas no contexto da portaria de escolha de turmas vive a dualidade entre a satisfação e insatisfação. A satisfação de conseguir a turma que deseja e ao mesmo tempo a insatisfação daquele professor que, apesar da formação, não conseguiu atingir a pontuação suficiente para conquistar o espaço de trabalho desejado. Esse fato também está ligado com a relação entre prazer e sofrimento, inerente ao trabalho docente. A escolha de turma torna-se uma conquista individual e prazerosa a nível subjetivo, onde o professor foi beneficiado pelos seus próprios méritos. Mas esse mesmo professor também vive o lado do sofrimento ao pensar que no ano seguinte todo processo de escolha de turma voltará a acontecer, sem garantia de manutenção das regras.

Assim, a busca por formação para se adequar a uma normativa inverte a lógica da formação e potencializa o individualismo entre os pares. A escola enquanto espaço coletivo e político pode propiciar ações conjuntas com propósito de fortalecer a comunidade escolar e os sujeitos atores do processo educativo. A partir do momento em que os professores disputam vagas dentro do próprio espaço de trabalho, o senso individualista e meritocrático ganham espaço em detrimento da colaboração e da emancipação coletiva dos pares.

Considerações Finais

Compreendemos que a portaria no contexto atual tem sido elaborada como um marco regulatório local na tentativa de racionalizar um processo que até então apresentava um forte caráter subjetivo. Entretanto, contraditoriamente tal forma de racionalização, tem direcionado a criação e a mercantilização de cursos que atendem ao mercado educacional, o que tem fragilizado cada vez mais a formação continuada de professoras e professores. As portarias enquanto marcos regulatórios influenciam não somente professoras e professores enquanto indivíduos que vão se submeter ao processo, mas todos aqueles que estão envolvidos, sejam eles formandos ou formadores.

Com base na análise das portarias no recorte temporal realizado recomenda-se a valorização da pontuação em relação ao tipo de curso, as horas empenhadas de cada curso, a instituição, se é certificada pelo Ministério da Educação, se está em nível de mestrado ou doutorado bem como suas formas de avaliação. Além de maior critério de pontuação em relação à participação em congressos, eventos, seminários, palestras, e certificações em outros espaços de formação que possam fortalecer a formação continuada de professoras e professores.

Tal processo tem-se apresentado como um fator de sofrimento, insegurança e ansiedade a professoras e professores, o que nos permite propor sua realização ao fim de cada ano letivo, antes das férias coletivas, o que poderia não só diminuir a ansiedade, como também evitar a corrida por cursos de última hora para melhor atendimento aos critérios de pontuação da portaria.

Em condições de trabalho insuficientes e de pouca valorização. O fator de gratificação para alfabetização tem sido pontuado também no direcionamento a professores que não se sentem capacitados a exercer a docência em uma etapa tão complexa, acarretando não só em sofrimento para professoras e professoras, mas também culminado no rendimento de alunas e alunos. Se tal gratificação fosse incorporada as demais etapas dos anos iniciais e educação infantil, além de ter se caracterizar como uma estratégia de valorização, diminuiria a competição entre pares por essas turmas e um melhor convívio e valorização do coletivo.

Por fim, mas como início de debate em relação a um processo de racionalização de escolha permeado por contradições, considera-se a necessidade do resgate de sentido do trabalho docente, como forma de resistência aos constantes processos de intensificação, precarização e desvalorização da atividade docente, bem como uma análise com estudos mais aprofundados sobre o que esses processos acarretam no trabalho e atividade docente. Para isso defendemos uma formação inicial e continuada sólida, pautada em uma perspectiva de emancipação e de unidade enquanto categoria de professoras e professores bem como a necessária articulação da categoria em busca da valorização da formação inicial e continuada na luta por melhores condições de trabalho, contra a precarização e intensificação do trabalho docente.

Referências

BRASÍLIA. Secretaria de Estado de Educação. Governo do Distrito Federal. Portaria nº 446, de 19 de dezembro de 2016. Dispõe sobre o Procedimento de Distribuição de Turmas/ Carga Horária e Atribuição de Atendimentos/ Atuação dos servidores integrantes da Carreira no Magistério Público do Distrito Federal e do Serviço Especializado de Apoio à Aprendizagem em exercício nas unidades escolares da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal e nas unidades parceiras. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 20 dez. 2016. p. 23-28.

_____. Portaria nº 28, de 18 de fevereiro de 2016. Dispõe sobre o Procedimento de Distribuição de Turmas/Carga Horária e Atribuição de Atendimentos/Atuação dos servidores integrantes da Carreira Magistério Público do Distrito Federal, em exercício nas unidades escolares da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal e nas unidades parceiras. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 19 fev. 2016. p. 9-13.

_____. Portaria nº 284, de 31 de dezembro de 2014. Dispõe sobre os critérios para Distribuição de Carga Horária, os procedimentos para a escolha de turmas e para o desenvolvimento das atividades de coordenação pedagógica e, ainda, os quantitativos e requisitos para o exercício das atividades dos Coordenadores Pedagógicos Locais, para os servidores da Carreira Magistério Público do Distrito Federal, em exercício nas unidades escolares da rede pública de ensino do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 31 dez. 2014. p. 13-22.

_____. Portaria n° 12, de 24 de janeiro de 2014. Dispõe sobre os critérios para Distribuição de Carga Horária, os procedimentos para a escolha de turmas e para o desenvolvimento das atividades de coordenação pedagógica e, ainda, os quantitativos de Coordenadores Pedagógicos Locais, para os servidores da Carreira Magistério Público do Distrito Federal em exercício nas unidades escolares da rede pública de ensino do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 28 jan. 2014. p. 05-15.

_____. Portaria n° 29 de 29 de janeiro de 2013. Dispõe sobre os critérios para Distribuição de Carga Horária, os procedimentos para a escolha de turmas e para o desenvolvimento das atividades de coordenação pedagógica e, ainda, os quantitativos de Coordenadores Pedagógicos Locais, para os servidores da Carreira Magistério Público do Distrito Federal em exercício nas unidades escolares da rede pública de ensino do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 01 fev. 2013. p. 10-20.

_____. Portaria nº 27, de 2 de fevereiro de 2012. Dispõe sobre os critérios para Distribuição de Carga Horária, os procedimentos para a escolha de turmas e para o desenvolvimento das atividades de coordenação pedagógica e, ainda, os quantitativos de Coordenadores Pedagógicos Locais, para os servidores da Carreira Magistério Público do Distrito Federal em exercício nas unidades escolares da rede pública de ensino do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 06 fev. 2012. p. 10-22.

_____. Portaria n.º 06, de 03 de fevereiro de 2011. Estabelece critérios para a distribuição de carga horária aos professores em exercício nas instituições educacionais da Rede Pública de Ensino e nas conveniadas. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 04 fev. 2011. p. 02-11.

_____. Portaria nº 27, de 1° de fevereiro de 2008. Aprova critérios para a distribuição de Carga Horária. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 11 fev. 2008. p. 05-11.

_____. Portaria nº 34 de 07 de fevereiro de 2007. Altera os artigos. 3º, 8º, 10, 19, 20, 37, 38,44 e 55 da Portaria nº 30, de 06 de fevereiro de 2004, que dispõe sobre critérios para distribuição de carga horária nas instituições educacionais da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal e dá outras competências. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 08 fev. 2007. p. 05.

_____. Portaria n.º 26, de 03 de fevereiro de 2005. Dispõe sobre critérios para distribuição de carga horária nas Instituições Educacionais da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, 04 fev. 2005. p. 09-12.

BRASÍLIA. Secretaria de Estado de Educação. Subsecretaria de Educação Básica. Diretrizes pedagógicas – bloco inicial de alfabetização. Brasília: SEEDF, 2012.

ENGUITA, M. F. A ambiguidade da docência: entre profissionalismo e a proletarização. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, p. 41-61, jan. 1991.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.

LAGAR, F. M. G. Formação continuada de professores da secretaria de educação do Distrito Federal (2009 -2011): a percepção docente, 2012, 196 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

Notas

1 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB). Professora da Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa Profissão Docente: Formação, Saberes e Práticas (GEPPESP). E-mail: maira.vaf@gmail.com
2 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB). Professor da Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal (SEEDF). Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre formação e atuação de professores Pedagogos (GEPFAPe). E-mail: fernandossousa@msn.com
3 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB)Professora da Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF).. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre formação e atuação de professores Pedagogos (GEPFAPe). E-mail: danyelamedeiros@yahoo.com.br
4 Mestre e Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB). Professora do Instituto Federal de Brasília (IFB).E-mail: jcmjennifer@gmail.com
5 Reunião com os docentes por área, geralmente organizada pela equipe gestora e/ou Coordenador Pedagógico, para tratar de assuntos pertinentes a rotina escolar.
6 Filme Hollywoodiano em que personagem participam de um jogo anual transmitido em rede nacional e lutam para sobreviver após passar por intensas provas de resistência.
7 O BIA – Bloco Inicial de Alfabetização foi introduzido nos três primeiros anos para a ampliação do Ensino Fundamental para 9 anos e apresenta uma organização escolar em ciclos de aprendizagem, assim, preconiza uma unidade escolar que proporcione o avanço de todos com a qualidade de aprendizagem e respeito às questões individuais dessas aprendizagens (Diretrizes Pedagógicas do BIA. SEEDF, 2ª edição, 2012, p.8-9).
8 Centro de Formação de Profissionais de Educação da Secretaria de Educação do DF.

Autor notes

Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB). Professora da Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa Profissão Docente: Formação, Saberes e Práticas (GEPPESP).
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB). Professor da Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal (SEEDF). Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre formação e atuação de professores Pedagogos (GEPFAPe).
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB)Professora da Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF).. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre formação e atuação de professores Pedagogos (GEPFAPe).
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