A crença na inferioridade moral e intelectual das crianças pobres em Portugal: um ponto de viragem
DOI:
https://doi.org/10.5212/Rev.Hist.Reg.v.29.23741Palavras-chave:
Pobreza Infantil, Higienismo, Darwinismo Social, Regeneração da famíliaResumo
Em Portugal, o combate à pobreza na infância era entendido como essencial, não só para debelar os “males sociais”, à luz dos novos preceitos higienistas, mas também como defesa de uma conceção de aperfeiçoamento da raça. A moralização dos pobres desde a infância impunha-se, então, como uma responsabilidade do Estado, obrigando à criação de instituições de assistência educativa social e higiénica, tendo por base conceções cientistas e pedagógicas que não escapavam às influências darwinistas e eugénicas. Vão no mesmo sentido as pedagogias corretivas então dominantes, centradas em respostas no domínio da educação moral e terapêutica para crianças em situação de pobreza, quando muitas das suas insuficiências eram sociais e ambientais. O propósito deste trabalho pretende explicar a emergência e a trajetória das políticas sociais de combate à pobreza infantil invocando o papel central dos políticos na receção das ideias, da ciência e do conhecimento produzido sobre a infância durante a I República em Portugal. Concretamente, pretende-se aqui colocar em evidência o contexto social, político e cultural de emergência da Lei de Proteção da Infância de 27 de maio de 1911. É nossa intenção estabelecer convergências ou divergências entre as influências teóricas do darwinismo social de Herbert Spencer e a oportunidade de criação de uma Lei que ainda hoje é considerada significativa e um marco histórico em matéria de direitos e proteção das crianças.
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