Mon, 14 Oct 2024 in Revista Práxis Educativa
O ensino de Matemática em uma perspectiva dialógica: um curso sobre a Educação de Jovens e Adultos para licenciandos
Resumo
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) nem sempre é entendida e desenvolvida de forma adequada. Muitas vezes, ela é tomada como medida compensatória quando, na verdade, é um direito social. O presente artigo tem o objetivo de investigar as contribuições do desenvolvimento da dialogicidade freireana, por meio de um curso extracurricular, na formação inicial de docentes de Matemática para atuação na EJA. O curso foi desenvolvido no Instituto Federal Fluminense (IFF), campus Campos Centro, com nove licenciandos em Matemática que integravam o Programa de Residência Pedagógica da Capes de 2020. A elaboração e a aplicação do curso embasaram-se na concepção pedagógica Progressista Libertadora, fundamentada por Paulo Freire. A metodologia utilizada foi aplicada, qualitativa e exploratória. Diante da análise dos resultados, foi possível considerar que o curso promoveu diversas contribuições na formação inicial dos participantes e que há a possibilidade de a formação suscitar novos diálogos em outros contextos.
Main Text
Introdução
O pensamento político sobre a educação no Brasil, ao longo da história, não foi voltado para todas as pessoas, isso fica evidente na desigualdade de oferta de educação escolar entre as diferentes classes sociais. Há, por um lado, os que são educados para ocupar espaços de trabalho melhor remunerados. Por outro lado, parte da população vive em espaços precarizados, com acesso limitado à educação e com desfavoráveis condições de trabalho.
Assim, faz-se necessária uma mudança social atrelada à educação, que deve ser efetivada por meio de um ensino emancipador e libertador no Ensino Regular e na Educação de Jovens e Adultos (EJA), permitindo ao educando perceber e combater essas questões excludentes às quais ele é submetido diariamente. Quando analisamos essas questões segregadoras, percebemos uma maior incidência na EJA, que acaba sendo preterida em relação ao Ensino Regular em diversos aspectos.
Nesse sentido, neste artigo, procuramos investigar as contribuições do desenvolvimento da dialogicidade freireana, por meio de um curso extracurricular, na formação inicial de docentes de Matemática para atuação na EJA. A fim de alcançar esse objetivo, foi traçado o perfil metodológico de natureza aplicada, qualitativa e exploratória. A seguir, serão apresentadas as seções do artigo: fundamentação teórica, procedimentos metodológicos, análise dos resultados e considerações finais.
Fundamentação teórica
A partir da compreensão de que a fundamentação teórica é basilar para a pesquisa científica, foi realizada, além da pesquisa documental, uma pesquisa bibliográfica sobre a EJA, sobre Paulo Freire e a sua relação com a EJA e sobre o ensino de Matemática em uma perspectiva dialógica.
Educação de Jovens e Adultos: características, demandas e especificidades
A EJA no Brasil passou por vários atravessamentos ao longo das décadas. As políticas públicas destinadas a essa modalidade de ensino têm sido insuficientes para contemplar as demandas e as especificidades de seus discentes e docentes. De certo, essas questões estão associadas à gênese da segregação social, que limita e impede a classe trabalhadora de ter acesso aos seus direitos e de alcançar a sua libertação. Como consequência dessa conjectura, há a exclusão dos estudantes do ambiente escolar. Essa exclusão se dá quando o educando precisa escolher entre o estudo e o trabalho, ou quando permanece anos na mesma série sem que as suas dificuldades sejam consideradas.
A princípio, cabe analisarmos o histórico da EJA no Brasil. Friedrich et al. (2010) trazem uma reflexão a respeito dessa modalidade de ensino ao longo das décadas, afirmando que ela foi pensada como uma tentativa de solução ao analfabetismo e à falta de qualificação de mão de obra necessária em cada época, bem como sendo caracterizada como compensatória, emergencial e supletiva ao longo dos anos. Sob a análise de Arroyo (2006, p. 23), os educandos da EJA: “São jovens e adultos que têm uma trajetória muito específica, que vivenciam situações de opressão, exclusão, marginalização, condenados à sobrevivência, que buscam horizontes de liberdade e emancipação no trabalho e na educação”.
Dessa forma, a escolarização de jovens e adultos, segundo Friedrich et al. (2010, p. 402), ocorre por meio de iniciativas praticadas pelo Estado com o intuito de prestar contas acerca da erradicação do analfabetismo à comunidade internacional. Em vista disso, percebemos que a finalidade da EJA, em algumas ações, não é a oferta de uma educação de qualidade, mas uma forma de, mundialmente falando, “melhorar” a imagem do país.
Nesse sentido, é importante estruturar uma EJA feita com o povo, valorizando os conhecimentos formais e informais na construção de uma prática de ensino que atenda à diversidade e à multiplicidade dos saberes vividos, das experiências e da historicidade de cada sujeito, valorizando o aprendizado para a vida e ao longo da vida. Portanto, uma concepção de ensino que defende e viabiliza educação de qualidade para todas as pessoas, respeitando as demandas e as especificidades de cada modalidade, é necessária nos processos de luta por políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento de práticas de ensino democráticas e inclusivas. Essas questões podem ser efetivadas por meio do ensino problematizador e libertador proposto por Paulo Freire.
Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos
Embora Paulo Freire tenha sido um nome de enorme relevância para a educação como um todo, vale ressaltarmos as suas contribuições para a EJA no que diz respeito à alfabetização, bem como a construção das relações horizontalizadas entre educador e educando e a descodificação do mundo.
A presença de Paulo Freire é forte referência na educação de jovens e adultos, o que implica dizer que há influências do seu pensamento no modo de propor a educação para o público jovem e adulto, embora muitas vezes as formulações e as práticas ainda não revelem os efeitos dessa referência (Paiva, 2006, p. 533).
Freire inaugurou uma EJA baseada na humanização, na libertação e no diálogo, em que não se buscava um ensino baseado apenas em conteúdos propedêuticos, mas na construção de uma abordagem conscientizadora e problematizadora, objetivando uma leitura de mundo e não apenas de palavras, buscando uma aprendizagem para a vida e não somente para a escola. O legado de Paulo Freire atravessa questões educacionais e sociais, que são associadas aos processos de ensino e aprendizagem, pois, à medida que Freire buscava a libertação das pessoas por meio da educação, ele também estava preocupado com a dignidade e os direitos dessas pessoas.
O diálogo é indispensável para o desenvolvimento de uma educação socialmente engajada. Para Paulo Freire (2021), por meio da dialogicidade, desenvolvemos nossa leitura de mundo, fundamental para a tomada de consciência e para a prática de liberdade. De acordo com Passos (2019, p. 285), “[...] a leitura do mundo e da palavra é, em Freire, direito subjetivo, pois, dominando signos e sentidos, nos humanizamos, acessando mediações de poder e cidadania”. A dialogicidade demanda construções discursivas lúdicas, sem anseios de dominação, mas de trocas respeitosas e democráticas, em que o professor não constrói para o aluno, mas, sim, com o aluno, não se colocando contrário a situações explicativas ou narrativas, mas salientando a importância de que professor e alunos entendam que a postura deles é dialógica, colaborativa e livre, em detrimento de uma perspectiva passiva durante os processos de ensino e aprendizagem (Freire, 2022). Segundo Xavier, Dias e Freitas (2022, p. 7),
[...] no âmbito das turmas de EJA, o exercício de reflexão sobre a práxis das palavras faladas nos diálogos entre os sujeitos seria uma possibilidade de os professores melhor compreenderem as realidades, as diferenças e os atravessamentos das histórias de vida dos estudantes. A escuta atenta dos saberes dos jovens, adultos e idosos, pode encaminhar a construção de práticas curriculares mais próximas de suas realidades, assim como permitir que eles reflitam criticamente sobre suas situações reais.
Dessa forma, o educador que atua na EJA deve compreender o desenvolvimento da dialogicidade em sala de aula como caminho para a construção de um espaço de trocas, considerando que os alunos da EJA, ainda que não tenham necessariamente conhecimentos escolares, têm vivências e leituras imprescindíveis para os processos de ensino e aprendizagem.
É de suma importância que essas questões sejam estudadas e trabalhadas desde a formação inicial dos professores, com vistas a promover um estudo detalhado sobre as práticas de ensino e seu desenvolvimento, em que os educadores entendam a importância dessa abordagem e os seus reflexos na educação.
O ensino de Matemática na EJA sob a perspectiva dialógica de ensino
O ensino de Matemática apresenta demandas específicas no que diz respeito à abordagem, à aprendizagem e à prática em sala de aula. A disciplina está geralmente associada a dificuldades e defasagens ao longo da vida escolar dos alunos. Na EJA, essa situação apresenta um agravamento.
Cabe ressaltarmos que, além dessas questões, no ensino de Matemática na EJA, há situações em que a problemática está relacionada à metodologia adotada. A resolução de questões matemáticas em atividades rotineiras pode se tornar difícil se a metodologia de ensino não dialogar com as demandas dos educandos, se o conhecimento informal dos alunos não for também valorizado (Freitas et al., 2022). Além disso, os educandos possuem defasagens desde a alfabetização, que vão sendo somadas às dificuldades nas séries seguintes, gerando um constante crescimento de dúvidas e dificuldades na disciplina. Por isso, inserir o educando nos processos de ensino e aprendizagem por meio de uma abordagem de ensino crítica e participativa mostra-se essencial para o desenvolvimento de uma aprendizagem para múltiplos aspectos da vida.
Pesquisas recentes indicam como um dos caminhos para tentar amenizar essas questões, a organização de grupos de estudo compostos por educandos com níveis de conhecimento matemático semelhantes, permitindo que cada grupo estude em um ritmo, além de oferecer suporte direcionado aos alunos com mais dificuldade (Guerra; Costa; Melo, 2023). Ademais, o educador de jovens e adultos que ensina Matemática deve considerar em sua abordagem várias questões que atravessam a modalidade como, por exemplo, a idade cronológica, que proporciona vivências e relações que ainda não foram vividas por crianças e adolescentes e podem ser utilizadas em sala, os conhecimentos que os educandos construíram ao longo das suas práticas diárias e os seus posicionamentos a respeito dos assuntos abordados.
Nesse sentido, a concepção Progressista Libertadora propõe uma EJA que dá voz aos educandos, que partilha o conhecimento, que constrói com e não para eles, valorizando a formação para a vida, o pensamento crítico e os conhecimentos dos alunos.
Na perspectiva progressista, o que devo fazer é experimentar a unidade dinâmica entre o ensino do conteúdo e o ensino do que é e de como aprender. É ensinando matemática que ensino também como aprender e como ensinar, como exercer a curiosidade epistemológica indispensável à produção do conhecimento (Freire, 2022, p. 122).
Portanto, para o desenvolvimento de uma abordagem de ensino que vise à promoção de aprendizagens que permitam aos educandos compreender, de fato, os conhecimentos matemáticos e não os reproduzir de forma automática, além de promover uma abordagem libertadora, é importante considerar a abordagem dialógica de ensino na construção da aprendizagem. Assim, é fundamental que questões associadas à dialogicidade sejam trabalhadas desde a formação inicial dos educadores para que eles tenham a oportunidade de refletir e construir a sua prática docente antes da atuação em sala de aula.
Procedimentos metodológicos
A abordagem metodológica do trabalho é vinculada a ações que venham tentar minimizar as questões que assolam a EJA, portanto, quanto à utilização dos resultados, é aplicada, pois, como descrito por Gil (2008, p. 27), ela “[...] tem como característica fundamental o interesse na aplicação, utilização e consequências práticas dos conhecimentos”.
Como todo o trabalho foi baseado na observação e na compreensão de fatores que não podem ser mensurados, como sentimentos, experiências e vivências, quanto à natureza do método, a pesquisa é qualitativa, pois, segundo Silveira e Córdova (2009, p. 33), os pesquisadores que trabalham com métodos qualitativos buscam explicações, salientando o que deve ser realizado, sem quantificar as informações obtidas e optam por várias abordagens.
Durante o processo de experimentação, a interação dos sujeitos da pesquisa em todas as fases do processo foi de suma importância para o desenvolvimento do trabalho, desse modo, quanto aos meios, configura-se como pesquisa-ação porque, de acordo com Gil (2008, p. 31), possui o “[...] envolvimento dos pesquisadores e dos pesquisados no processo de pesquisa”, buscando alcançar resultados socialmente relevantes.
Pesquisa bibliográfica e documental também compõem o processo metodológico desta investigação que buscou entender melhor o que estava sendo estudado e, a partir disso, desenvolver novas abordagens. Portanto, quanto aos fins, a pesquisa é definida como exploratória. Segundo Moreira e Caleffe (2008, p. 69), esse tipo de pesquisa visa entender de forma mais ampla a situação que está sendo estudada, buscando delimitar e definir o que será pesquisado futuramente.
Os sujeitos da pesquisa foram nove licenciandos em Matemática de um Instituto Federal que integravam o Programa de Residência Pedagógica, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), de 2020. Eles foram convidados a participar da elaboração e da aplicação de um curso extracurricular pautado na utilização da dialogicidade freireana na formação inicial de professores de Matemática que poderão atuar na EJA. No momento do convite, foram explicados a relevância da participação na pesquisa e os impactos na futura prática docente deles e nos trabalhos desenvolvidos no Instituto.
O projeto que deu origem a este artigo foi submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa3 (CEP), e somente após a aprovação pelo Comitê é que a pesquisa foi aplicada. Os riscos relacionados à pesquisa foram mínimos e apresentados anteriormente aos participantes, eles estavam vinculados ao tempo de exposição à tela durante a leitura dos materiais que foram disponibilizados no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA); ao cansaço destinado à participação nas atividades que foram propostas nos grupos focais e nos encontros do curso; e a algum tipo de inibição ao responder questões eventualmente consideradas um pouco mais delicadas para alguns participantes.
Para evitar ou minimizar os riscos, foram realizadas apenas ações restritas, vinculadas à percepção dos participantes em relação ao assunto deste estudo, buscando não gerar impactos psíquicos, morais ou físicos. A pesquisa foi aplicada em um local reservado e com a garantida de liberdade aos participantes de não responderem questões que eles considerassem invasivas, bem como a escolha de não realizar atividades que lhes causassem fadiga, cansaço ou qualquer outro malefício. Vale ressaltarmos que, em todas as etapas da pesquisa, o anonimato dos participantes foi garantido e a confidencialidade das respostas também.
Após o aceite, os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) impresso com todas as informações necessárias para a participação na pesquisa, entre elas: justificativa, objetivos, benefícios para os participantes, informações do curso, metodologia do curso, riscos, garantia de confidencialidade no processo, entre outros. A aplicação do projeto aconteceu sem a necessidade de suspensão das atividades, já que não foram observados ou relatados quaisquer danos aos participantes, à pesquisadora, à sua orientadora ou à Instituição.
Em relação aos instrumentos de coleta de dados, foram realizados dois grupos focais - o primeiro de caráter diagnóstico e o segundo como espaço de síntese e de avaliação das ações coletivamente executadas - e um diário de bordo para registrar todas as informações associadas às etapas de experimentação da pesquisa.
No que concerne às etapas da pesquisa, o trabalho foi desenvolvido, em primeiro plano, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental - que não se restringiu apenas à fase inicial, mas ao longo de todo processo de desenvolvimento e escrita do trabalho. Em seguida, foi realizada a aproximação com o grupo focal inicial. Segundo Dias (2000, p. 3), “[...] o objetivo central do grupo focal é identificar percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos participantes a respeito de um determinado assunto, produto ou atividade”.
O grupo focal inicial deu início à fase de experimentação da pesquisa. A sua realização buscou investigar como foi o contato dos licenciandos em Matemática com a EJA durante a sua formação inicial - que já se encontrava na fase final -, analisar se houve a articulação da dialogicidade freireana com a EJA nesse contato, além de debater questões vinculadas à prática docente da disciplina Matemática na EJA.
No grupo focal inicial, os sujeitos da pesquisa evidenciaram defasagens formativas em relação à EJA e ao cotidiano das escolas de Educação Básica de uma forma geral. Além disso, revelaram que os conceitos de Paulo Freire foram trabalhados na licenciatura de forma fragmentada. Os dados levantados no grupo focal inicial foram considerados no planejamento do Curso, que foi revisto em diversos momentos para atender as demandas dos participantes.
Curso de formação para licenciandos em Matemática
Após a aplicação do grupo focal inicial, foram realizados quatro encontros presenciais, com duas horas de duração (cada), com a participação dos nove licenciandos em Matemática, da pesquisadora e de sua orientadora, realizados em horários sinalizados pelos alunos como disponíveis, no turno diferente do que eles realizavam as suas aulas na licenciatura.
Os encontros do curso foram elaborados para discutir a pedagogia problematizadora proposta por Paulo Freire, a dialogicidade freireana, a EJA e o ensino de Matemática na perspectiva dialógica, em busca de apresentar esses conceitos aos participantes da pesquisa sem defini-los, mas fornecendo informações necessárias para a construção de pensamentos críticos e problematizadores a respeito dos assuntos elencados.
O primeiro encontro do curso foi pautado na Pedagogia da Pergunta e nas palavras geradoras, com o intuito de promover debates e questionamentos acerca de questões que envolvem o ensino de Matemática na EJA. Ele foi dividido em quatro etapas.
Na primeira etapa, voltada para a contextualização do encontro, foi realizada a exibição do vídeo “Vida Maria”4 com intuito de promover reflexões acerca do acesso à educação. O vídeo retrata a falta de escolarização que se perpetua no seio de tantas famílias brasileiras durante décadas.
Em seguida, foi iniciada a etapa de problematização do encontro, por meio de uma roda de conversa baseada no vídeo, iniciada com a seguinte pergunta: As pessoas não estudam por falta de oportunidade ou falta de vontade? Diante disso, muitas reflexões e comentários foram criados.
A terceira etapa, destinada à experimentação da pesquisa, foi baseada em uma roda de conversa pautada na Pedagogia da Pergunta, inspirada em Paulo Freire e Antonio Faundez (2021), e recentemente desenvolvida também por Walter Kohan (2022). A Pedagogia da Pergunta propõe que toda pergunta seja respondida com uma nova pergunta, sem que os participantes do debate forneçam respostas aos questionamentos levantados.
As perguntas realizadas foram pautadas na futura prática docente, na formação inicial dos licenciandos, na importância dos começos nas fases vividas, nos alunos da EJA, entre outros assuntos. Inicialmente, os participantes apresentaram dificuldade em elaborar novas perguntas, pois sentiam a necessidade de dar respostas, mas, com o andamento da atividade, eles conseguiram elaborar novas perguntas.
Na quarta e última etapa do encontro, foi realizado um momento de síntese, por meio de uma dinâmica utilizando as “palavras geradoras” que representaram os assuntos que tiveram maior relevância no encontro - que foram citados mais vezes. Essas palavras foram escritas no quadro branco pela pesquisadora e, em seguida, os participantes criaram mapas conceituais utilizando-as.
Após a elaboração dos mapas, os participantes explicaram como decidiram relacionar as palavras e qual conexão estabeleceram entre elas. Essa atividade evidenciou como as palavras podem ser interpretadas e relacionadas de diferentes formas a partir de uma análise individual. Posteriormente à explicação da construção de cada mapa, a pesquisadora realizou um breve comentário salientando pontos interessantes de cada apresentação.
O segundo encontro do curso, intitulado “Quem são os educandos da EJA?”, teve como objetivo dialogar sobre os educandos da EJA e refletir a respeito da heterogeneidade da modalidade de ensino, dos estereótipos associados à EJA, das várias questões que impedem o acesso de algumas pessoas à educação e os perfis dos educandos da EJA, que são “divididos” entre educandos repetentes e educandos que retornaram ao ambiente escolar após alguns anos.
Como forma de agregar diferentes experiências na realização das atividades, foram utilizados os seguintes recursos: takes de episódios de série, televisão, papel cartão de três cores, fotos, caneta de quadro branco e folhas A4.
O encontro foi iniciado com a etapa de contextualização, por meio da exibição das partes finais de três episódios da primeira temporada da série “Segunda Chamada”5, que é uma série baseada em histórias ficcionais de alunos e professores da EJA, mas que, ao final de cada episódio, apresenta relatos reais de educandos que frequentaram essa modalidade de ensino. Alguns desses relatos foram apresentados aos alunos nesse momento.
Em seguida, foi iniciada a etapa de problematização, baseada na exibição de um vídeo produzido e filmado pela pesquisadora. O vídeo foi construído por meio de diversos relatos em formato de entrevistas, com educandos que frequentaram a EJA e com pessoas que não tiveram a oportunidade de concluir os seus estudos por meio dessa modalidade de ensino.
Os relatos presentes no vídeo evidenciaram a heterogeneidade da EJA em diversos aspectos, seja na idade dos educandos, que no vídeo variou entre 18 e 49 anos, ou no motivo de retorno ao ambiente escolar: conclusão da Educação Básica, que era um sonho adormecido há alguns anos, gravidez durante a realização do Ensino Médio, e o desejo de ser alfabetizada.
Uma das participantes do vídeo apresentou um relato diferente dos mencionados anteriormente. Para ela, o acesso à educação foi ainda mais inviabilizado durante a sua vida. Ela não soube precisar com quantos anos parou de estudar, pois não conseguiu quantificar essa situação, porém, diante do seu relato, ficou claro que ela não teve acesso à escola na etapa de alfabetização. Afirmou que não sabia escrever o seu nome e que tinha muita vontade de aprender, e que ao ir ao mercado sempre tinha um acompanhante para lidar com o pagamento.
Após a exibição do vídeo, foi realizado um debate acerca da heterogeneidade dos educandos da EJA, os atravessamentos que impedem o acesso de algumas pessoas à educação, além de outras questões levantadas pelos participantes.
A terceira etapa do encontro, a organização do conhecimento, foi baseada na realização de uma atividade prática com o objetivo de tratar de questões voltadas para os estereótipos dos alunos da EJA. Dessa forma, rostos de alunos da EJA (que foram obtidos por meio de prints dos episódios da série mencionada na etapa um) foram entregues aos alunos, e os relatos reais dessas pessoas sobre a sua experiência na EJA também. Em seguida, os participantes associaram cada relato ao rosto que eles julgaram estar relacionado, sem saber qualquer ligação entre eles. Posteriormente, foi fornecido o gabarito da atividade para que os participantes formulassem as suas impressões acerca da questão dos estereótipos aos quais os educandos da EJA são submetidos.
Ao final do encontro, foi realizada a síntese. Momento baseado em uma atividade em que os participantes traçaram estratégias para abordar os seguintes conteúdos matemáticos: números inteiros e fracionários, porcentagem e áreas de figuras planas, com cada “perfil” de educando apresentado a seguir:
- Educanda I - Dona de casa, mãe de quatro filhos, parou de estudar aos 15 anos para ajudar sua família nas despesas da casa e retornou ao ambiente escolar por meio da EJA com 56 anos.
- Educando II - Estudante, foi reprovado duas vezes no sétimo ano e uma vez no oitavo ano, atualmente tem 18 anos e está cursando o nono ano do Ensino Fundamental à noite.
- Educando III - Pedreiro, pai de um filho, sempre gostou de cálculos, mas não teve a oportunidade de concluir a Educação Básica na idade indicada, pois precisava trabalhar. Como possui o sonho de ser engenheiro civil, retornou ao ambiente escolar com 32 anos por meio da EJA com o intuito de concluir a Educação Básica e em seguida prestar vestibular.
Essa atividade objetivou aflorar nos participantes a sensibilidade em explicar um conteúdo matemático de forma contextualizada, utilizando os conhecimentos matemáticos informais dos alunos na construção do conhecimento matemático formal, bem como o letramento matemático, em um cenário que seja possível associar definições e conceitos matemáticos à realidade de cada aluno por meio do diálogo e da contextualização.
O terceiro encontro do curso, nomeado “Qual é o papel do educador da EJA? Como ensinar para Jovens e Adultos?”, buscou tratar questões a respeito da formação inicial docente para atuação na EJA sob a perspectiva dialógica freireana, salientando como o educador pode assumir um perfil dialógico, que permita a construção da aprendizagem pautada na troca, no debate e no incentivo ao perfil crítico e emancipador do educando.
O encontro foi iniciado com contextualização, pautado na leitura em grupo de um fragmento do livro Pedagogia da Esperança (Freire; Faundez, 2021), em que Paulo Freire aborda a questão dos “saberes” das pessoas e os leva a diversas reflexões por meio de questionamentos feitos durante o diálogo. Posteriormente, na etapa de problematização, foi realizada uma roda de conversa sobre a atuação docente na EJA, salientando a importância de provocações, trocas de informações, escutas atentas e demais ações que permitam ao educando participar da construção de sua aprendizagem de forma crítica e libertadora.
Em seguida, houve a participação do professor convidado Hudson Correa, educador da disciplina Geografia na EJA. Em sua fala, ele abordou assuntos relacionados à sua prática docente na EJA, os principais desafios e as demandas da modalidade de ensino, bem como relatos de situações vividas com os alunos. Nesse momento, houve muita troca entre o professor convidado e os licenciandos, muitas foram as questões levantadas acerca da prática docente, das inseguranças dos licenciandos, das várias experiências apresentadas pelo professor e diversas curiosidades sobre a EJA.
Ao final do encontro, foi realizada uma atividade prática baseada na criação de um “perfil” de educador que poderá atuar na EJA. Inicialmente, os participantes escolheram três ensinamentos importantes que um educador deve ter em sua formação inicial para atuar na EJA, e, em seguida, três características associadas à sua prática docente. Após o preenchimento do esquema elaborado para essa atividade, os participantes explicaram as suas escolhas e o “perfil” de educador que julgam importante para atuação na EJA.
O quarto e último encontro do curso buscou dialogar sobre as questões que constituem a modalidade de ensino EJA. Portanto, nesse encontro, as características da EJA, o seu histórico, as demandas e particularidades foram apresentados aos participantes, em consonância com conceitos freireanos e matemáticos.
Antes de tudo, foi realizada a contextualização do encontro, por meio da exibição dos seis minutos iniciais do terceiro episódio da série “Roda de Conversa - Tema: Os desafios da Educação de Jovens e Adultos”, que apresenta falas de professores a respeito de escolas que atendem apenas alunos da EJA e todas as questões que cercam esse cenário educacional.
Em seguida, iniciada a etapa de problematização, foi realizada uma fala da pesquisadora (com utilização de apresentação em PowerPoint), sobre a EJA, contemplando um breve histórico dessa modalidade, suas características de ensino que estão elencadas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996) - e a Educação Matemática na EJA.
Posteriormente, houve uma roda de conversa para debater os assuntos tratados nas etapas anteriores, com o intuito de analisar se as informações passadas já haviam sido trabalhadas na formação inicial dos participantes, além de sanar as possíveis dúvidas a respeito do tema.
Ao final do encontro, no momento de síntese, questões sobre a Educação Matemática na EJA foram trabalhadas. Nessa etapa, houve a explanação do conceito de linearidade dos conteúdos matemáticos, que está baseado na ordem em que devem ser apresentados os conteúdos aos educandos, seguindo uma forma hierárquica de apresentação.
Alguns educadores acreditam que, na EJA, a questão da linearidade pode ser uma barreira na aprendizagem e que, em alguns casos, é possível escutar o que os alunos apresentam de conhecimento matemático informal e, diante disso, “recalcular a rota” para a explicação dos conteúdos. Assim, os participantes realizaram a seguinte atividade:
Considerando que o conteúdo a ser ensinado na aula seja porcentagem, mas que alguns alunos da turma têm dificuldades ou não conseguem recordar do conteúdo proporção (que serve como base para o cálculo de porcentagem), qual método de ensino que o educador deve adotar para ensinar porcentagem aos alunos que seguiram a linearidade dos conteúdos e dominam proporção, mas sem prejudicar os alunos que não se recordam? Lembrando-se de que o professor não poderá explicar proporção e em seguida porcentagem, pois não há tempo hábil para isso, então ele deverá criar uma estratégia para explicar o conteúdo contemplando os dois grupos de alunos (Atividade do 4º encontro, 2023).
Nesse sentido, essa atividade teve o intuito de valorizar o conhecimento prévio adquirido pelos alunos e as trocas entre eles, pois, como afirmam Guerra et al. (2023, p. 1356): “Estimular o conhecimento prévio dos alunos para vincular o conteúdo matemático à realidade deles é uma estratégia que pode ser aplicada pelos educadores e que ajuda a estimular e despertar o interesse de sujeitos que buscam possibilidades de inserção na sociedade por meio da EJA”.
Os participantes formularam as suas estratégias e o seu método de ensino e apresentaram posteriormente de forma oral. Após a apresentação de cada participante, a pesquisadora teceu comentários sobre os métodos elaborados, salientando a viabilidade e a criatividade trazida por eles.
Após a finalização do curso, foi realizado o grupo focal final. Esse encontro ocorreu após a execução dos quatro encontros presenciais, com o intuito de tecer a relevância do curso ao escutar os licenciandos que fizeram parte da sua elaboração e da aplicação.
No grupo focal final, foi salientado aos participantes que eles deveriam ficar à vontade para opinar sobre o desenvolvimento do curso, bem como sobre as atividades que ocorreram ao longo dos encontros, sobre os conteúdos ensinados e as experiências vividas. Diante disso, perguntas relacionadas ao curso e à temática abordada foram realizadas. Após a obtenção das respostas dos participantes, foi possível analisar a relevância do curso na formação inicial deles.
Vale ressaltarmos que tanto o grupo focal inicial quanto o grupo focal final foram constituídos pelo mesmo grupo de licenciandos, porém o grupo focal inicial objetivou diagnosticar demandas relevantes para a elaboração e construção do curso, já o grupo focal final visou à avaliação das atividades coletivamente realizadas.
Análise dos resultados
A análise dos dados da pesquisa ocorreu por meio do diálogo com o aporte teórico construído neste trabalho, salientando as questões apresentadas pelos participantes durante a realização do grupo focal inicial e do grupo focal final, além das observações referentes aos encontros do curso que foram elencadas no diário de bordo.
Em todas as etapas, inclusive na análise dos resultados referentes à pesquisa e ao curso, foi estabelecido o diálogo com os conceitos freireanos estudados, sobretudo a dialogicidade. Nesse sentido, realizar uma análise categorizada, por meio de tabelas e instrumentos quantificadores, não teria relação com a perspectiva freireana, que é baseada na construção do conhecimento vinculado a vivências e experiências, desassociada de análises que utilizam métodos quantificadores e enumeradores.
Portanto, a análise dos dados foi realizada nessa perspectiva e baseada em temas geradores. A escolha dos temas ocorreu por meio da incidência dos assuntos mais mencionados nas falas dos participantes durante os grupos focais e nos encontros do curso. A contabilização das palavras foi realizada após a transcrição das falas gravadas durante os grupos focais e nas frases emitidas nos encontros do curso anotadas no diário de bordo. Dessa forma, foram definidos os seguintes temas geradores: formação inicial, EJA, Paulo Freire e dialogicidade.
O processo de seleção dos temas geradores como parte integrante da análise dos resultados está relacionado com a perspectiva freireana de alfabetizar jovens e adultos por meio de “palavras geradoras” pertencentes ao vocabulário dos educandos; dessa forma, os temas geradores escolhidos pertencem ao vocabulário desenvolvido durante a elaboração e o desenvolvimento do curso. Nesse sentido, em Pedagogia do Oprimido, Freire traz uma reflexão a respeito dessa construção:
Se, na etapa da alfabetização, a educação problematizadora e da comunicação busca e investiga a “palavra geradora”, na pós-alfabetização, busca e investiga o “tema gerador”. Numa visão libertadora, não mais “bancária” da educação, o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo com os educadores, reflete seus anseios e esperanças. Daí a investigação da temática como ponto de partida do processo educativo, como ponto de partida de sua dialogicidade (Freire, 2021, p. 142).
Portanto, por meio da análise dos temas geradores, foi possível estabelecer o diálogo com os conceitos que circundam esta pesquisa. Os temas geradores foram analisados em três perspectivas:, inicialmente, em relação às contribuições realizadas durante o grupo focal inicial, que buscou entender as demandas e inquietações dos licenciandos; posteriormente, em relação às falas dos participantes que foram registradas no diário de bordo durante a realização dos encontros do curso; e, por fim, em relação ao grupo focal final, que ocorreu após a aplicação do curso e teve como objetivo ouvir as impressões dos participantes sobre a aplicação do curso. A seguir, serão apresentadas as falas dos participantes nessas três perspectivas.
Grupo focal inicial
Na minha graduação, eu vi pouquíssimo, eu tive as disciplinas pedagógicas, mas eu senti que elas foram muito rasas, elas não aprofundaram esses debates, a minha formação foi muito pura, então era matemática, e cálculo o tempo todo (Participante IX).
Acho que a gente aprende muito aqui, mas quando a gente vivencia que a gente acaba vendo que no livro tá uma coisa, mas quando a gente vai pra sala de aula, dependendo da realidade que os alunos estão inseridos na escola, a gente não pode seguir à risca o que está ali. Então, acredito que essa insegurança seja normal, e todo mundo passa por isso, né? (Participante VI).
Eu particularmente me sinto menos preparado por conta dessa base que a gente não tem. Me deparei com algum problema, o que eu vou fazer? (Participante V).
Dialogamos um pouco sobre a EJA, mas muito pouco, bem superficial, o que não sanou nem um pouquinho a vontade de conhecer um pouco mais (Participante IX).
A gente prepara uma aula, mas sabe que na realidade vai fazer muito pouco daquilo que foi preparado, porque o aluno não sabe muita coisa e são vários alunos naquela sala, tem aluno jovem, tem aluno que parou e voltou depois de dez anos, tem um aluno que tá ali, que é um aluno muito bom, ele sabe bastante conteúdo, mas ele vai ser atrasado, porque eu não tenho como botar uma coisa avançada pra ele (Participante III).
Eu lembro que ele falava muito que o professor não é o detentor de todo conhecimento, que acaba tendo uma troca, aprendendo também com o que o aluno sabe (Participante V).
Eu acho que já li três capítulos da Pedagogia do Oprimido. Foi um trabalho dividido em grupos, tipo, a gente vai ler tal capítulo, eles vão ler outro capítulo, e a gente conversava sobre cada capítulo, entendeu? Portanto, eu lembrei logo da concepção bancária, porque foi o que eu li (Participante II).
O professor fala e o aluno tá ali apenas escutando. Nessa dialogicidade, é o caso da relação entre o aluno e o professor? É isso? Que ele é um mediador do conhecimento? (Participante IX).
Diário de bordo
Como mudar essa atuação em sala de aula? Como mudar do nada o que já é perpetuado há muitos anos? (Participante IX).
É muito difícil pensar em mudar a abordagem de ensino, ainda mais em escolas particulares, que o professor não tem liberdade nenhuma para mudar o planejamento (Participante II).
Agora que eu parei pra pensar nisso, a gente reproduz as coisas sem pensar e nem percebe que está fazendo isso (Participante V).
Agora eu percebo essa situação de outra forma, consigo enxergar novos caminhos (Participante VIII).
Qualquer coisa que você falasse eu poderia esquecer, mas não, esse conhecimento foi sendo gerado dentro de nós mesmos. Eu acho que isso tem mais força (Participante II).
É porque eu acho que quando a gente teoriza muito e não vivencia, a experiência não é a mesma. Porque se você chegasse aqui e teorizasse a dialogicidade e a Pedagogia da Pergunta, eu iria ouvir, achar legal e ia esquecer, mas vocês [pesquisadora e orientadora] fizeram a Pedagogia da Pergunta com a gente (Participante IX).
Grupo focal final
Eu acho que eu não conheceria tanto sobre a EJA se não tivesse o curso, como são essas pessoas, o que tem que ser feito, como a gente pode se preparar melhor para dar uma aula na EJA, eu acho que nos possibilitou um pouco desse contato antes de ir até eles, entendeu? (Participante II).
Eu acho que a forma com que você passou pra gente o curso sai totalmente dessa linha de uma educação bancária, do professor só inserir o conhecimento no aluno, entendeu? (Participante VI).
A questão de não generalizar os alunos, eu achei muito interessante, porque a gente acaba desconsiderando a bagagem que essa pessoa tem, e a primeira atividade foi ótima, mudou muito a minha cabeça (Participante V).
Eu acho que se eu não passasse pelo curso, quando fosse chegar lá pra me lecionar, eu ia chegar não conhecendo nada. Hoje eu acho que, se eu chegar nessa etapa, eu vou poder dizer que eu conheço um pouco (Participante III).
Agora dá um pouco mais de segurança pra gente (Participante I).
São coisas que, antes de ter contato com o curso, eu jamais imaginei. Então, acho que o curso foi importante pra isso. Talvez uma coisa que eu demoraria um ano dando aula, eu consegui perceber porque eu pude ouvir e aprender antes de atuar (Participante II).
Eu acho que deu pra aprender bastante, você nos fez pensar, a gente acabou atuando muito no curso (Participante I).
Cada um aprendeu com o outro, com nós mesmos, e com vocês [pesquisadora e orientadora] também (Participante VI).
Você foi fazendo perguntas e a gente também foi fazendo perguntas, e acho que isso vai muito de encontro como foi o curso. Foi muito importante porque nós aprendemos em conjunto (Participante V).
Portanto, diante das falas mencionadas, foi possível perceber que, de fato, a formação inicial dos licenciandos carece de alguns aprofundamentos em determinados assuntos e uma maior aproximação com a escola durante a realização das disciplina. Foi possível notar, porém, que as disciplinas pedagógicas trabalham conceitos relevantes para a prática docente.
Em relação às inseguranças advindas das projeções sobre a futura prática docente, elas acabam gerando receios relacionados ao que ainda será vivenciado, e essas questões ocorrem com frequência, pois, segundo Freire (2021, p. 102), “[...] a educação se refaz constantemente na práxis. Para ser tem que estar sendo”. É importante que a questão do inacabamento seja dialogada na formação inicial. Afinal, por melhor que seja a base, a formação docente nunca estará concluída. É fundamental que ela permaneça no gerúndio, desenvolvendo-se cotidianamente em comunhão com os educandos.
Por meio das informações presentes no diário de bordo, foi possível perceber a mudança no “pensar educação” dos participantes da pesquisa, de forma que, no primeiro encontro, eles não conseguiam visualizar a quebra do padrão hegemônico e bancário de ensino e realizavam diversos questionamentos de como conseguir praticar o que estava sendo proposto pela pesquisadora. Entretanto, no decorrer dos encontros, eles foram percebendo as situações às quais eles foram submetidos enquanto alunos do Ensino Regular e do Ensino Superior e que poderiam continuar replicando durante a sua futura prática docente.
Dessa forma, eles começaram a criar possíveis cenários de quebra de padrões durante as atividades dos encontros, abandonaram o fato de questionar como poderiam ser realizadas as mudanças e passaram a dar caminhos a essas mudanças, perceberam que é possível o desenvolvimento da dialogicidade freireana em sala de aula ao realizar as atividades dos encontros, experienciando na prática esse e outros conceitos estudados na pesquisa.
Portanto, a abordagem dialógica permitiu aos participantes da pesquisa desvelar questões não elaboradas anteriormente por eles durante a formação inicial, em conjunto com a oportunidade do aprendizado vivo, no sentido de experienciar os conceitos que estavam sendo debatidos, de forma a conscientizá-los sobre os temas abordados.
Por meio das falas trazidas no grupo focal final, foi possível inferir que os sujeitos da pesquisa conseguiram perceber as contribuições do curso no que tange ao ensino de Matemática na EJA por meio da dialogicidade freireana. Além disso, é importante salientarmos a surpresa dos estudantes com a forma como o curso foi conduzido e as ações que foram realizadas nele. A oportunidade de elaboração e aplicação do curso em uma abordagem dialógica permitiu a construção de caminhos diferentes aos quais os licenciandos tiveram contato em sua formação inicial.
Considerações finais
Pesquisar sobre uma abordagem de ensino que associa dialogicidade freireana, EJA e ensino de Matemática se mostrou importante não apenas para o desenvolvimento deste trabalho, mas para a formação docente das pessoas envolvidas. Por meio da pesquisa bibliográfica, foi possível desenhar um percurso metodológico que viabilizasse o desenvolvimento do curso de formação inicial em uma perspectiva dialógica.
O objetivo geral deste artigo foi investigar as contribuições do desenvolvimento da dialogicidade freirena, por meio de um curso extracurricular, na formação inicial de docentes de Matemática para atuação na EJA. O trabalho foi desenvolvido na coletividade, refletindo com os sujeitos sobre seus contextos, suas formações, suas trajetórias.
Nesse sentido, diante dos dados analisados, é possível considerarmos que houve diversas contribuições na formação inicial dos participantes desta pesquisa no que tange ao ensino de Matemática na EJA por meio da dialogicidade freireana, e que o curso de formação inicial planejado e aplicado com os sujeitos da pesquisa pode ser desenvolvido também em outros contextos.
Resumo
Main Text
Introdução
Fundamentação teórica
Educação de Jovens e Adultos: características, demandas e especificidades
Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos
O ensino de Matemática na EJA sob a perspectiva dialógica de ensino
Procedimentos metodológicos
Curso de formação para licenciandos em Matemática
Análise dos resultados
Grupo focal inicial
Diário de bordo
Grupo focal final
Considerações finais