Thu, 10 Apr 2025 in Revista Práxis Educativa
Técnicas persuasivas na formação inicial docente para o Ensino de Ciências: proposições a partir da concepção aristotélica de retórica
Resumo
O impacto da escalada de desinformação, negacionismo científico e polarização ideológica sobre o Ensino de Ciências evidencia a necessidade de elaborar estratégias que promovam confiança na ciência e reflexão crítica. Neste estudo, examina-se a integração dos princípios da concepção aristotélica de retórica na formação inicial docente, com foco no desenvolvimento de técnicas persuasivas para circunstâncias que exigem “sabedoria prática”. A pesquisa, de campo, qualitativa, exploratória e interpretativa, combinou revisão teórica, análise documental e observação participante em regências de licenciandas em Ciências Biológicas ministradas no Ensino Fundamental. Os resultados indicam o Estágio Supervisionado em Biologia como um espaço propício para a construção de saberes docentes fundamentados em compromissos éticos, epistemológicos e dialéticos, integrando técnicas persuasivas ao ensino. Argumenta-se que a incorporação de princípios da retórica aristotélica fortalece o ethos profissional e aprimora o Ensino de Ciências, especialmente em contextos permeados pelo descrédito de informações cientificamente comprovadas e pela polarização política. Este estudo contribui para o campo educacional ao evidenciar estratégias formativas que preparam docentes para as complexidades do ensino, ressaltando a importância de promover a cultura da persuasão em contraposição à coerção.
Main Text
Introdução
O contexto histórico-social da pandemia da covid-19 (2020-2023) expôs um cenário de propagação de desinformação, disseminação de dados sem comprovação científica e fortalecimento de negacionismos, potencializados por plataformas digitais e aplicativos de mensagens sob o controle de grandes corporações, como Google, Meta (Facebook e Instagram) e X (antigo Twitter). Essas ferramentas contribuíram para o acirramento de polarizações ideológico-partidárias e fomentaram vieses extremistas que ganharam força no processo eleitoral brasileiro de 2022, cujas repercussões se estendem a 2024 (Belisário; Geraldes, 2023; Maranhão et al., 2024).
A exposição excessiva das pessoas a tais plataformas, combinada ao contato com informações construídas a partir de premissas falsas, transformou a desinformação e a desordem informacional em um problema público. Esse fenômeno agravou problemas (eco)sistêmicos, como o que se pode chamar de “conflitos de interpretação” e “dissonância cognitiva”, ao dificultar a distinção entre conhecimentos confiáveis, baseados em evidências científicas, e estratégias manipuladoras promovidas por agentes ideológicos com intenções partidárias, mercadológicas ou afins (Aquino et al., 2024; Martino, 2023; Oliveira, I. L., 2023). Também gerou uma crise marcada, paradoxalmente, por desconfiança e por uma confiança acrítica nas pessoas, na Ciência (notadamente a brasileira), nas políticas públicas e nas instituições de ensino e pesquisa que, embora responsáveis por produzir e difundir evidências, foram alvo de ingerências, perda de autonomia, cortes orçamentários e desqualificações (Condé, 2023; Jafelice, 2023; Minto, 2023; Souza; Oliveira, 2024).
No contexto educacional brasileiro, esse cenário reforçou a necessidade de identificar estratégias, epistemologias e perspectivas eficientes no combate a vieses presentes na sociedade, a fim de reverter a onda de retrocessos que assola o país, fomentando práticas de ensino-aprendizagem críticas e éticas (Gonzales-Miñán; Turpo-Gebera; Pari-Tito, 2024; Laburú; Silva; Camargo Filho, 2021; Santos; Alves; Pereira, 2024; Souza; Oliveira, 2024). Embora avanços na área incluam estratégias reflexivas e críticas, persiste uma lacuna acerca do uso da retórica como ferramenta formativa.
Neste estudo, adota-se a concepção aristotélica de retórica como fundamento, a qual articula princípios (ἀρχαί) voltados ao bem comum (τὸ κοινὸν ἀγαθόν). Essa perspectiva permite explorar a “ação-reflexão-ação” (Aroeira; Pimenta, 2018, p. 118) na formação inicial docente, considerando as complexidades do ambiente escolar influenciado por fatores políticos, ideológicos e sociais. A retórica aristotélica também permite vincular fundamentos científicos à ética, à política e à educação (παιδɛία), enfatizando o cultivo das virtudes (ἀρɛταί) e o ideal de felicidade (ɛὐδαιμονία), intrinsecamente ligado ao bem comum (Aristóteles, 1991, 1998, 2012).
Definida por Aristóteles como a “[...] capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir” (Aristóteles, 2012, p. 12), a retórica é compreendida como um saber [comum] e um campo que se ocupa de questões ligadas ao conhecimento de que todas as pessoas compartilham, ao acaso, por necessidade, mediante a prática que resulta em hábito ou seguindo um método (μέθοδος) (Aristóteles, 2012). Ela é descrita também como a “outra face da dialética”, um método de persuasão e um recurso confiável (ἔνδοξα), que combina experiência (ɛμπɛιρία) e conhecimento de causa (ἐπιστήμη) - “doxa” e “episteme” -, aspectos lógicos (λόγος), cognitivos e afetivos [atenção e confiança] (Aristóteles, 2012, p. 5-14).
Neste estudo, examina-se a integração de princípios da concepção aristotélica de retórica na formação inicial docente, tendo como foco o desenvolvimento de técnicas persuasivas para circunstâncias que exigem “sabedoria prática” (φρόνησις). A abordagem assumida reflete um compromisso ético e político com a produção de resultados analíticos e propositivos. Optou-se por incluir termos em grego entre parênteses para suscitar a análise crítica de seus significados, sem a intenção de rememorar (ἀνάμνησις) sentidos esquecidos ou permanentes (μνήμη), mas ampliar sua aplicabilidade no presente e explorar sua relevância no campo da pesquisa educacional.
Metodologia
Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, natureza exploratória e interpretativa, caracterizou-se como estudo de campo e combinou revisão teórica, análise documental e bibliográfica, além de observação participante (Lüdke; André, 2022). A revisão teórica concentrou-se na Ética a Nicômaco (Aristóteles, 1991), Metafísica (Aristóteles, 2015), Retórica (Aristóteles, 2012) e Tópicos (Aristóteles, 2021), com o objetivo de identificar os fundamentos da concepção aristotélica de retórica, explorando sua relação com a dialética, os meios persuasivos estritamente retóricos e as dimensões intrínsecas da persuasão.
Complementou-se essa análise com uma revisão narrativa (Mattar; Ramos, 2021), investigando o caráter ontológico da retórica e mapeando sua evolução desde a Grécia Antiga até as formulações contemporâneas (Quadro 1). Esse mapeamento revelou os fins da retórica - a persuasão - e as diferenças entre ela e os artifícios para falar bem e conquistar aplausos do auditório (público, interlocutores), como a sofística, a oratória, a estilística e a eloquência, utilizando autores como Armando Plebe (1978), Chaïm Perelman (2004), Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (2005), Edward P. J. Corbett e Robert J. Connors (2022), Marshall McLuhan (2012), Michel Meyer (2007), Olivier Reboul (2004) e Werner Wilhelm Jaeger (2013).
Realizou-se também um levantamento do estado do conhecimento (Morosini; Santos; Bittencourt, 2021), entre agosto e novembro de 2023, sobre a retórica aristotélica no Brasil, considerando produções de 2019 a 2023 disponíveis na Plataforma Sucupira, repositório oficial de teses e dissertações brasileiras desde 2014, com foco no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de buscas preliminares nas bases do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), na Scientific Electronic Library Online (SciELO) e no Google Acadêmico. Foram utilizados os descritores “retórica aristotélica”, “retórica de Aristóteles” e “retórica em Aristóteles”, considerando sua presença nos títulos, palavras-chave e resumos das produções analisadas.
No Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, principal fonte de consulta, identificaram-se inicialmente 112 publicações. Após refinamentos voltados às áreas de Ciências Humanas e Educação, o corpus foi reduzido para 24 produções que abordam temas como a definição da retórica em Aristóteles (Patriota, 2022; Sousa, 2020) e sua relação com a dialética, bem como sua conexão com emoções, paixões e concepções históricas da retórica (Silva, 2019). Foi identificada uma dissertação (Moura, 2021) que enfatiza a relevância da retórica na prática docente, explorando as relações entre retórica, educação e didática e destacando sua contribuição para melhorar a clareza, a concisão e o envolvimento dos alunos em sala de aula. Além disso, argumenta que o estudo da retórica como ferramenta pedagógica ainda é incipiente no campo educacional brasileiro (Moura, 2021).
Consideraram-se, ainda, documentos normativos centrais da educação nacional, como a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996), a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2018) e a Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, sobre estágios (Brasil, 2008). No campo da formação docente, foram examinados, do Conselho Nacional de Educação e Conselho Plano (CNE/CP), o Parecer CNE/CP nº 4, de 12 de março de 2024 (Brasil, 2024a), e a Resolução CNE/CP nº 4, de 29 de maio de 2024 (Brasil, 2024c), além da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, que estabelece diretrizes para formação inicial e continuada (Brasil, 2015), e a Resolução CNE/CP no 2, de 20 de dezembro de 2019, que introduziu a BNC-Formação (Brasil, 2019), revogada pela Resolução CNE/CP nº 1, de 2 de janeiro de 2024, que fixou a implementação das novas diretrizes a partir de 20 de março de 2024 (Brasil, 2024b). Essa análise revelou contradições e fragmentações históricas no âmbito normativo, destacando a necessidade de estratégias formativas que articulem teoria e prática, capacitem docentes em formação a enfrentar desafios como desinformação e polarização e promovam um exercício profissional docente crítico e contextualizado, conforme aponta a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd (2024).
Entre setembro e novembro de 2022, foi realizado o levantamento de dados empíricos por meio de observação participante e gravações de sete regências do Estágio Supervisionado, conduzidas por duas licenciandas em Ciências Biológicas de uma universidade pública no Paraná. As regências ocorreram em turmas do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental de uma escola estadual. O estudo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) - Parecer nº 5.975.839 -, seguiu protocolos éticos de consentimento informado, sigilo e anonimato dos participantes.
A análise dos dados envolveu dispositivos teóricos e analíticos baseados na técnica de análise de discurso de Eni Puccinelli Orlandi (2015). Como resultado, a metodologia adotada permitiu vivenciar, observar e compreender em, no e com o campo pesquisado os desafios do Estágio Supervisionado e as possibilidades de aplicar estratégias teórico-práticas no fazer pedagógico do Ensino de Ciências, especialmente em contextos permeados por desinformação e desengajamento.
Resultados e discussões
Foi adotada uma perspectiva discursiva para construir evidências e interpretar as relações entre o conteúdo literal e os significados implícitos presentes no contexto simbólico-textual das regências observadas (Orlandi, 2015; Viktorovitch, 2024). As sete regências abordaram temas como órgãos dos sentidos, coordenação nervosa, sistema nervoso central, sistema somático e movimentos voluntários (6º ano), além de características dos anfíbios e aves (7º ano).
As aulas foram organizadas com exposições, dinâmicas interativas, avaliações diagnósticas e atividades lúdicas. A primeira priorizou a integração da turma e a aplicação de uma avaliação diagnóstica. Na segunda, os conteúdos foram retomados por meio de slides e atividades interativas. A terceira aula destacou a importância dos anfíbios no ecossistema, enquanto a quarta utilizou dinâmicas para comparar as características dos anfíbios e humanos. Nas regências subsequentes, os temas abordaram aspectos do sistema nervoso humano (6º ano) e adaptações fisiológicas das aves (7º ano).
Foi observado que a relação entre as estagiárias e as turmas foi caracterizada por postura ética e prática colaborativa. No entanto, essas interações também reproduziram dinâmicas de poder e desigualdades epistêmicas, refletindo a influência de contextos sociais e institucionais mais amplos nos processos de ensino-aprendizagem e na formação docente durante o Estágio Supervisionado.
Essa dinâmica se tornou evidente, por exemplo, na segunda regência com o 6º ano, quando uma das estagiárias afirmou: “Pessoal, vamos sentando que a aula já começou. Vocês querem copiar os slides? Gente, vamos prestar atenção”. Da mesma forma, na terceira regência com o 7º ano, que envolveu atividades mais lúdicas, a estagiária disse: “Vamos ver agora se vocês aprenderam bem… vamos fazer como no ‘Show do Milhão’. Eu falo as opções, e vocês levantam a mão para responder”. Embora essas atividades tenham incentivado a participação dos alunos, elas também evidenciaram um confronto simbólico entre as expectativas dos alunos em relação à avaliação e os objetivos das estagiárias em realizar um diagnóstico inicial. Esse confronto condicionou as relações discursivas ao longo das aulas, revelando como os processos pedagógicos estão imbricados em práticas que transcendem o ambiente escolar.
A revisão teórica identificou quatro técnicas de persuasão fundamentadas na retórica aristotélica (Aristóteles, 2012): exposição, demonstração, clareza e exemplificação. Constatou-se que a eficácia dessas técnicas depende de três elementos: o caráter de quem persuade (ἔθος), a sensibilidade para compreender o estado emocional do público (πάθος) e a capacidade de adequar o discurso ao contexto (λόγος). Essas técnicas correlacionam-se a quatro enfoques: didático-pedagógico, metodológico, ético e científico (Quadro 2), embasados em contribuições de Antônio Gois (2022), Attico Chassot (2004, 2016, 2018), Dermeval Saviani (2015, 2016), Miguel Arroyo (2013, 2014, 2023), Myriam Krasilchik (2019), Nélio Bizzo (2009, 2012) e Selma Garrido Pimenta (2012).
De acordo com a concepção aristotélica, a exposição tem a função de enunciar um assunto ou problema e introduzir ou esclarecer as finalidades de um tema, além de conectar informações simples a uma questão ou problema central. Trata-se de uma espécie de apresentação inicial que permite ao público saber, de antemão, o que será abordado, evitando-se mantê-lo em suspense. Esse recurso é uma estratégia eficaz para captar a atenção, facilitar a compreensão, esclarecer os objetivos de um discurso e oferecer uma visão preliminar do tema. Dessa forma, a audiência é orientada quanto ao conteúdo, o que reduz a sensação de incerteza.
Além disso, a exposição organiza o desenvolvimento do tema, preparando o terreno para a argumentação posterior (demonstração). Sua ausência pode indicar improviso ou falta de preparo. Nas regências analisadas, a exposição foi identificada nos momentos iniciais das aulas, quando as estagiárias introduziam os temas e estabeleciam uma conexão com os alunos. Exemplos desse tipo de exposição incluem apresentações pessoais e esclarecimentos sobre expectativas, como: “Meu nome é [...], mas podem me chamar de [...]. Estarei com vocês até novembro”; “Vamos realizar uma dinâmica para nos conhecermos melhor antes de começarmos os conteúdos” (6º ano); ou “Hoje vamos falar sobre anfíbios. Quem aqui já viu um anfíbio?” (7º ano).
A demonstração, segundo a perspectiva aristotélica da retórica, tem a função de provar o que foi enunciado na exposição. Ela envolve responder ao “o quê”, justificar o “porquê” e utilizar os recursos necessários para tornar o tema claro e relevante, garantindo o engajamento do público. Esse processo representa o passo lógico que fundamenta a exposição, apresentando evidências por meio de argumentos adequados ao tema ou explicações detalhadas, evitando redundâncias e contradições.
Esse recurso foi observado durante as aulas, especialmente nos momentos em que as explicações científicas foram acompanhadas por atividades práticas. Por exemplo, ao abordar o sistema nervoso somático e autônomo: “O sistema nervoso somático controla ações voluntárias, como andar e correr. Diferentemente, o sistema nervoso autônomo não depende da nossa vontade” (6º ano). Outro exemplo foi a atividade prática em que os alunos desenharam o coração dos anfíbios, comparando-o com o coração humano.
A clareza, descrita por Aristóteles como a virtude de utilizar uma linguagem adequada e acessível, consiste no uso de termos apropriados ao contexto, evitando ambiguidades, expressões ornamentais, pomposas, incomuns ou artificiais. Trata-se de adaptar a comunicação ao público, ao tema e ao momento, com precisão e objetividade. Esse princípio foi observado na forma como as estagiárias evitaram terminologias excessivamente técnicas, optando por explicações de conceitos complexos de maneira simplificada. Um exemplo disso é a explicação que combina precisão científica com referências ao cotidiano: “Quando você sente um cheiro ou ouve um barulho enquanto lê, seu sistema nervoso está processando várias informações simultaneamente” (6º ano).
O exemplo, na perspectiva aristotélica, é o ponto de partida do conhecimento. Ele serve para induzir, esclarecer ideias, dar corpo e destacar informações específicas, conectando o tema em discussão a experiências factuais ou hipotéticas. A exemplificação atua como uma prova demonstrativa, pois não basta saber o que dizer, é essencial saber como dizer. Essa técnica foi aplicada por meio de ilustrações factuais, como: “Se você toca em algo quente, como um fogão, e imediatamente retira a mão, isso é um ato reflexo, coordenado pelo sistema nervoso” (6º ano). Ilustrações hipotéticas também foram utilizadas, como: “Imagine que você está jogando futebol. Quais órgãos dos sentidos estão envolvidos?” (6º ano). Essas estratégias permitem que os alunos relacionem conceitos científicos com suas experiências e vivências.
Identificou-se que a exposição, a demonstração, a clareza e a exemplificação, fundamentadas na retórica aristotélica, se configuram como ferramentas indutivas que não podem ser aprendidas, aprimoradas ou analisadas de forma isolada, uma vez que não se trata de tópicos, habilidades ou competências cumulativas e pré-definidas que podem ser facilmente categorizadas (Oliveira; Mozzer, 2024). Essas técnicas são intrinsecamente interdependentes, intencionais, interativas, contextuais e epistemologicamente orientadas para a educação, contribuindo para práticas pedagógicas. Elas abrangem dimensões do “fazer”, “saber-fazer”, “saber-ser” e “saber-sentir” e transcendem os fins do ensino-aprendizagem no ambiente escolar (Tardif, 2014).
Foi observado que essas técnicas contribuem para atrair e prender a atenção dos alunos, além de facilitar a compreensão dos conteúdos. O impacto produzido por essas estratégias está diretamente relacionado à habilidade do educador, que deve ser desenvolvida por meio de prática constante (ἀσκησις), assim como ao conhecimento do público, permitindo avaliar quais abordagens são mais adequadas ao contexto, ao tema, ao perfil dos alunos e ao tempo disponível. Esse processo também envolve a seleção criteriosa dos conhecimentos a se mobilizar.
Este estudo identificou que o domínio desses princípios (ἀρχαί), fundamentados na concepção aristotélica de retórica, ainda no Estágio Supervisionado, contribui não apenas como uma exigência ética, mas também como uma necessidade estratégica. Esse conhecimento capacita docentes em formação a adaptar suas práticas pedagógicas a diferentes circunstâncias e às necessidades específicas dos alunos, promovendo uma educação pautada em informações embasadas, em valores éticos, na criticidade, na maturidade cívica e dialética (Gomes; Zamora, 2024).
O Estágio Supervisionado é destacado por Myriam Krasilchik (2019) como um momento que amplia a compreensão sobre as implicações da profissão docente, promovendo a adaptação às condições escolares e o engajamento ativo dos estudantes. Entretanto, as limitações curriculares, metodológicas e temporais podem comprometer a efetividade dessa etapa formativa, exigindo planejamento cuidadoso e colaboração entre instituições formadoras e concedentes. Arroyo (2013) enfatiza que a docência é atravessada por disputas, e Pinto (2020) reforça que a ciência é sempre um produto histórico e social, condicionado por desafios específicos.
A persuasão, na concepção aristotélica de retórica, combina técnicas lógicas (λόγος) e psicológicas (ἐθος e πάθος). As técnicas lógicas incluem o entimema (silogismo retórico) e o exemplo (indução retórica), enquanto as técnicas psicológicas envolvem apelos emocionais (ἐθος) e o caráter moral do orador (πάθος). Moisés do Vale dos Santos (2014) argumenta que a eficácia da persuasão depende da interação entre orador, público e circunstâncias, sendo essencial adequar o discurso ao contexto para promover uma aprendizagem significativa. Essa perspectiva é relevante no Ensino de Ciências, pois facilita a compreensão das causas (ἐπιστήμη) e das razões que fundamentam o conhecimento, além de articular fatores espontâneos e planejados, criando oportunidades de aprendizagem (Aristóteles, 2012, 2015; Oliveira; Mozzer, 2024).
Na perspectiva aristotélica, entre agir por impulso ou lidar com questões periféricas - seja por hábito, acaso ou necessidade - e agir com conhecimento de causa (ciência), é seguro adotar um método para alcançar os objetivos propostos (Aristóteles, 2012). No entanto, em cada caso, não basta a explicação científica mais precisa e detalhada. É necessário apoiar-se em evidências confiáveis, empregar uma linguagem (λόγος) que inspire confiança (ἦθος), promova coerência no discurso, induza atenção (πάθος) e transmita credibilidade (ἦθος) com o objetivo de persuadir. Isso, contudo, deve ser feito de maneira ética, evitando argumentos falsos ou injustos (Aristóteles, 2012).
A concepção aristotélica também integra valores instrumentais (práticos), intrínsecos (teóricos) e culturais (paradigmáticos) do conhecimento científico, distinguindo entre conhecimentos necessários (essenciais) e contingentes (circunstanciais), bem como entre domínios teoréticos (metafísicos), práticos (empíricos) e produtivos (Aristóteles, 1991, 2015, 2021; Reale, 2013). Ademais, permite demarcar explicações causais fundamentadas em evidências, diferenciando-as de narrativas fantasiosas sustentadas por crenças ou eventos casuais (Terra; Terra, 2023). Esses princípios possibilitam transcender as questões do “como” ou do “o que é” ensinar Ciências, direcionando o foco para o “porquê”, o “para quê” e o “para quem” da ação educativa (Bizzo, 2012). Com isso, oferecem ferramentas para o atual cenário de desinformação e polarização, fortalecendo a capacidade crítica e conectando o Ensino de Ciências às dimensões ética, técnica, epistêmica, ontológica, educacional e política (Elliott, 2024; Oliveira, M. B., 2023).
Por fim, este estudo destaca a formação inicial como um processo dialético de ação-reflexão-ação (Aroeira; Pimenta, 2018), capaz de contribuir para uma educação mais crítica e significativa. A integração das técnicas persuasivas aristotélicas ao Ensino de Ciências evidencia o potencial de consolidar práticas pedagógicas que dialoguem com as realidades escolares e atendam às demandas de um cenário educacional em transformação.
Considerações finais
Este estudo examinou a integração de princípios da concepção aristotélica de retórica na formação inicial docente, com foco no desenvolvimento de técnicas persuasivas para circunstâncias que exigem “sabedoria prática” (φρόνησις). As técnicas identificadas - exposição, demonstração, clareza e exemplificação - demonstraram um potencial significativo para o fortalecimento do Ensino de Ciências ao integrar dimensões éticas, epistêmicas, políticas e educacionais.
Os resultados evidenciam que essas técnicas transcendem a mera aquisição de habilidades cumulativas e pré-definidas, configurando-se como ferramentas indutivas, contextuais e epistemologicamente posicionadas. O Estágio Supervisionado revelou-se um espaço privilegiado de práxis crítica, no qual teoria e prática convergem de forma orgânica para formar educadores capazes de interpretar e responder às complexidades do ensino-aprendizagem. Entretanto, os desafios estruturais identificados, como a precariedade na formação docente, a desvalorização da profissão e a fragmentação normativa, reforçam a urgência de estratégias formativas que articulem, de maneira integrada, teoria e prática.
Argumenta-se, com isso, que a retórica aristotélica fornece ferramentas conceituais e práticas para alinhar os objetivos do Ensino de Ciências ao bem comum (τὸ κοινὸν ἀγαθόν) e à maturidade cívica e dialética, ampliando o alcance do processo de ensino-aprendizagem para além da transmissão de conteúdos técnicos. Embora este estudo não forneça soluções definitivas, ele sugere que a retórica aristotélica é uma aliada estratégica na consolidação de práticas educativas que enfrentem os desafios do cenário educacional contemporâneo, fortalecendo a cultura da persuasão como um elemento integrante e indispensável na formação docente. É reafirmada, assim, a necessidade de investir em processos formativos que fomentem educadores reflexivos e adaptados às complexidades e incertezas que caracterizam o ensino em tempos sombrios de desinformação e polarização.
Resumo
Main Text
Introdução
Metodologia
Resultados e discussões
Considerações finais