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Thu, 23 Jan 2025 in Revista Práxis Educativa
Apresentação do dossiê - As dimensões éticas, estéticas e políticas das pesquisas nos/dos/com os cotidianos: um viva à escola pública!
Main Text
Considerações iniciais
Seria um retrato triste
Se não visse em seus olhos um jardim.
No ano de 1998, portanto há 25 anos, Nilda Alves lançou, pela Editora DP&A, os livros O espaço escolar e suas marcas: o espaço como dimensão material do currículo e Trajetórias e redes na formação de professores, protagonizando o início da formulação de uma proposta de fazer pesquisa em Educação no Brasil, nomeada, hoje, de “Pesquisas nos/dos/com os cotidianos”. Essa proposta, sem desconsiderar a força das determinações legais das Secretarias, dos Gabinetes e dos Ministérios, interessa-se pelas artes de fazer (Certeau, 1994), que também são políticas, ou ainda, pelos usos e modos como essas determinações são praticadas (Certeau, 1994) nos cotidianos escolares.
Ao trazer Lefebvre (1991) como importante teórico para suas análises, Alves (1998a) destaca a visão de Lefebvre ao afirmar que “[...] o estudo da vida cotidiana oferece um ponto de encontro e alguma coisa mais. Mostra o lugar dos conflitos entre o racional e o irracional na nossa sociedade e na nossa época” (Lefebvre, 1991, 30). Assim, já em 1998, a autora anunciava sua aposta na potência de uma dimensão da vida, a saber, a cotidianidade, a qual, mais tarde, se instituiu como uma força propulsora de muitos estudos e pesquisas no país. Como está no texto do GE [Grupo de Estudos] Cotidianos - éticas, estéticas e políticas:
Surgidas no bojo do GT-Currículo, desde o seu início, em especial com as iniciativas dos grupos coordenados por Regina Leite Garcia (In memoriam) na UFF, Nilda Alves, na UFF e na UERJ, e Corinta Geraldi na Unicamp, as pesquisas nos/dos/com os cotidianos foram se desenvolvendo em grupos diferenciados que se espalharam pelo país e pelos vários GTs da ANPEd. Em todas as reuniões anuais desde os anos 1990 e, em seguida, nacionais, bem como em reuniões regionais da ANPEd vêm sendo apresentados múltiplos trabalhos por esses grupos (GE Cotidianos [...], 2023).
Outro autor discutido pela pesquisadora na ocasião e que, nos anos seguintes, se constituiu como a principal referência teórico-metodológico-político-epistemológica das Pesquisas nos/dos/com os cotidianos foi Michel de Certeau (1994, 1996), que permitiu assumir e situar a pesquisa em educação em meio às práticas cotidianas. Nas palavras de Alves (1998a, p. 50): “É assim que o espaço cotidiano, e por isso mesmo de cotidianidade, que é a escola, vai exigir, por outro lado, que se tirem do esquecimento as práticas que nele se dão, o uso que dele se faz”.
Em meio aos movimentos de problematização dos cotidianos das escolas como espaçostempos1 éticos, estéticos, epistemológicos e políticos de produção da pesquisa educacional, Alves (1998a) chama a atenção para a primazia do olhar do alto que, em geral, se tem em relação às práticas que acontecem nos cotidianos das escolas e que, historicamente, prevaleceu na Educação. Nas palavras de Alves (1998a, p. 15):
Colocado no lugar mais baixo de uma hierarquia extremamente complicada e perversa, o espaço escolar, com suas práticas cotidianas, faz parte desses espaços que não se vêem, mas sobre os quais se exerce uma severa crítica, depois de sobre ele se decidir quase tudo - sua construção, sua organização, sua direção, os seus conteúdos e as relações que nele se dão. O único olhar possível a quem está no alto é o de conjunto, aquele ao qual é negado ver a emoção de cada curva e o sentimento de cada dia.
Propositalmente, escolhi a metáfora do olhar, tão rica e comum na civilização ocidental, para caracterizar a cegueira dos que estão no alto e convidar para se ler/ouvir/sentir/cheirar - outras são as metáforas aqui usadas - o espaço construído cotidianamente. Na sua cotidianidade, negado, destruído, partido, quebrado, mas na luta prática do dia-a-dia, possuído, tecido, unido, pensado e feito.
Decorridos três anos das publicações de Alves (1998a, 1998b), Linhares e Garcia (2001) escreveram um lindo texto com o título Observando jardins no chão de escolas, no qual há uma enfática e poética defesa da necessidade de se superar o olhar do alto sobre os cotidianos das escolas, de que falava Alves (1998a), indo ao encontro daquilo que se passa em seu chão, a saber: sua complexidade, seu movimento, sua imprevisibilidade, seus acontecimentos, seus encontros, sua beleza; e, assim como Alves (1998a), apostavam na reinvenção das escolas a cada dia. Na escrita das autoras:
Quem não ouve e não faz comentários sobre as escolas? Se bem atentarmos para estas opiniões, veremos que elas, algumas vezes, se aproximam de conclusões fechadas que trancam a escola dentro dela mesma, acabando por deixar escapar a complexidade com que a vida nela se manifesta [...].
Falar do perigo das unanimidades - sempre falsas e burras - não significa só lembrar Nelson Rodrigues, mas sobretudo cumpre o ofício de reiterar que o lugar da pesquisa e dos pesquisadores e pesquisadoras apenas se aproxima de um campo de produção de conhecimento que o justifica quando se faz pelo exercício da resistência aos slogans e às certezas, mesmo quando estas estão respaldadas por extensas, intensas e autorizadas concordâncias e consensualidades (Linhares; Garcia, 2001, p. 43-45).
Ao defenderem a dimensão da pesquisa em educação como antídoto aos clichês ou, ainda, como resistência ao mundo rígido das certezas que se alojam nas diferentes etapas de sua realização, quando então a pesquisa só confirma o já sabido, perdendo-se as possibilidades de afirmação da complexidade e da riqueza da escola, Linhares e Garcia (2001, p.45) inferem:
A maior gravidade das certezas internalizadas que se fixam numa avaliação negativa da escola, pois só este lado conseguem ver, é que não se trata de acontecimentos dispersos e desqualificados, mas de opiniões ditas abalizadas, que se entranham na pesquisa e nas concepções educacionais de pesquisadores, direcionando os olhares [o tal olhar do alto de que fala Alves] para apenas visualizarem o negativo, a falta, a incapacidade, o descaso. Parecem, assim, não se darem conta que numa problemática há sempre claros e escuros e que memórias e projetos, de que inapelavelmente as pesquisas são feitas, não estão desvencilhadas de contradições, hibridismos e possibilidades.
A citação das autoras compõe-se com a discussão feita por Clareto (2011) quando disserta sobre as relações entre pesquisa, conhecimento e verdade na produção do que a autora pensa ser o campo problemático. Partindo da crítica ao discurso hegemônico da modernidade, como fizeram Alves (1998a) e Linhares e Garcia (2001), Clareto (2011) reitera a existência de um modelo de mundo das formas em que conhecer significa ter acesso às verdades desse mundo.
Nessa direção, fazendo coro com Linhares e Garcia (2001), Clareto (2011) nos força a questionar a imagem de pesquisa-bolha, ou seja, da pesquisa que se afirma na busca de certezas absolutas ao se pautar pelo mundo das luzes. Nesse modelo, como escreveu Clareto (2011, p. 18-19):
Fazer pesquisa é buscar conhecimentos, é produzir conhecimentos, sempre se pautando por regras estabelecidas pelo método investigativo. Assim, a pesquisa é regida por uma questão que pede resposta a um problema a ser resolvido. O que garante o sucesso da empreitada é o uso correto do método que se estabelece, a priori, como condição de se atingir a verdade daquela investigação. Morte do mistério, da dúvida.
Ainda em termos das primeiras publicações que ajudaram na produção do campo discursivo das Pesquisas nos/dos/com os cotidianos, ressaltamos o primeiro volume da coleção O sentido da escola, organizado por Nilda Alves e Regina Leite Garcia, que foi publicado pela Editora DP&A em 1999. No texto de abertura do livro, intitulado “Para começo de conversa”, Alves e Garcia (1999, p. 9-10) defendem que:
Estamos convencidas de que a construção de uma escola de qualidade para os até agora excluídos passa pela tomada da palavra pelas professoras, historicamente impedidas de dizer a sua própria palavra, pois sempre aparece alguém para falar por elas, sempre aparece alguém para lhes “ensinar” como melhor ensinar, sempre aparece algum ‘iluminado’ para lhes dizer o que devem fazer, como e quando devem fazer.
Nessa direção, Alves e Garcia (1999) criticam o fato de que há uma necessidade quase vital na Educação de que as professoras sejam tuteladas tanto do ponto de vista do que ensinar quanto em termos de como ensinar. Essa tutela, na análise das autoras, em geral, está ligada aos inúmeros pacotes governamentais que se sucedem no tempo e trazem desdobramentos em termos da necessidade de se oferecer seminários, palestras, consultorias, formações continuadas, entre inúmeros outros mecanismos que visam a capacitar as professoras para que possam cumprir, de modo “adequado”, as prescrições estabelecidas nos referidos pacotes. Nessa crítica, Alves e Garcia (1999, p. 10) indagam:
Como pode atuar competentemente quem é desqualificado de seu saber?
Como responder ao “chamamento” quem é aviltado mensalmente por um salário mais curto do que a extensão do mês?
Como conciliar a contradição entre a recomendação de “a partir da realidade do aluno” e a sutil recomendação de seguir o “programa” que desconhece a realidade dos mesmos e precisa ser cumprido?
Como atender a recomendação de atuar disciplinarmente em uma parte do tempo da aula e, de repente, como num passe de mágica, deve assumir uma postura transdisciplinar nos chamados “temas transversais”?
Tendo por base a crítica acerca da necessidade de tutela das professoras, que culminou nas questões anteriores, Alves e Garcia (1999) destacaram o fato que é o pano de fundo deste Dossiê: apesar e dentro de toda essa problematização, há aqueles e aquelas que praticam, isto é, que atuam nos cotidianos das escolas e, com suas ações, lutam para transformá-las ao estabelecerem espaçostempos de trocas, de criações, de relações amorosas e solidárias, que, diferentemente dos “pacotes prescritivos”, anunciam novos tempos, novas possibilidades, novos sentidos para as escolas.
Considerando, então, algumas das primeiras referências teórico-epistemológico-político-metodológicas aqui esboçadas para tentar situar o início da sistematização das Pesquisas nos/dos/com os cotidianos, o presente Dossiê foi pensado e realizado a partir de textos que não só pudessem respaldar a potência inventiva dos cotidianos das escolas, mas, sobretudo, pudessem afirmar a escola pública como espaçotempo de resistência e de criação, como na defesa de Alves e Garcia (1999). Como pensa Ferraço (2023, p. 23):
Defendemos, então, uma aposta de pesquisa com (FERRAÇO, 2003) os cotidianos das escolas, assumindo a dimensão de multiplicidade desses cotidianos e a criação em redes de teorias-práticas, de modo a potencializar a dimensão ético-político-estético-epistemológica dos acontecimentos das escolas. [...]. Assim, na constituição do campo problemático, a intensidade dos movimentos e dos fluxos caóticos vividos na produção dos dados tem-nos imposto a necessidade de questionar não só os modelos de pesquisa herdados das ciências cartesianas mas, principalmente, colocar sob suspeita as amarras conceituais decorrentes de alguns desses modelos que insistem em reduzir os cotidianos das escolas a lugares de implantação, reprodução ou representação das políticas educacionais governamentais.
As contribuições de pesquisadoras e pesquisadores
De modo a expandir e a complexificar nossa defesa, tanto em relação à dimensão de resistência e inventividade presente no cotidiano quanto em relação à importância da escola pública na produção de outros mundos, abrimos o Dossiê com o texto de Nilda Alves, intitulado Ainda disciplinas? Por quê? - Pensar essas questões com os cotidianos, no qual a autora, ao partir da ideia de ensaio e das redes educativas estudadas, bem como dos movimentos necessários às pesquisas com os cotidianos, buscou indicar como o Grupo de Pesquisa Currículos cotidianos, redes educativas, imagens e sons trabalha, em pesquisas que realiza, com a ideia de “cineconversas”.
Nesse processo, a autora reuniu as ações de “verouvirsentirpensar” filmes e “lersentirpensar” textos de interesse com grupos de docentes em serviço e em formação em Manaus, Amazonas; em Salvador, Bahia; em Vitória-Serra, Espírito Santo; e em Nova Friburgo-São Gonçalo-Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro. Trabalhando com questões sociais agudas que estão nos tantos “dentrofora” das escolas, foram dados “espaçostempos” a narrativas docentes, buscando conhecer possibilidades de ir além da estrutura em disciplinas dos currículos, proposta há mais de dois séculos.
A seguir, o texto Razões da escolha da profissão docente e perceções que dela têm estudantes da Universidade do Porto (Portugal), de autoria de Carlinda Leite, Sónia Valente Rodrigues e Diana Neves Teixeira, tem como objetivo conhecer o que atrai estudantes portugueses a escolher a profissão docente.
A aplicação do questionário Fit Choice ao universo total de estudantes dos cursos de formação profissional para a docência da Universidade do Porto, em 2023-2024, revelou resultados como: o primeiro motivo para a escolha da profissão é o gosto pela área de estudo, seguido pelo contributo para a sociedade e para o futuro de crianças e adolescentes, e pelo gosto pelo ensino. Os estudantes inquiridos estão motivados para a profissão, embora a considerem difícil e exigente (em termos de conhecimento especializado e trabalho), com pouco retorno (salarial e social). Estão muito satisfeitos com a escolha feita, apesar de muitos terem sido dissuadidos e encorajados a escolher outra profissão. No atual contexto de falta de professores, esse conhecimento pode informar políticas educacionais e estratégias de recrutamento de novos candidatos à profissão docente.
A seguir, o texto Pensar a escola como a prática de partilha do comum: inventar a pesquisa em educação, de Minna Gondim Marques Rodrigues e Carmen Lucia Vidal Perez, narra uma pesquisa que experimenta sentidos para as palavras “infância”, “escrita” e “escola”.
A investigação com os cotidianos aconteceu na Escola Municipal Waldemar de Freitas Reis, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, em três grupos de crianças do primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Três ideias se articulam: infância, escrita e escola. São conceitos em relação que desenham um traçado metodológico e permitem debruçar-se sobre as particularidades das pesquisas com os cotidianos e em narrativas, para explicitar os modos de fazer de uma pesquisa que foi se construindo a partir de seu próprio fazer. A pesquisa com e a pesquisa em narrativa são os eixos teórico-metodológicos que embasaram as investigações. As autoras tomaram a centralidade da experiência no fazer e elegeram ou inventaram circunstâncias de pesquisa a partir dos desafios que o cotidiano lançou, capturando ativamente os movimentos do que uma metodologia baseada na multiplicidade de procedimentos traz.
O texto A pesquisa em educação na perspectiva multicultural: estudo sobre práticas antirracistas em um curso de extensão de formação continuada docente, escrito por Ana Ivenicki, Érika Loureiro de Carvalho e Adriana do Carmo Corrêa Gonçalves, objetivou discutir a pesquisa em educação na perspectiva multicultural, ilustrando a questão a partir de um estudo de caso com momentos de pesquisa-ação em um curso de extensão que apresenta possibilidades e desafios da formação continuada docente antirracista, sob a perspectiva qualitativa.
A educação para as relações étnico-raciais é elucidada, com destaque para a trajetória e os objetivos da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, importante marco na reestruturação das práticas educacionais a partir da valorização da história e da cultura africana e afro-brasileira, com foco na coletividade e igualdade (Brasil, 2003). Tecendo reflexões acerca das expectativas das cursistas, descritas nas cartas de intenção para ingressar no curso, identifica-se a relevância da aptidão docente para a prática antirracista e multicultural. O artigo aponta para o reconhecimento e respeito à diversidade e para o enfrentamento ao racismo estrutural, suscitando ponderações sobre a importância da formação continuada docente.
Na continuação, o texto Aprendizagens em educação nas pesquisas com escolas e docentes: o projeto “Criações curriculares ecológicas”, de autoria de Inês Barbosa de Oliveira e Graça Regina Franco da Silva Reis, buscou apresentar o Projeto de Apoio à Escola Pública, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), intitulado “Criações curriculares ecológicas: formação docente e discente em diálogo”, realizado em uma região de serra do estado do Rio de Janeiro, o qual aponta como múltiplos fazeressaberes circulam nas escolas públicas.
Como metodologia, as autoras utilizaram narrativas, entendendo-as como forma de conhecer e publicizar as criações curriculares dos praticantes da escola onde se dá o projeto. O texto em tela marca uma atitude ética, estética e política de compromisso com sujeitos e suas criações curriculares, suas possibilidades efetivas de ação, em busca da superação dessas representações demeritórias e desqualificações em geral, das quais a escola pública é vítima. Para isso, traz-se tanto a dimensão teórico-metodológica do campo de estudos do cotidiano e da pesquisa narrativa, quanto a dimensão epistemológica do cotidiano em si.
Escola pública: espaçotempo de tecelagem de conhecimentos em diálogo com crianças das classes populares, de Maria Teresa Esteban, Joana Paula dos Santos Gomes de Oliveira e Luana Armaroli, é o texto que é trazido a seguir, no qual as autoras refletem sobre o lugar das crianças das classes populares e suas infâncias nos processos pedagógicos realizados na Educação Básica, em instituições públicas.
Para tanto, fundamentam-se em pesquisas de natureza qualitativa, desenvolvidas por professoras em seus contextos de atuação, utilizando a pesquisa com o cotidiano como método, valendo-se de registros de experiências escolares e de produções docentes e discentes, utilizando diversas linguagens. Os trabalhos das professoras pesquisadoras se articulam no curso de Doutorado, referenciados na educação libertadora, na acepção freireana, nos estudos decoloniais e nos antirracistas. Com as crianças, assumidas como sujeitos sociais e políticos, a docência encontra a potência do diálogo, marca da educação popular, mobilizando experiências da educação pública como espaçotempo propício à tecelagem de conhecimentos criativos e transformadores.
Em continuação, o Dossiê apresenta o texto Pensar-com o filme Los silencios, deslocamentos temporais para um cotidiano das vidas menores, escrito por Lucia de Fatima Dinelli Estevinho e Antonio Carlos Rodrigues de Amorim, que estuda o cinema pela perspectiva de ele ser um intercessor de pensamentos sobre o cotidiano como categoria das pesquisas curriculares, tendo como linha de aglutinação as dimensões do deslocamento de temporalidades, característica conceitual comum ao cinema e ao cotidiano. Pensar-com e entre o filme Los Silencios e autores que, intercessores das imagens e sons, permitiram traçar uma cartografia do filme convocando a luta pelos direitos das minorias.
No filme, as marcas foram mostrando imagens aberrantes que germinaram pelo escuro da tela, iluminada com luzes reluzentes e fluorescentes que marcam os personagens que lutam pelo direito à vida. Imagens-vaga-lumes mostraram que o cinema pode ser um lugar de resistência, com sua luz intermitente, seus pequenos brilhos, a possibilidade que o cinema tem de dar a ver o invisível e desabituar o espectador em seus modos de olhar e sentir o mundo.
Fechamos o Dossiê com o texto de Maria Luiza Sussekind, intitulado Três tardes (Ou contar histórias é enfrentar genocídios!), que examina os movimentos dos estudos nos/dos/com os cotidianos, a partir de inspirações teóricas, apostas políticas e metodológicas. Para tanto, a autora argumenta que os estudos nos/dos/com os cotidianos em educação alimentam e se nutrem em outros tantos deslocamentos na academia na contemporaneidade, como a decolonialidade, os estudos feministas e pós-estruturais, de modo a inferir que os relatos e os estudos dos cotidianos são armas contra o genocídio.
Considerações finais...
Queremos finalizar trazendo, mais uma vez, o texto de Linhares e Garcia (2001), para destacar a poesia de Adélia Prado, que, assim como as autoras, nós usamos na epígrafe de nosso texto. Como elas escreveram (2001, p. 49):
Evocando Adélia Prado, estamos convencidas de que veremos melhor os jardins que florescem subterraneamente debaixo do chão das escolas, à medida que procuramos encontrá-los. Afinal, muitos desses jardins só aguardam o “saber cuidar” a que se refere Boff.
De fato, como os textos que nos foram presenteados para compor nosso Dossiê mostram, há uma dimensão de resistência e de criação na cotidianidade da vida-escola impossível de ser desconsiderada, e que necessita ser assumida como dimensão estético-ético-política da pesquisa em Educação. Como consta na ementa do Dossiê, estamos interessados não só em comemorar os 25 anos de história das pesquisas nos/dos/com os cotidianos, mas, sobretudo, elogiar a escola pública e seus praticantes-pensantes.
Por isso, interessaram-nos pesquisas que pudessem destacar as forças inventivas dos múltiplos cotidianos, os movimentos de (re)existência que aí acontecem, a criação de outros-novos possíveis de vida e a produção de mundos plurais onde caibam todas, todos e todes. Tratou-se, então, de dar um VIVA à escola pública! No entanto, essa não é uma tarefa fácil. Como ponderaram Linhares e Garcia (2001, p. 48-50):
Como a observação não é um processo destituído de histórias, precisamos alimentá-la com processos de resistência, que possibilitem outras formas de ver e perceber que fujam de opções binárias e maquineístas, como isto ou aquilo, para usar os sentidos em sua amplidão e diversidade, explorando suas fronteiras, e, tendo mesmo coragem de romper fronteira, colocando-se nos entre-lugares de que fala Bhabha, assumindo a ambivalência do isto ou aquilo - lugar de onde se pode captar o que antes não seria possível, limitados que estávamos pelas ortodoxias de fronteiras disciplinares [como questionou Nilda Alves em seu texto] e pela hegemonia da visão, excelência da modernidade. Ver com todos os sentidos, eis o mundo que se nos abre para melhor captarmos o que o limite da visão até então nos interditava. [...].
Ver, ouvir, provar, tocar, cheirar, intuir, imaginar. Sentir o mundo, se deixar impregnar, encharcar, enlamear. Dar um mergulho na escola em todos os sentidos e com todos os sentidos. Como Drummond, adquirir o sentimento de mundo para poder observar cada detalhe do mundo escolar que sempre nos fala do mundo maior que cerca a escola...
Boa leitura!
Adelino, Ana, Ferraço, Nina e Rafael
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Considerações iniciais
As contribuições de pesquisadoras e pesquisadores
Considerações finais...