Estágio e docência na Educação Infantil: questões teóricas e práticas
As reflexões apresentadas neste texto foram construídas a partir das experiências com o estágio de Educação Infantil no curso de Pedagogia, o que possibilitou fazer inferências teóricas e metodológicas sobre o estágio e a formação de docentes. O estágio é compreendido como um contexto formador dialético entre teoria e prática e torna-se condição para promover conhecimentos sobre a docência em creches e pré-escolas. O estágio por um período de tempo contínuo e prolongado, que permite a imersão e reflexão sobre a prática, se torna imprescindível na formação inicial de professores(as). A observação e a documentação do cotidiano das instituições de Educação Infantil são processos indispensáveis na formação de professores(as), pois favorece a pesquisa, a reflexão e a inovação pedagógica.
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ESTÁGIO E DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: QUESTÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS
ESTÁGIO E DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: QUESTÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS
Olhar de Professor, vol. 22, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepción: 09 Octubre 2018
Aprobación: 04 Febrero 2019
Resumo: As reflexões apresentadas neste texto foram construídas a partir das experiências com o estágio de Educação Infantil no curso de Pedagogia, o que possibilitou fazer inferências teóricas e metodológicas sobre o estágio e a formação de docentes. O estágio é compreendido como um contexto formador dialético entre teoria e prática e torna-se condição para promover conhecimentos sobre a docência em creches e pré-escolas. O estágio por um período de tempo contínuo e prolongado, que permite a imersão e reflexão sobre a prática, se torna imprescindível na formação inicial de professores(as). A observação e a documentação do cotidiano das instituições de Educação Infantil são processos indispensáveis na formação de professores(as), pois favorece a pesquisa, a reflexão e a inovação pedagógica.
Palavras-chave: Estágio, Pedagogia da Educação Infantil, Documentação.
Abstract: The reflections presented in this text were constructed from the experiences with the of internship Early Childhood Education in the Pedagogy Program, which made it possible to make theoretical and methodological inferences about internship and teacher training. Internship is understood as a dialectical formative context between theory and practice and becomes a condition to promote knowledge about teaching in daycare center and preschool. Internship for a continuous and prolonged period of time, which allows immersion and reflection on the practice, becomes essential in the early professional development of teachers. Observation and documentation of the everyday routine of the institutions of Early Childhood Education are indispensable processes in the teacher training because it favors research, reflection and pedagogical innovation.
Keywords: Internship, Early Childhood Education Pedagogy, Documentation.
Resumen: Las reflexiones presentadas en este texto fueron construidas a partir de las experiencias con las Prácticas Docentes en Educación Infantil en el curso de Pedagogía, lo que permitió hacer inferencias teóricas y metodológicas sobre el espacio de Prácticas y la formación docente. El espacio de Prácticas se entiende como un contexto formativo dialéctico entre la teoría y la práctica y se convierte en una condición para promover el conocimiento sobre la enseñanza en guarderías y jardines de infantes. La Práctica Supervisada por un período de tiempo continuo y prolongado, que permite la inmersión y la reflexión sobre la práctica, se vuelve esencial en la formación inicial de los maestros. La observación y documentación de la vida cotidiana de las instituciones de Educación Infantil son procesos indispensables en la formación de docentes porque favorecen la investigación, la reflexión y la innovación pedagógica.
Palabras clave: Prácticas Docentes, Pedagogía de la Educación Infantil, Documentación.
INTRODUÇÃO
As pesquisas realizadas nos últimos anos apontam para a fragmentação dos conhecimentos teóricos e práticos nos cursos de formação de professores(as), onde geralmente são ministradas teorias prescritivas, deixando para o final do curso, no estágio, o momento de colocar em prática os conhecimentos. Este estudo destaca o estágio docente como espaço privilegiado da formação de professores(as), e busca enfrentar as questões dos saberes da prática na formação dos(as) estudantes, ao reconhecer o estágio como campo de produção de conhecimento, na medida em que articula os conhecimentos teóricos e práticos.
Assim, o estágio destaca-se como um elemento central nos cursos de formação inicial de professores(as) e tem a finalidade de produzir conhecimentos e reflexões sobre a prática pedagógica, ligadas principalmente ao contexto das instituições educativas. O estágio docente na Educação Infantil é compreendido como um contexto formador dialético entre teoria e prática. Com isso, o estágio torna-se condição para promover o saber e o fazer sobre a educação das crianças pequenas nas instituições educativas.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), ficou definido que são docentes os(as) profissionais que atuam junto às crianças na Educação Infantil e, com as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Pedagogia (BRASIL, 2006), o curso de Pedagogia passou a ter a responsabilidade de formar professores(as) para atuar na Educação Infantil. Assim, foi exigido conteúdos teóricos e estágio docente em creches e pré-escolas.
A obrigatoriedade do estágio na Educação Infantil evidenciou a necessidade da construção de referências para fundamentar a docência com crianças pequenas. Desde então, estamos procurando construir um modo de formar professores(as) e de compreender a docência na Educação Infantil. Ou seja, um modelo que não reproduz o trabalho docente dos demais níveis de ensino, mas que respeite os direitos das crianças pequenas, com propostas educativas que exigem atenção às especificidades de cada faixa etária.
Neste processo, muitas questões vieram à tona de modo a problematizar a formação de docentes para a Educação Infantil no interior do curso de Pedagogia. Os conhecimentos teóricos e práticos sobre a docência com crianças pequenas têm sido contemplados nos cursos de Pedagogia? Os cursos de Pedagogia têm expandido suas reflexões de modo a incorporar o resultado de pesquisas sobre a educação de bebês e crianças pequenas em espaços coletivos? O fato de formar professores(as) de crianças de 0 a 5 anos e também de 6 a 10 anos trouxe mudanças para a formação do(a) pedagogo(a)? A cultura lúdica tem sido valorizada juntamente com a cultura da escrita na formação de professores(as) de crianças?
Por outro lado, os conhecimentos advindos da didática e das metodologias de ensino, que geralmente subsidiam a disciplina de estágio no Ensino Fundamental, não se mostram totalmente adequados à Educação Infantil, uma vez que a professora de crianças pequenas não ministra aulas, ela é uma professora de crianças, uma profissão que está sendo inventada (MANTOVANI; PERANI, 1999), e o seu planejamento não está focado no ensino, mas sim na criança, como centro do processo educativo.
Nesse sentido, o estágio representa a oportunidade de refletir sobre o processo de formação de professores(as) de Educação Infantil e, também, a possibilidade de problematizar o cotidiano das creches e pré-escolas. Dessa forma, o estágio mantém como sua principal finalidade a formação dos(as) estudantes e, ao mesmo tempo, torna-se ocasião para promover conhecimentos e saberes a respeito da docência nas instituições de Educação Infantil.
As reflexões apresentadas neste texto foram construídas a partir das experiências com os estágios de Educação Infantil, como professora do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins (UFT), o que possibilitou fazer inferências teóricas e metodológicas sobre o estágio. O acompanhamento e orientação de estudantes/estagiários(as) gerou questionamentos sobre o trabalho docente na Educação Infantil e a formação de professores(as), especialmente nesta área de formação. Além disso, os estudos sobre a docência na Educação Infantil e o estágio docente na formação de professores(as) nesta etapa da Educação Básica, entre eles a pesquisa por mim desenvolvida no doutoramento, concluída em 2014, sobre a formação de professores(as) de Educação Infantil no curso de Pedagogia, forneceram aportes teóricos para as questões que são aqui problematizadas.
DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
A docência na Educação Infantil ganha relevância na medida em que esta instituição de Educação Infantil possui características próprias e tem uma proposta de educação diferenciada da escola do Ensino Fundamental. A docência na Educação Infantil tem características peculiares que os conhecimentos produzidos acerca da escola não dão conta de explicar. Portanto, requer do(a) profissional docente, saberes que contemplem as especificidades das crianças pequenas.
Barbosa (2016) reforça a ideia de que a docência na Educação Infantil não é convencional: está em processo de invenção. Além disso, considera que a formação de professores(as) de creche e pré-escolas precisa partir da experiência e de um olhar aprofundado sobre as crianças e a Educação Infantil e que a docência na primeira etapa da Educação Básica é uma atividade profissional que implica a pesquisa e a militância.
Estamos, neste momento histórico mapeando o que configura esta “peculiar” docência. Uma docência que se caracteriza por ser indireta, por ser relacional, por não ministrar aulas por não estar centrada em conteúdo, por estar com as crianças e não controlando-as, isto é, por desconstruir aquilo que foi identificado como o cerne, o óbvio da docência. (BARBOSA, 2016, p. 132).
O trabalho docente na Educação Infantil guarda especificidades com relação à docência em outros níveis de ensino. A profissão de professor(a) de Educação Infantil vem sendo construída, assim como as propostas contemporâneas de educação da pequena infância. O(A) professor(a) de crianças pequenas não ministra aulas e nem ensina conteúdos escolares, mas com intencionalidade educativa desenvolve um trabalho pedagógico e formativo com as crianças quando: organiza o espaço e o tempo para que elas produzam as culturas infantis.
De acordo com Freitas (2007) o coletivo infantil, em creches e pré-escolas, representa a expressão de uma universalidade que só se torna efetivamente compreensível de perto e representa “um microcosmo a ser desvelado”. O autor destaca as particularidades da Educação Infantil, que representa um universo com forma própria, dentro do qual está a “forma-creche”, com uma formatação diferente daquela comumente difundida do espaço escolar, justamente porque tem uma maneira peculiar de constituir-se.
As pesquisas com crianças pequenas têm desvelado um mundo infantil que, por muito tempo, passou despercebido ou foi negligenciado nos estudos educacionais. Na Educação Infantil, o que deve estar em evidência é o protagonismo das crianças. O fato de preceder a escola de Ensino Fundamental não deve retirar da Educação Infantil aquilo que a singulariza.
[...] é na singularidade da construção quotidiana do espaço, do tempo, da organização e das práticas, que o trabalho com a criança pequena ganha uma tonalidade própria. [...] é fundamental ter em conta que o específico da educação infantil não deve ser reconhecido no “reino da prática”. Ou seja, o peculiar da educação de crianças pequenas não é o mister das mãos, tão pouco é o triunfo da prática sobre a teoria. [...] Mas se não é o imperativo da prática aquilo que singulariza o trabalho com crianças pequenas, o que do seu conteúdo é “estritamente seu” a ponto de fazer com que espaço, tempo, organização e práticas escapem da poderosa forma escolar? O que lhe é essencialmente particular é a própria “cultura da infância”. (FREITAS, 2007, p. 10-11).
O curso de Pedagogia forma os(as) estudantes para três tipos de docência: a docência para a creche, para a pré-escola e para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Cabe, então, visando a uma Pedagogia da Infância (ROCHA, 2001), uma formação docente que não antagonize a cultura lúdica e as culturas da escrita, que forneça os instrumentos para as docentes reverem suas práticas e as relações de dominação com as crianças (FARIA, 2011).
O direito à Educação Infantil exige profissionais formados(as), comprometidos(as) com o conhecimento, com um projeto de educação com conteúdo; porém, não escolar, centrada na criança. Portanto, o(a) professor(a) da primeira etapa da Educação Básica não ministra aulas, não é professor(a) de disciplinas escolares, de uma grade curricular, mas é um(a) professor(a) de criança.
Tal qual uma cenógrafa, a professora (des)organiza o espaço e o tempo do capital frequentemente reproduzidos nas instituições educativas desde a primeiríssima infância. Sem a aula e sem o conteúdo escolar, a docência nas creches e pré-escolas organiza outra forma, outra pedagogia (diferente do ensino fundamental) adequada aos conteúdos das práticas culturais e dos saberes oriundos dos movimentos sociais engajados na transformação social, atenta às experiências infantis, às especificidades etárias encontradas no coletivo. Trata-se de uma profissão que está sendo inventada: a docente de crianças de 0 a 6 anos em espaços coletivos de educação e cuidado. (FARIA, 2011, p. 14).
Bufalo (2009) em suas pesquisas sobre a prática pedagógica em creches, emprega a palavra “docente” para as profissionais que atuam diretamente com as crianças, partindo do pressuposto de que elas não têm o atributo do exercício do magistério para “dar aulas”. Têm, sim, outras peculiaridades compondo essa docência, as quais partem da concepção de crianças como seres culturais, sociais e políticos; portanto, essas docentes são concebidas como co-construtoras de culturas infantis.
Na docência da Educação Infantil, a centralidade não está nos(as) professores(as): as crianças é que são o foco central do processo educativo. Esse contexto já traz um condicionante para uma pedagogia diferenciada de outras áreas da educação. Para tanto, os(as) docentes organizam espaços e tempos para que as crianças vivam suas infâncias. Seria possível definir essas docências como uma “pedagogia das relações” e/ou “uma pedagogia da escuta”, como muito bem demonstra Russo (2007, p. 67):
Na relação comigo, os meninos e as meninas podem aprender a usar um dado material, aprender o uso correto de certas palavras, a conectar lembranças e a contá-las, a ter contato com os livros, etc. Mas a relação que têm comigo – como elas a veem – é, ela própria, alguma coisa que eles aprendem: o conteúdo desta aprendizagem particular é uma forma.
A Pedagogia da Educação Infantil mostra que os adultos não são os únicos que educam e as crianças não são as únicas que aprendem. “As crianças não aprendem apenas quando os adultos tem intenção de ensinar” (GUNNARSSON, 1994, p. 164). Adultos e crianças, portanto, estão sendo educados nas relações que estabelecem entre eles. Diferentemente da escola de Ensino Fundamental, na qual existe um professor que ensina e uma criança que aprende. A Pedagogia da Educação Infantil problematiza a Pedagogia e desafia os cursos de formação de docentes para atuar com crianças a pensar na construção de outras Pedagogias:
Uma outra Pedagogia, portanto, se impõe: uma pedagogia da escuta, uma pedagogia das relações, uma pedagogia da diferença [...] onde além das ciências em que a Pedagogia busca suas bases epistemológicas, também a arte é seu fundamento, garantindo assim a ausência de modelos rígidos preparatórios para a fase seguinte e, além de um cognitivismo característico das pedagogias, também a construção de todas as dimensões humanas e o convívio com a diferença, “sem nenhum caráter” (FARIA; RICHTER, 2009, p 286).
Os conhecimentos produzidos no âmbito da Pedagogia da Educação Infantil buscam mostrar as lacunas presentes na formação de docentes de crianças pequenas e indicam outras referências para discutir a docência nesta etapa educacional, que deve estar centrada na experiência da criança, no processo, e não no produto, ou resultado.
O ESTÁGIO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Os estudos sobre a docência na Educação Infantil destacam a importância de uma pedagogia centrada na criança, e as experiências com os estágios no curso de Pedagogia confirmam tal relevância. Na Educação Infantil, o que deve estar em evidência é o protagonismo das crianças e, desse modo, conteúdos formativos específicos devem ser contemplados nos cursos de formação inicial de professores(as) de creche e pré-escola.
Mantovani e Perani (1999), ao falarem sobre a experiência realizada na Itália de formação de professores(as) de Educação Infantil para atuar nas creches implantadas após a reforma legislativa nos anos de 1970, destacam que foram precisos novos instrumentos para produzir as necessárias modificações de atitude e de comportamento dos(as) professores(as). A profissão de professores(as) de creche estava sendo inventada.
Portanto, discutir uma nova formação significa que os conteúdos dessa formação devem ser revistos, de modo a garantir aos(às) futuros(as) profissionais a aquisição de referências para atuar na docência com crianças pequenas; e isso impõe a definição de novos currículos de formação, que contemplem, além dos conhecimentos teóricos e da pesquisa empírica, as informações em contexto real, a observação nas creches e nas pré-escolas.
Nesse sentido, para Mantovani e Perani (1999), a formação prática por meio de estágio, por um período de tempo prolongado, revelou-se uma experiência extremamente significativa na formação de professores(as) de crianças pequenas. Assim, o estágio foi entendido e cada vez mais reconhecido como momento central da formação de professores(as) de crianças pequenas.
De acordo com estas autoras, no processo de construção de uma proposta que contribuísse para preparar os(as) professores(as) para atuar nas creches, a observação como metodologia se tornou o centro do debate sobre a pesquisa e sobre a intervenção na primeira infância. Observar foi natural e intuitivo para quem teve que atuar na creche, sem experiência e sem material à disposição. Observar em situação natural, considerando o contexto ambiental e de relação, é hoje a principal proposta metodológica da pesquisa sobre os pequenos (MANTOVANI; PERANI, 1999, p. 94). E acrescentam:
Nós acreditamos que, para o educador, aprender a observar a criança, identificar suas modalidades comunicativas mais elementares, instaurar um relacionamento comunicativo específico com ela seja as bases da preparação pedagógica. Uma vez que o adulto entende isto e continua aprendê-lo pela observação, quase sempre ele descobrirá qual é o jogo ou o material mais adequado para uma determinada criança ou para um determinado grupo em um determinado momento, o que dar à criança, o que dizer a ela, como organizar ou intervir. Quando o adulto aprende a ver a criança, sabendo que ela é um ser ativo, conseguirá mais facilmente notar como ela se relaciona com o espaço, com os objetos, com os outros, vai se dar conta de como acontece a interação com o grupo (MANTOVANI; PERANI, 1999, p. 93).
Mas, mesmo nos dias atuais, em que as pesquisas avançaram e oferecem informações e referências sobre as crianças em espaços coletivos, a observação continua a ser uma exigência para aqueles(as) que trabalham com as crianças pequenas, pois se mostra um instrumento útil para conhecer mais sobre elas. A observação é a base para fundamentar as direções do trabalho educativo com as crianças e, de qualquer forma, é uma competência necessária para quem trabalha com as crianças pequenas. O(A) professor(a) deve saber captar todos os sinais comunicativos que a criança manifesta. A observação determina o tipo de intervenção a ser realizada e, nesse sentido, representa uma atitude de respeito para com a criança (MANTOVANI; PERANI, 1999).
A esse respeito, Mantovani e Perani (1999) consideram que, desde os primeiros cursos, as discussões sobre a criança e os estágios se mostraram essenciais para a formação de docentes. O estágio é o momento em que o(a) estagiário(a) observa a criança, é sua primeira ocasião de contato com os(as) adultos(as) que trabalham na instituição e também com as famílias e a comunidade em geral.
Então, é pelas experiências e vivências nos espaços da Educação Infantil, e, paralelamente a esses momentos, pelo contato com leituras e discussões na universidade e com o(a) professor(a) orientador(a) do estágio, que os(as) estudantes elaboram seus conhecimentos. Além disso, é no contato com o contexto da Educação Infantil, com as crianças e os(as) professores(as), no dia a dia das creches e das pré-escolas, que os(as) estudantes têm sua atenção despertada para questões que passariam despercebidas, caso fossem abordadas apenas do ponto de vista da teoria, com a leitura de textos, por exemplo.
Desse modo, o estágio é compreendido como um contexto formador dialético entre teoria e prática. O estágio docente na Educação Infantil representa um movimento que busca interlocução e colaboração com os(as) professores(as) das creches e pré-escolas. Com isso, o estágio torna-se condição para promover o saber e o fazer sobre a educação das crianças pequenas nas instituições educativas.
O estágio curricular destaca-se como um elemento integrante do projeto curricular de formação de professores(as) e é compreendido como um campo educativo e formativo, integrante e obrigatório nos cursos de formação inicial, com a finalidade de produzir conhecimentos e reflexões, privilegiando os momentos e as dinâmicas ligadas principalmente ao contexto das instituições educativas.
Mas, os estudos sobre o estágio (FREITAS, 1996; GIGLIO, 2010) apontam para a fragmentação dos conhecimentos teóricos e práticos nos cursos de formação de professores(as), onde geralmente são ministradas teorias prescritivas, deixando para o final do curso, no estágio, o momento de colocar em prática os conhecimentos. O estágio é o momento de enfrentar as questões dos saberes da prática na formação dos(as) estudantes, ao reconhecer o estágio como campo de produção de saber, na medida em que articula os conhecimentos teóricos e práticos.
Nessa direção, para Infantino (2013, p. 10), “o estágio é compreendido como um contexto formador teórico-prático, quebrando a implícita suposição de que um momento teórico deve prevalecer sobre o prático”. Assim, procura ativamente interlocução e colaboração formativa com as creches e pré-escolas e com os(as) professores(as) diretamente envolvidos(as) no estágio. Portanto, cabe às Instituições de Ensino Superior um papel fundamental na formação prática dos futuros profissionais.
O estágio significa um momento ímpar na formação de futuros(as) professores(as). Assim, coloca-se em discussão a ideia de um percurso de estágio fundado sobre dois momentos distintos: um sobre o campo, na experiência direta em uma creche ou pré-escola, e o outro em um espaço dedicado à reflexão e ao discurso pedagógico (INFANTINO, 2013). Nessa perspectiva, é pesquisada a estreita conexão entre o saber acadêmico e o saber das instituições de Educação Infantil, sem estabelecer uma ordem hierárquica ou uma regra do momento teórico, em detrimento daquele prático.
O estágio oferece a oportunidade de enfrentar os saberes da prática na formação dos(as) estudantes, ao reconhece-lo como campo de produção de saber, na medida em que articula conhecimentos teóricos e práticos. Assim, cabe aos cursos de formação de professores(as) enfrentar questões centrais como: a fragmentação dos saberes (teóricos x práticos), a aprendizagem prática dos(as) estudantes e o fortalecimento de vínculos entre a universidade pública e o sistema educacional.
A respeito da experiência do estágio na formação acadêmica e profissional de futuros(as) professores(as), Silva (2011, p. 08) considera que:
[...] As idas dos alunos a campos de estágio representam um esforço dos projetos curriculares na direção da valorização de uma experiência de conhecimento que não está localizada apenas em conteúdos disciplinares pertencentes à grade curricular. Elas se pautam por uma visão que as vê como ocasião de formação. Experiência de estranhamento. Exploração da alteridade. Encontro com o que é diferente daquilo que se tem no cotidiano. [...] Um conjunto no qual aquele que olha não se insere por justaposição, mas por inter-relação, interpelação.
Oliveira (2000), ao falar sobre oolhar, o ouvir e o escrever na pesquisa antropológica e, de um modo geral, nas ciências sociais, diz que a escrita do diário ou caderneta de campo diferencia-se claramente do texto etnográfico, como produto final de um estudo. A textualização é diferente do trabalho de campo, porque envolve a interpretação: o texto é a interpretação dos dados obtidos no campo. Mas o autor não deixa de destacar que, mesmo na fase da coleta de dados, o olhar e o ouvir são disciplinados, ou seja, a nossa percepção é realizada a partir das referências da nossa disciplina, seja a antropologia, a sociologia ou outra. Portanto, podemos dizer que não há neutralidade na observação, na coleta de dados, pois esse processo é realizado por um pesquisador que tem uma formação, um olhar sobre o mundo e os fatos, construído por uma determinada área de conhecimento.
Desse modo, no processo de construção de dados da pesquisa, é realizada uma primeira verificação, seleção, percepção dos dados, mas não de forma metódica e sistemática como na elaboração do texto final da pesquisa. Portanto, - sistema conceitual, de um lado, e, de outro, os dados - nunca puros, pois já em uma primeira instância, construídos pelo observador desde o momento de sua descrição, guardam entre si uma relação dialética. São interinfluenciáveis (OLIVEIRA, 2000, p. 27).
Assim, podemos questionar a suposta divisão entre teoria e prática, entre saber acadêmico e saber prático na formação de professores(as), uma vez que ambos são construções humanas e, portanto, guardam proximidades. Portanto, podemos analisar a relação entre os saberes teóricos e práticos não em oposição, mas em interinfluência, em interpelação.
ESTÁGIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: OBSERVAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO E REFLEXÃO
Observamos nas instituições de Educação Infantil que os(as)professores(as), com uma formação voltada para a escola de Ensino Fundamental acabam usando esses mesmos conhecimentos na educação das crianças pequenas, por receio de não saber fazer diferente do que aprenderam. Temos ainda, de forma hegemônica, uma pedagogia que busca vigiar e controlar as crianças, que valoriza muito pouco as capacidades infantis, que não ouve as crianças e suas questões.
Para escapar das premissas, tão fortemente estabelecidas nos processos de formação de professores(as), os estágios em creches e pré-escolas tomam os três protagonistas da Educação Infantil: as crianças, os(as) professores(as) e as famílias (SPAGGIARI, 1998), tendo a criança como protagonista privilegiada, como referência na construção de saberes na formação de docentes.
O estágio na Educação Infantil considera as diversas relações presentes no cotidiano das instituições e não unicamente a relação entre o(a) professor(a) e as crianças. Deste modo, analisa a relação entre os(as) profissionais que trabalham nas instituições e as famílias; a relação entre os(as) profissionais que atuam nas creches e pré-escolas, problematizando a formação docente; a relação entre adultos e crianças a partir das políticas públicas; a relação entre professores(as) e as crianças a partir das pedagogias; as relações entre as crianças e a produção das culturas infantis (DRUMOND, 2014). Assim, é importante orientar o olhar do(a) estagiário(a) desde o primeiro contato com a creche e a pré-escola. Observar o espaço físico e o que ele revela sobre a intencionalidade pedagógica do(a) professor(a); observar as relações entre os adultos, entre os adultos e as crianças e entre as crianças.
O trabalho com os estágios evidencia a importância da observação e do registro/documentação no processo de formação e de construção de saberes sobre a docência com crianças pequenas. Além disso, reforça a relevância das reflexões sobre o cotidiano das instituições de Educação Infantil produzidas durante os estágios. Assim, o trabalho com o estágio é compreendido em três momentos complementares: observação, documentação e reflexão. Para o registro das observações são utilizados os cadernos de campo/estágio; as reflexões são sistematizadas nos seminários e relatórios de estágio.
Desta forma, o estágio mantém como sua principal finalidade a formação dos(as) estudantes e, ao mesmo tempo, torna-se ocasião para promover o saber pedagógico sobre a infância e a criança nas instituições de Educação Infantil, pois estimula a reflexão por parte dos envolvidos: estudantes e professores(as).
A observação como método de trabalho no estágio
Geralmente, o estágio, no seu formato tradicional, é pensado dentro da seguinte estrutura: observação, planejamento e regência. E, nesse caso, a observação ocorre por um período breve, com o objetivo de levantar informações para a segunda etapa do estágio: o planejamento de aulas, para, então, ir para a regência, o momento central do estágio, quando os(as) estudantes/estagiários vivenciam a experiência de atuar como professor(a) de uma turma de alunos(as). No entanto, o estágio na Educação Infantil adota outra metodologia, com ênfase na observação, considerada uma habilidade útil e necessárias para professores(as) de crianças pequenas.
Nesse sentido, os(as) estudantes são encorajados(as) a envolver-se num constante trabalho de observação, que durante o estágio é entendida como método de trabalho (INFANTINO, 2013). Assim, a observação não é exatamente uma técnica de coleta de dados ou informações, mas um método. Nessa perspectiva, ela é proposta aos estudantes não apenas como um recurso para os primeiros contatos com a instituição educativa, mas como uma metodologia que deve prolongar-se durante todo o período do estágio. O estágio é compreendido como um momento de preparar os(as) professores(as) que se situam no mundo da educação como “pesquisadores(as)”, de colocá-los(as) na condição de adquirir a arte da reflexão.
Os(As) estagiários(as) são incentivados(as) a adotar um posicionamento que pode ser definido como antropológico, ao observar como “estrangeiros” a realidade e a cultura nas quais foram inseridos, para, ao modo do antropólogo, familiarizar-se com o estranho e estranhar-se com o familiar (GEERTZ, 1989).
Assim, tendo a observação como método de trabalho os(as) estagiários(as) são convidados a manter um caderno de campo/estágio para o registro das observações realizadas durante o estágio. O registro/documentação do cotidiano das creches e pré-escolas torna-se objeto de discussão e reflexão por parte dos(as) estagiários(as) e de seus professores(as) de estágio. Assim, os registros nos cadernos de campo, como fonte primária de pesquisa, oferecem material para a discussão, a problematização e a reflexão sobre o cotidiano de crianças e professores(as) nas creches e nas pré-escolas – enfim, para a pesquisa.
Os registros das observações tornam-se material de trabalho compartilhado pelo(a) estagiário(a) e pelo(a) professor(a) de estágio, que, a partir deles, realizam trocas e debates sobre o cotidiano da Educação Infantil, sobre a docência com as crianças pequenas, envolvendo o grupo de estudantes, o que não seria possível no espaço da creche e da pré-escola.
Entretanto, o estágio na Educação Infantil pode ser organizado de modo que os(as) estagiários(as) se envolvam mais com o trabalho de educar e cuidar das crianças nas creches e nas pré-escolas (INFANTINO, 2013): os(as) estagiários(as), gradativamente, imergem no trabalho pedagógico: atuam inicialmente como colaboradores dos(as) professores(as) da turma e, posteriormente, até mesmo, assumem a responsabilidade de trabalhar com uma turma de crianças, desde que isso seja acompanhado pelos(as) professores(as) da turma, tanto no planejamento quanto no momento da atuação com as crianças.
A documentação nos estágios
Os registros nos cadernos de campo/estágio, como fonte primária de pesquisa, oferecem material para a discussão, a problematização e a reflexão sobre o cotidiano de crianças e professores(as) nas creches e nas pré-escolas – enfim, para a pesquisa. Com essa concepção, os cadernos de campo são usados como recurso para registrar os estágios, e os(as) estagiários(as) são orientados a produzir registros descritivos e imagéticos do que foi observado nas creches e nas pré-escolas.
Acostumados a uma determinada produção escrita de texto (fichamentos, resumos, resenhas e monografias), os alunos são estimulados para a produção de uma escrita mais narrativa, subjetiva e parcial, como os diários (FIAD; SILVA, 2000). O diário de campo é um espaço para o registro sistemático das vivências no campo de estágio. São diferentes dos diários íntimos, porque produzidos no interior de um programa de formação inicial, numa instituição de Ensino Superior. Nesse estilo de escrita, a referência maior não é um autor em especial ou uma teoria, mas as impressões e as experiências do(a) próprio(a) estudante (FIAD; SILVA, 2009). Antes de tudo, fazer um diário de campo é instalar-se em uma prática concreta, para pensar a si mesmo e se experimentar como sujeito da escrita.
O estudo de Garcia (2007) investiga o uso da linguagem escrita como forma de mediação na formação continuada dos(as) professore(as) de Educação Infantil. Essa perspectiva requer a superação da prática da escrita como atitude de natureza simplesmente protocolar, de registro do dia a dia, como algo meramente formal. Por outro lado, exige uma escrita construtora e produtora de reflexão, uma escrita claramente metarreflexiva. A estratégia buscada com os(as) professores(as) foi a produção de relatórios ou registros escritos, como forma de reflexão sobre o próprio trabalho.
Nesse processo, o uso da documentação constitui uma ferramenta indispensável na formação inicial de professores(as), particularmente nos estágios e, também para aqueles(as) que já atuam como docentes. A documentação serve para confirmar algo que consideramos relevante, representa o registro das observações e pode ser comunicado aos outros, como, por exemplo, aos pais/mães, professores(as), pesquisadores(as). Na Educação Infantil, quando documentamos algo, estamos deliberadamente optando por registrar os acontecimentos, a fim de pensar e comunicar as descobertas das crianças nos espaços em que elas são educadas.
Através da observação e escuta atenta e cuidadosa às crianças, podemos encontrar uma forma de realmente enxergá-las e conhecê-las. Ao fazê-lo, tornamo-nos capazes de respeitá-las pelo que elas são e pelo que elas querem dizer. Sabemos que, para um observador atento, as crianças dizem muito, antes mesmo de desenvolver a fala. Já nesse estágio, a observação e a escuta são experiências recíprocas, pois, ao observarmos o que as crianças aprendem, nós mesmos aprendemos (GANDINI; GOLDHABER, 2002, p. 152).
A documentação pedagógica pode ser entendida como um instrumento que favorece uma prática pedagógica reflexiva e democrática. Envolve todo o material produzido pelas crianças e pelo(a) professor(a). Esse material torna o trabalho pedagógico concreto e visível, e, por meio dele, os(as) professores(as) podem refletir sobre as crianças e sobre seu trabalho com elas. É uma maneira de interpretar o que as crianças fazem e de conhecer melhor o trabalho dos(as) professores(as). Permite ao(à) professor(a) analisar o que está acontecendo na prática, mas suas descrições são construídas, e não um retrato fiel da realidade. E, por isso mesmo, tornam-se material para pesquisa e discussão (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003).
Assim, a documentação pedagógica pressupõe que os(as) professores(as) possam organizar o tempo, tanto para o preparo da documentação, como para os processos de reflexão.
[...] Toda a documentação – as descrições escritas, as transcrições das palavras das crianças, as fotografias e atualmente as gravações em vídeos – torna-se uma fonte indispensável de material que usamos todos os dias, para sermos capazes de “ler” e refletir, tanto individual como coletivamente, sobre a experiência que estamos vivendo, sobre o projeto que estamos explorando. Isso nos permite construir teorias e hipóteses que não são arbitrárias e artificialmente impostas às crianças. [...] A câmara, o gravador, o projetor de slides, a máquina de escrever, a câmara de vídeo, o computador e a fotocopiadora são instrumentos absolutamente indispensáveis para o registro, para a compreensão, para o debate entre nós e, finalmente, para a preparação de documentos apropriados de nossa experiência (VECCHI, 1999, p. 131).
A documentação constitui um acervo básico de materiais utilizados pelos(as) professores(as), a fim de refletir criticamente, de forma individual e coletiva. Isso permite construir teorias e hipóteses que não são arbitrárias ou artificialmente impostas às crianças, mas derivam do trabalho que os(as) professores(as) e as crianças estão construindo juntos e, muitas vezes, com a participação dos familiares. Assim, a democratização da informação possibilita a circulação dos conhecimentos, afim de que os familiares e todos os envolvidos com o trabalho educativo da instituição podem conhecer e acompanhar o trabalho pedagógico desenvolvido com as crianças.
As reflexões nos estágios
Nos estágios, os(as) estudantes são envolvidos(as) na organização e na apresentação de seminários com o objetivo de discutir e problematizar as experiências vividas com os estágios nas creches e nas pré-escolas. Os seminários representam um momento de análise e de reflexão sobre as práticas observadas e vivenciada nos estágios; significam a oportunidade de discutir e problematizar os conhecimentos discutidos na universidade, a partir das leituras e do estudo da bibliografia do curso e dos saberes construídos no contato com as crianças e com os(as) professores(as) nas unidades de Educação Infantil.
Os seminários de estágio se tornaram um lugar importante para reelaborar e compartilhar saberes entre estagiários(as) e professores(as) de estágio; entre a creche/pré-escola e a universidade; entre conhecimentos teóricos e conhecimentos produzidos na prática de estágio. Nos seminários de estágio, enquanto espaço de diálogo, reflexão e produção de conhecimento, os(as) estagiários(as), professores(as) de estágio e professores(as) da creche/pré-escola trocam experiências, constroem reflexões e produzem conhecimentos ao problematizar o cotidiano das instituições de Educação Infantil.
A elaboração dos relatórios de estágio oferece aos(às) estagiários(as) a oportunidade de produzir reflexões a partir das experiências de estágios em creches e pré-escolas e também das leituras e pesquisas bibliográficas realizadas com a supervisão de professores(as) orientadores(as) de estágio. Ao trazer o contexto das instituições de Educação Infantil para o debate é comum que os(as) estagiários(as) estabeleçam conexões com as referências bibliográficas discutidas na universidade. Mas, isto somente é possível em um estágio que articula teoria e prática, que discute conhecimentos referentes à docência com as crianças pequenas e oferece material teórico para problematizar o trabalho pedagógico desenvolvido nas instituições educativas.
As questões do cotidiano das creches e pré-escolas também são problematizadas nos trabalhos de conclusão de curso (TCC), quando a motivação inicial da pesquisa é resultado das experiências vivenciadas durante o estágio. E, neste caso, o caderno de campo/estágio é utilizado com fonte de informação e pesquisa na elaboração do TCC. Como exemplo, tomamos o trabalho monográfico elaborado por um estudante de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins (UFT), com o título: “A docência masculina na Educação Infantil” (ARAUJO, 2018), cujo objeto de pesquisa foi construído a partir do estágio na Educação Infantil, conforme o relato abaixo:
Ao iniciar o estágio no centro municipal de educação infantil, que atende crianças de 1 ano e meio a 3 anos e onze meses em período integral, fomos recebidos pela diretora da instituição que nos apresentou o espaço físico e a rotina. [...] Sobre o horário do banho das crianças ela fez o seguinte comentário, com relação aos(as) estagiários(as): “Os homens acompanham os meninos no banheiro masculino e as mulheres vão com as meninas para os banheiros femininos”. (CADERNO DE ESTÁGIO, 2016).
A diretora da instituição de Educação Infantil recomendou que os estagiários do sexo masculino não entrassem no banheiro das meninas, pois as famílias poderiam questionar a presença de homens no ambiente, considerando que apenas profissionais do sexo feminino atuam naquele espaço, com exceção do guarda que trabalha no período noturno. A presença de estagiários do sexo masculino gerou certo incomodo durante estágios e também inquietações por parte de estagiários, pois a docência com crianças pequenas, na maioria das vezes, ainda é vista como uma profissão feminina.
Considerando a importância de refletir sobre prática docente nas instituições de Educação Infantil, Cipollone (1998, p. 122), diz que “[...] é exatamente na prática educacional que se colocaram em discussão teorias e formularam-se novas hipóteses”. A autora considera que as experiências, por si sós, não produzem inovações, mas, a partir da reflexão sobre a prática educativa pode-se chegar a um projeto de Educação Infantil que tenha por base a pesquisa e a Pedagogia.
A pedagogia constituiu um ponto de vista específico que funciona como adesivo e selecionador em relação a outras abordagens teóricas, operando entre a prática e a teoria. O fazer é a substância do projeto pedagógico, mas o fazer é o reino da não linguagem, é um mundo que deve ser conhecido, tornado comunicável para que se possa falar em projeto. Do fazer ao projeto existe o determinar-se do entrelaçamento entre teorização e ação, em busca de um modelo que consiga descrever a complexidade e a especificidade dos processos formativos naquele local, naquele tempo, e com aqueles sujeitos (CIPOLLONE, 1998, p. 122).
A pedagogia constituiu um ponto de vista específico que funciona como adesivo e selecionador em relação a outras abordagens teóricas, operando entre a prática e a teoria. O fazer é a substância do projeto pedagógico, mas o fazer é o reino da não linguagem, é um mundo que deve ser conhecido, tornado comunicável para que se possa falar em projeto. Do fazer ao projeto existe o determinar-se do entrelaçamento entre teorização e ação, em busca de um modelo que consiga descrever a complexidade e a especificidade dos processos formativos naquele local, naquele tempo, e com aqueles sujeitos (CIPOLLONE, 1998, p. 122).
A Pedagogia, como ciência da prática, cumpre o papel de sistematizar os conhecimentos a respeito das crianças, das práticas pedagógicas, da organização do tempo e do espaço nas instituições de Educação Infantil; no sentido de fundamentar a prática educativa e de ser o aporte para a formação e o profissionalismo dos(as) docentes que trabalham ou irão trabalhar na área.
No processo de formação, durante o estágio é importante o acompanhamento dos(as) estagiários(as) pelo professor(a) orientador/supervisor de estágio. É ele(a) quem vai observar e problematizar as situações do cotidiano das creches e pré-escolas com os(as) estudantes, no momento da observação, da regência e da produção de reflexões orais e escritas.
Ao refletir com os(as) estudantes sobre o trabalho docente na Educação Infantil o professor(a) orientador(a) vai chamar atenção para aspectos que passariam despercebidos, ou que não foram considerados relevantes sobre à prática dos(as) professores(as) de Educação Infantil ou sobre as relações entre as crianças, entre os(as) profissionais da instituição ou ainda sobre o uso de determinados materiais e espaços, entre outros. Mas, para realizar esse trabalho de orientação, acompanhamento e avaliação dos estágios é importante que o professor(a) de estágio possa trabalhar com um pequeno grupo de estudantes, assim ele terá condições de estar presente na instituições de Educação Infantil, observar o trabalho dos(as) estagiários(as), problematizar situações da prática, intervir quando necessário, com orientações e indicações de leituras.
O acompanhamento e avaliação do estágio deve ocorrer durante o processo e não somente ao final, pois as trocas e interações com o(a) professor(a) orientador(a) enriquece o trabalho do(a) estagiário(a) nas instituições de Educação Infantil, permite ampliar o olhar sobre as práticas cotidianas e estabelecer relações mais significativas com o contexto educativo. Assim, os saberes construídos nas interações com as crianças e professoras de creches e pré-escolas tornam-se parte do processo formativo dos(as) estagiários(as).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estágio de Educação Infantil nos cursos de Pedagogia possibilita a discussão e a elaboração de um conjunto de conhecimentos, a respeito das crianças pequenas e da docência nessa etapa educacional, a partir do contato com o cotidiano das creches e das pré-escolas. Assim, o estágio representa um momento privilegiado na formação inicial de docentes, é o espaço da experiência e da vivência. Além disso, o estágio favorece a pesquisa, pois promove a reflexão, a formação e a inovação pedagógica.
A docência na Educação Infantil constitui-se em um campo em construção, com características peculiares, que extrapola o modelo de professor(a) da escola, pois tem, no binômio educação e cuidado, as marcas da sua especificidade. O trabalho com os estágios na Educação Infantil tem mostrado a importância da construção de uma Pedagogia da Educação Infantil, e nos convida a uma revisão da formação de professores(as) de crianças de 0 a 5 anos.
A experiência de estágio contribui significativamente com a formação dos(as) estudantes, futuros(as) professores(as), ao desenvolver um papel ativo e criativo, com abertura para aprender a partir do contato com as instituições de Educação Infantil. Os(as) estagiários(as) são convidados(as) a construir, a partir do desconhecido, um conhecimento que não está definido anteriormente, mas vai sendo elaborado pouco a pouco no contato com a realidade observada e na relação estabelecida com os outros sujeitos envolvidos no contexto dos estágios.
O estágio de Educação Infantil destaca a observação como principal abordagem metodológica, e o caderno de campo/estágio é utilizado como ferramenta para documentar as observações do cotidiano das creches e das pré-escolas. Com destaque para as categorias de observação e de análise do estágio de Educação Infantil, que contempla as relações entre os adultos, entre os adultos e as crianças e entre as crianças, envolvendo professores(as), familiares e crianças no contexto da Educação Infantil. Assim, é possível ampliar o campo de formação de docentes de crianças pequenas e discutir a criança como sujeito do seu próprio conhecimento e de sua própria história – uma criança ativa, que estabelece múltiplas relações com os adultos e com as outras crianças nos espaços educativos.
As reflexões promovidas com os(as) estudantes/estagiários(as) possibilitam discutir e problematizar o cotidiano das crianças e dos(as) professores(as), nos espaços das creches e das pré-escolas, campo de estágio; ou seja, permitem compartilhar os conhecimentos que dizem respeito à docência com as crianças pequenas. A reflexão, realizada conjuntamente com os(as) estagiários(as), amplia a discussão, o que permitiu falar do estágio e fazer algumas inferências sobre a relação entre a Educação Infantil e a Pedagogia.
A Pedagogia é uma ciência da prática, que busca suas bases epistemológicas em outras ciências, como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia e outras. A ausência de um campo epistemológico próprio na Pedagogia não significa carência de referências teóricas; ao contrário, a relação entre teoria e prática está implícita na Pedagogia, como ciência da prática, assim como a medicina por exemplo.
Neste sentido, o estágio representa um movimento que busca interlocução e colaboração com as creches e pré-escolas e com os(as) professores(as) que atuam nesses espaços. O estágio é compreendido como um contexto formador dialético entre teoria e prática, torna-se condição para promover o saber e o fazer sobre a educação das crianças pequenas nas creches e pré-escolas. Dessa forma, o estágio por um período de tempo contínuo e prolongado, que permite a imersão e reflexão sobre a prática, se torna imprescindível na formação inicial de professores(as), na medida em que favorece a formação de profissionais conscientes de sua realidade, capaz de se posicionar criticamente diante das situações que envolve o seu contexto de atuação.
Assim, é importante reafirmar que o estágio se constitui como subsídio indispensável para a atuação na prática educacional daqueles que ainda não possuem experiência na área, assim como para o aperfeiçoamento das práticas dos profissionais que já atuam na Educação Infantil, por se tratar de crianças pequenas, que apresentam particularidades em relação às crianças maiores, como as do Ensino Fundamental, por exemplo. Nesta direção a observação e documentação da prática pedagógica mostram-se como recursos uteis e necessários ao(à) professor(a) que atua ou irá atuar na Educação Infantil, pois favorece a reflexão sobre o trabalho pedagógico e permite trazer inovações para a educação das crianças pequenas.
REFERÊNCIAS
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