Sociological vision of the start of teaching in children’s education
The objective is to characterize the phase of insertion in the career from the first experiences in teaching.
This is a qualitative descriptive-analytical study, developed from experiences of professional initiation in a public
children day care center belonging to the municipal network of Naviraí, in the state of Mato Grosso do Sul, Brazil.
The results indicate that the process of insertion in the professional field results in some situations of prejudice on
the part of the teachers with greater experience with teaching, once the interviewed beginner teacher declares to
feel alone and forsaken by her colleagues and when she tries doing something different is prevented with looks that
try to silence your wants and desires.
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UMA LEITURA SOCIOLÓGICA DO INÍCIO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
UMA LEITURA SOCIOLÓGICA DO INÍCIO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Olhar de Professor, vol. 22, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepción: 01 Febrero 2018
Aprobación: 31 Diciembre 2018
Resumo: O objetivo concerne em caracterizar a fase de inserção na carreira tendo em vista as primeiras vivências com a docência. Trata-se de um estudo qualitativo de caráter descritivo-analítico, desenvolvido a partir de experiências de iniciação profissional em uma creche pública pertencente à rede municipal de Naviraí, interior do Estado de Mato Grosso do Sul. Os resultados apontam que o processo de inserção no campo profissional resulta em algumas situações de preconceito por parte dos professores com maior experiência com a docência, uma vez que a professora iniciante entrevistada declara sentir-se sozinha e desamparada pelos seus colegas e que quando tenta fazer algo diferente é “barrada” com olhares que tentam silenciar suas vontades e desejos.
Palavras-chave: Iniciação à Docência, Socialização Profissional, Educação Infantil.
Abstract: The objective is to characterize the phase of insertion in the career from the first experiences in teaching. This is a qualitative descriptive-analytical study, developed from experiences of professional initiation in a public children day care center belonging to the municipal network of Naviraí, in the state of Mato Grosso do Sul, Brazil. The results indicate that the process of insertion in the professional field results in some situations of prejudice on the part of the teachers with greater experience with teaching, once the interviewed beginner teacher declares to feel alone and forsaken by her colleagues and when she tries doing something different is prevented with looks that try to silence your wants and desires.
Keywords: Initiation to Teaching, Professional Socialization, Childhood education.
Resumen: El objetivo consiste en caracterizar la fase de inserción en la carrera teniendo en vista las primeras vivencias con la docencia. Se trata de un estudio cualitativo de carácter descriptivo-analítico, desarrollado a partir de experiencias iniciación profesional en una guardería pública perteneciente a la red municipal de Naviraí, interior del Estado de Mato Grosso do Sul. Los resultados apuntan que el proceso de inserción en el campo profesional resulta en algunas situaciones de prejuicio por parte de los profesores con mayor experiencia en la docencia, ya que la profesora principiante entrevistada declara sentirse sola y desamparada por sus colegas y que cuando intenta hacer algo diferente es “contenida” con miradas que intentan silenciar su voluntad y deseos.
Palabras clave: Iniciación a la Docencia, Socialización Profesional, Educación Infantil.
INTRODUÇÃO
Estudos e pesquisas (NONO; MIZUKAMI, 2006), revelam aspectos relativos à etapa de iniciação à docência. Todavia, apesar do aumento da produção do conhecimento nesta área, são poucos os trabalhos que têm sido desenvolvidos a respeito do início da docência e, especialmente, sobre a socialização dos professores no âmbito da Educação Infantil.
Os professores iniciantes têm dificuldades em desempenhar suas funções, por determinadas situações problema que se fazem presentes na atuação pedagógica, circunstâncias essas que estão diretamente ligadas à inserção no âmbito escolar.
Nesse cenário de investigação, o tema tratado no artigo apresenta-se como uma possibilidade rica e promissora a ser explorada, uma vez que é importante aprofundar estudos e pesquisas que busquem compreender melhor como os professores se desenvolvem nos primeiros anos de carreira, bem como se socializam no ambiente das instituições.
Nossa experiência com práticas de trabalho em estágio na formação inicial de professores e o contato com a literatura especializada na temática da socialização profissional nos levaram a eleger como objeto de investigação esse tema pois, com leituras e discussões notamos que pela cultura escolar, os professores com mais experiência têm privilégios para escolher qual faixa etária de crianças querem trabalhar, optam primeiro sobre as turmas para lecionar a cada novo ano letivo, parecem ter mais liberdade e autonomia no desenvolvimento de suas ações e ainda são encarados, por seus gestores, como sendo aqueles profissionais mais confiáveis para determinadas atividades.
Esses denominadores reduzem a participação mais ativa do professor iniciante na escola e acabam por gerar conflitos nas relações entre os professores. Isso resulta numa relação de poder em que o mais experiente é visto como o estabelecido neste espaço e, os mais novos, como sendo aquele sujeito outsiders (ELIAS,1994).
Em síntese, do ponto de vista teórico, este texto tem o objetivo de tentar abrir uma agenda reflexiva sobre o começo da carreira docente de uma professora e as relações de poder1 percebidas em sua experiência profissional nos primeiros anos de docência. Dessa forma, a contribuição reside em apontar alguns elementos que possam oferecer um melhor entendimento dessas questões em uma leitura sociológica.
ENTRE “SOBREVIVÊNCIAS” E “DESCOBERTAS”: A SOCIALIZAÇÃO DO PROFESSOR INICIANTE NO AMBIENTE ESCOLAR
O propósito desta sessão é discorrer acerca das normas de socialização e relações de poder estabelecidas no âmbito escolar. Para este fim, utilizamos uma síntese comparativa entre a obra de Elias (1994), que por meio de estudos representam dois grupos (“estabelecidos” e “outsiders”) com situações semelhantes aos professores experientes e iniciantes do contexto escolar.
Marcelo Garcia (2010, p. 30) afirma que a socialização “[...] é o processo mediante o qual um indivíduo adquire o conhecimento e as destrezas sociais necessários para assumir um papel na organização”. Nessa direção, é necessário um movimento que encare, no local de trabalho, o professor novato como alguém que está a aprender os ofícios da carreira e, portanto, um sujeito que necessita de uma maior colaboração no ambiente escolar. Caberia, então, aos professores mais experientes o papel de contribuir com seu aprendizado e sua formação a partir de uma interação e com práticas de colaboração que visem à melhoria da prática pedagógica.
Caso esta assertiva não ocorra e se desenvolva no interior das escolas, os iniciantes podem ficar à mercê da sorte (SOUZA, 2009), como também subordinados a seguirem os ideais impostos pelos profissionais com mais experiência. Esta situação pode levar a um entendimento de que estão na parte mais baixa da hierarquia escolar, quando na verdade neste espaço todos precisam ser encarados como membros de uma mesma comunidade (docente) e, portanto, têm (ou ao menos deveriam ter) os mesmos direitos e deveres.
Para muitos autores da literatura especializada na área de entrada na carreira tais como Gonçalves (1992), Cavaco (1995), Loureiro (1997) e Nono e Mizukami (2006), e a fase de iniciação à docência pode ser encarada como sendo um momento importante porque é neste instante que ocorre o processo de socialização profissional. Na visão destes pesquisadores, é na interação com os demais professores, já atuantes na escola, que o professor iniciante precisa encontrar seu espaço e, com isso, entendem que a socialização precisa ser contínua, visando à promoção do desenvolvimento profissional.
De acordo com Marcelo García (1995), o início da carreira é um período de tensões e aprendizagens, no qual o professor começa a estabelecer sua identidade docente. Partindo deste contexto, indagamos como se dá o processo de socialização de professores iniciantes e quais são as influências das relações de poder no espaço escolar?
O processo de socialização profissional de professores iniciantes é marcado por medo e incertezas, considerado como o mais difícil e crítico na carreira, sendo caracterizado por sentimentos contraditórios que desafiam, cotidianamente, o professor e sua prática docente. Portanto, a socialização pode contribuir tanto com a adequação e o desempenho profissional dos professores quanto para potencializar sentimentos negativos. Tudo dependerá das experiências que o sujeito terá no ambiente escolar.
A socialização está presente de maneira significativa da fase inicial da docência podendo contribuir ou prejudicar a inserção de professores nas escolas. Esse período é de suma importância, pois é por meio da interação/socialização que o professor novato terá maior motivação para seguir sua carreira mesmo em meio às dificuldades decorrentes do processo de aprender a ensinar.
Desse modo, o apoio dos professores experientes é fundamental, uma vez que, quando o novato percebe que é responsável pelo ensino de alunos/crianças tendo que lidar com pais, mostrar serviço para coordenação, estando sujeito a críticas positivas ou não por parte de todos do seguimento escolar, precisará de apoio para enfrentar estas situações que fazem parte do ambiente de trabalho.
Podemos entender que o processo de socialização profissional constitui-se na aprendizagem dos valores que se adquirem ao longo da carreira durante o contato com os professores experientes e a cultura existente na escola. Neste momento, o professor iniciante tem muitas expectativas quanto à profissão, se irá conseguir desenvolver um bom trabalho com a turma, se conseguirá ter um posto mais elevado nesta mesma carreira, bem como se sua relação com os demais colegas será positiva a ponto de se sentir parte da comunidade docente.
É preciso que ocorra a socialização profissional para que haja troca de informações/conhecimentos entre os docentes no ambiente em que se desenvolvem profissionalmente, tornando este momento inicial um período de apoio para que ocorra uma aprendizagem entre os colegas de trabalho.
As relações de poder2 no espaço escolar tem sido uma questão que está sendo cada vez mais abordada, pois se compreende como um momento de tensões e aprendizagens para professores iniciantes que, ao ingressarem nas instituições de educação, acabam por reproduzir uma relação de poder imposta pela sociedade existente. Segundo Elias (1994), o poder é fruto das relações e, neste sentido, não é algo posto e situado, é relacional, inerente à prática social. O poder tem relação direta com a existência dos grupos que:
Podem reter ou monopolizar aquilo que outros necessitam, como por exemplo, comida, amor, segurança, conhecimento, etc. Portanto, quanto maior as necessidades desses últimos, maior é a proporção de poder que detêm os primeiros (ELIAS, 1994, p. 53).
Choi (2015), ao realizar uma pesquisa exploratória sobre a socialização de professores iniciantes, conclui que existem quatro eixos relevantes para o profissionalismo docente, sendo estes expostos no esquema da figura abaixo:
O esquema acima oportuniza a compreensão de que, quando os professores colaboradores da pesquisa do autor enfrentaram o impacto do ingresso nas instituições escolares, “[...] uns sentiram uma maior pressão para se conformarem com as exigências estruturais, enquanto outros tiveram uma maior capacidade de se transformar a si próprios e de modificar as situações externas” (CHOI, 2015, p. 109).
Os professores iniciantes, por terem pouca experiência profissional, quando vão para as instituições têm receio de não concordarem com professores experientes em determinadas situações do contexto escolar. Os docentes com maior experiência estão na profissão há bastante tempo, podendo tanto auxiliar em determinadas situações escolares quanto deixar os “novatos” resolverem problemas/dificuldades sozinhos sem o apoio que julgamos necessário nesta fase da vida do professor.
Ao observarmos a prática docente, a partir de experiências de pesquisas anteriores (CIRÍACO, 2016; PAPI; MARTINS, 2010), como também por meio de atividades de estágio em instituições de Educação Infantil, percebemos que, muitas vezes, professores novatos parecem tentar “agradar” a todos na escola, principalmente, professores experientes, diretores e coordenadores. Não estamos aqui fazendo juízo de valor deste posicionamento profissional, mas, sim, colocando em xeque a falta de autonomia que esta atitude pode levar, uma vez que, essa forma de agir, ao que tudo indica, está relacionada com a tentativa de passar uma imagem mais “positiva” ao seu respeito, pois quando os “novatos” não são efetivos, têm de mostrar que são bons profissionais e responsáveis para que no ano seguinte possam ser contratados.
Seguindo esta linha de raciocínio, podemos afirmar que na escola há uma hierarquia de relação de poder. Os professores com experiência têm privilégios, maior autonomia e credibilidade quando comparados com os iniciantes que ficam submetidos, em muitos casos, a seguirem os passos dos experientes. Isso nos leva a pensar que existe um ritual de iniciação profissional em que a lógica parece caminhar dos que já estão estabelecidos no ambiente para os que estão a aprender determinados processos decorrentes da inexperiência e/ou falta de conhecimento do ofício da profissão.
No ambiente escolar, torna-se necessário que a gestão esclareça, de forma mais precisa, que todos os professores têm os mesmos direitos, independentemente do tempo de carreira. Tal fato faz-se relevante porque verificamos que professores iniciantes, em alguns casos, se sentem intimidados pelos professores experientes. A fase de iniciação é um momento delicado da vida do docente. As experiências do contato inicial com a escola e com os colegas de trabalho podem contribuir para a permanência na profissão, como também, para a construção da identidade dos sujeitos, razão pela qual colocamo-nos em defesa de encarar o início da docência como um projeto coletivo (ROCHA, 2006).
Norbet Elias, autor da Sociologia, durante a década de 1950 escreveu a obra “Os Estabelecidos e os Outsiders”, publicada no ano de 1965 que apresenta um estudo realizado em uma pequena cidade ao sul da Inglaterra, de nome fictício Winston Parva, tendo como objetivo compreender as normas de socialização e relações de poder estabelecidas numa pequena comunidade. A publicação apresentada neste estudo resultou em preceitos de socialização, reproduzindo sentimentos de discriminação e exclusão entre os moradores de diferentes grupos.
Nesse local, existia uma divisão entre dois grupos: os antigos moradores “Estabelecidos” e os recém-chegados “Outsiders”. Os “Estabelecidos” se rotulavam como superiores aos recém-chegados, os “Outsiders”, que eram identificados como inferiores. Sendo assim, os estabelecidos acabaram excluindo os novos moradores do seu convívio social, com exceção do relacionamento profissional. O incomodo contra os outsiders surgia por meio de fofocas (ELIAS, 1994).
Ao evocarmos a obra de Elias (1994), estamos a estabelecer um ensaio analógico da hierarquia do espaço escolar, apresentada neste item de discussão. Nessa perspectiva, em relação ao estudo da socialização profissional docente, os “Estabelecidos e os Outsiders” pode vir a contribuir para compreendermos processos de convívio e interação entre professores experientes (estabelecidos) e professores iniciantes (outsiders).
Com isso, no contexto escolar, podemos entender o grupo de professores experientes, os “estabelecidos”, como sendo os moradores antigos do bairro (escola) e por esse motivo acabam sendo privilegiados e respeitados. Já os “outsiders”, novos residentes, se enquadram, nesta analogia, como os profissionais iniciantes na docência, tendo que se habituar ao papel de moradores (professores) recém-chegados que tentam fazer parte de grupos com tradições já estabelecidas (cultura escolar) ou que são forçados a uma interdependência com eles, tendo que lidar com os problemas específicos deste papel.
Por terem maior tempo na carreira, os estabelecidos, têm prioridades, mais autonomia e já sabem como agir em determinadas situações, o que os colocam em vantagem porque já conhecem bem a escola. Os “Outsiders”, ainda em processo de ambientalização, pois estão ingressando há pouco nas escolas, apresentam muitos receios em propor projetos à coordenação/direção, justamente por não conhecerem a cultura desta carreira.
A partir das considerações apresentadas, pode-se afirmar que a socialização é um processo de integração dos indivíduos em um determinado grupo e que ainda, por meio dela, o sujeito desenvolve o sentimento coletivo da solidariedade social e do espírito de cooperação, elementos estes necessários para viver numa sociedade.
Autores como Zeichner e Gore (1999) concluíram que as diferentes pesquisas apontam para três níveis de influência sobre o processo de socialização de professores. De acordo com estes pesquisadores, o indivíduo torna-se membro de um grupo profissional com base nas contribuições: 1) da educação anterior ao processo de formação de professores; 2) do próprio curso de formação inicial; e, 3) das relações estabelecidas no local de trabalho após o ingresso na profissão.
Dessa forma, para compreender como ocorre a socialização do sujeito, é importante buscar fazer uma articulação entre experiências da relação formação inicial e as características do local de trabalho no processo de construção da docência. A socialização, assim, pode ser encarada como um processo que não é total, nem que apresenta-se igual para todos os membros de uma mesma sociedade (comunidade), mas cada um deve identificar os diversos papéis e atribuir-se um deles.
Sendo assim, os “Outsiders”, na articulação entre a tríade apresentada na fase de entrada na carreira, passam por sentimentos de sobrevivência e descoberta (HUBERMAN, 1995). O sentimento de sobrevivência relaciona-se diretamente ao “choque com a realidade”, instante este em que o iniciante (“outsider”) vivencia a realidade de uma sala de aula e percebe a distância entre os seus ideais educacionais (aprendidos em sua experiência de formação) e a vida cotidiana nas escolas (bairros) onde começa a atuar (morar) e conviver com os professores experientes (estabelecidos).
O aspecto da descoberta refere-se ao entusiasmo inicial do professor iniciante por ter sua sala de aula e fazer parte de um corpo docente (pertencer ao bairro como morador). Seriam essas experiências, associadas à experimentação e aos sentimentos de alegria e de tranquilidade, que permitiriam ao docente iniciante (outsiders) suportar o “choque com a realidade” e permanecer na docência.
Huberman (1995) considera que sobrevivência e descoberta geralmente caminham juntas. Cada uma tem seu tempo, são momentos que ao entrarmos na carreira docente iremos passar, tal como as tradições, normas e costumes presentes na cultura dos estabelecidos. Mas isso não significa que os “outsiders” precisam, necessariamente, passar por momentos difíceis e delicados para serem aceitos no bairro (escola).
Em suma, na “descoberta”, a iniciação à docência tenderia a apresentar-se mais fácil e, quando o aspecto dominante é a “sobrevivência”, esse período revela-se mais difícil. Em decorrência das muitas contradições e problemas enfrentados na prática profissional dos professores, tanto “estabelecidos” quanto “outsiders”, entendemos que é preciso um trabalho colaborativo e coletivo para que todos os moradores do bairro (escola) encontrem formas alternativas para sobreviverem neste espaço/tempo, uma vez que, o contexto educacional não é fixo, o que exige mudanças de comportamentos, atitudes, crenças, tradições e valores se ali querem fixar residência (permanecer na profissão).
METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
A experiência de pesquisa descrita neste artigo enquadra-se no campo dos estudos qualitativos, de caráter descritivo-analítico, uma vez que descrevemos os dados para o entendimento da realidade, possibilitando desenvolver estratégias de interferências na realidade.
Para autores como Lüdke e André (1986) investigar é um esforço de elaborar conhecimento sobre aspectos da realidade na busca de soluções para os problemas expostos. Nessa direção, a investigação qualitativa pode ser definida como um instrumento de estudos que usamos a para entender a realidade de determinado sujeito e suas vivências, não sendo quantificadas.
Bogdan e Biklen (1994, p. 47) afirmam que a investigação qualitativa possui cinco características, sendo elas:
1. [...] a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. [...] 2. A investigação qualitativa é descritiva [...] 3. Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos [...] 4. Investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva [...] 5. O significado é de importância vista na abordagem qualitativa.
Segundo os autores, o pesquisador é ferramenta do processo e o ambiente é considerado como fonte de dados, pois o investigador se preocupa com o conjunto a ser estudado. O objetivo da pesquisa qualitativa é compreender o que os sujeitos experimentam, vivenciam, estruturam, como interpretam as suas vivências. Nesse tipo de pesquisa, usamos dados obtidos por meio de técnicas como, por exemplo, entrevistas, questionários, fotografias, vídeos. Os dados coletados servem como fonte de informações sobre a realidade/situação do fenômeno estudado.
No caso específico deste estudo, o direcionamento das ações se fez no intuito de responder aos seguintes objetivos específicos:
Para atingir a relação de objetivos no quadro acima, elaboramos um roteiro de questões semiestruturadas. Contudo, antes da entrevista propriamente dita, desenvolvemos um “teste piloto” com o intuído de aprimorar o roteiro. Com a realização deste teste, foi possível ajustar os pontos da entrevista, como também elaborar novas indagações no sentido de deixar o instrumento de recolha de dados mais próximo de atingir os objetivos da investigação.
Manzini (2003, p. 20) afirma que “[...] a entrevista piloto pode não só auxiliar na adequação do roteiro, mas também servir a entrevistadores com pouca experiência se familiarizar com a arte de entrevistar”. Portanto, podemos entender que este é um instrumento valioso, já que permite ao pesquisador chegar ao contexto de sua pesquisa mais experiente e com escolhas metodológicas mais afinadas.
O teste piloto foi realizado com duas docentes que tinham as mesmas características das colaboradoras da pesquisa, ou seja, eram professoras iniciantes e experientes, mas que não faziam parte deste estudo. Isso foi relevante para que pudéssemos discutir, após a gravação da entrevista, como direcionar os assuntos e chegar ao ponto chave do trabalho: compreender a socialização profissional e as relações de poder no âmbito da Educação Infantil.
Após o teste piloto, demos continuidade no processo do trabalho de campo com a entrevista. Segundo Manzini (2003) a entrevista semiestruturada por meio de roteiros tem como especificidade a formulação de perguntas básicas e objetivas que podem ser respondidas de forma mais livre, sendo que o entrevistador poderá acrescentar perguntas ao longo da entrevista, logo que surgirem indagações, pois neste tipo de entrevista o entrevistador e o entrevistado estão frente a frente.
Nesta perspectiva, realizamos um mapeamento inicial nas instituições de educação para a infância no município de Naviraí/MS com o objetivo de verificar quais professoras tinham até 03 (três) anos de docência, característica essencial para se enquadrar como professora iniciante. Nesse processo, verificamos, já na primeira instituição, duas professoras que se dispuseram à participação voluntária no estudo e, assim, demos início a recolha das informações. O quadro abaixo expõe o perfil das docentes:
As perguntas que nortearam a entrevista envolveram questões ligadas à inserção na carreira docente, ao processo de socialização profissional, à relação e à interação entre professoras iniciantes e professoras experientes, dificuldades e superação dos problemas decorrentes da prática pedagógica, bem como algumas angústias, medos e anseios naturais desta fase da vida do professor.
O tratamento destes pontos será exposto no próximo tópico, momento que desenvolvemos a descrição e análise destes dados.
PROBLEMAS E PERSPECTIVAS DECORRENTES DO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO PROFISSIONAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Ao longo da entrevista, quando questionamos a professora iniciante sobre como foi sua inserção/socialização no âmbito escolar, a docente relatou que não houve uma acolhida por parte dos professores experientes e nem uma apresentação dela para os demais professores. Apesar disso, as experiências iniciais, parecem ter características positivas por parte da gestão escolar, como podemos observar em sua fala:
(...) Fui bem recepcionada, muito bem pela coordenação e direção... Na época sanando meus medos, não houve apresentação minha para com os demais professores, eu mesma tive de me apresentar para os profissionais que me questionavam quem eu era e quanto tempo iria ficar
(...) Eu mesma me apresentei para as mães das crianças, explicando que estava assumindo aquela sala por um determinado tempo, substituindo a outra professora (Margarida).
Podemos perceber que a recepção de professores iniciantes por parte da coordenação e direção ocorreu de maneira otimista, neste caso. A explicação para a falta de integração e socialização da professora Margarida, parece ter justificativa no fato de que esta docente ingressou na carreia após o início do ano letivo, conforme explicita Rosa, professora experiente:
(...) Os professores iniciantes que têm o privilégio de começar o seu trabalho no começo de ano, eles são recepcionados pela direção junto com a equipe toda do centro de educação, então, eles têm já a oportunidade de conhecer não só os professores com quem vão trabalhar, mas também a equipe da limpeza, do administrativo. Já os professores iniciantes que chegam no decorrer do ano, eu tenho notado que a recepção tem sido muito vaga, a direção recebe o professor, encaminha para coordenação, a qual já encaminha direto para sua sala. Então, eu tenho notado assim que eles têm chegado e ficado meio perdidos no ambiente de trabalho, facilmente a gente encontra um professor perdido que não sabe nem aonde fica o banheiro, a cozinha. Então, é assim, ainda mais na instituição que eu trabalho que é muito grande o prédio é muito grande (Rosa).
Na fala de Rosa, conforme exposto abaixo, podemos notar que ela se dispõe em colaborar/auxiliar as professoras iniciantes caso peçam ajuda. Nesta situação, aparenta que há falta de comunicação e socialização uma vez que, segundo Rosa, os (outsiders) professores iniciantes têm que chegar até os (estabelecidos) professores experientes para que haja uma interação.
(...) Bom, eu me preocupo bastante com a chegada das pessoas no seu primeiro dia de trabalho, porque eu já passei por isso, sei o quanto é difícil o nosso primeiro emprego, como é difícil a gente aproximar no novo trabalho devido a timidez, o medo de perguntar né!? As pessoas têm medo de perguntar, geralmente têm medo de perguntar as suas dúvidas, então, eu tenho assim (...) procurado me aproximar bastante delas [se referindo as professoras iniciantes]. E procuro passar as regras, as normas, nós temos muitas regras, muitas normas na entidade. E, também, procuro direcionar, mostrar onde fica o banheiro, a cozinha, o ambiente escolar. Então, eu procuro assim, de uma forma bastante carinhosa, mostrar a essa pessoa que ela tem com quem ela possa contar e deixar mais tranquilos. Então, eu me preocupo bastante com a chegada das professoras e em deixá-las também bem tranquilas e para notar que não precisa ter medo do novo (Rosa. Grifo nosso).
Podemos notar, pela afirmação acima, que parece existir, ainda de que de forma tímida, uma tentativa de “naturalizar” a relação de poder entre quem chega e quem já está estabelecido na instituição escolar. Essa afirmativa se sustenta na medida em que percebemos, pela fala da professora experiente, tentativas de impor as regras e normas da instituição.
Na socialização dos professores, é comum ocorrer a influência da educação anterior ao processo de formação, como também do próprio curso em que se formou e, ainda, das relações estabelecidas no local de trabalho após o ingresso a profissão. Ou seja, é comum essa mistura de sentimentos e sensações. Sendo assim, os professores iniciantes buscam compreender a relação entre formação inicial e as características do local de trabalho no processo de construção da docência.
Durante a fala da professora iniciante, podemos perceber que sua inserção no âmbito escolar começa por meio da substituição, sendo esta uma característica muito recorrente do processo de inserção de professoras novatas na escola. No caso pesquisado, fica declarada a falta de apoio dos professores experientes (estabelecidos) para com os novatos (“outsiders”). A docente relatou que não houve ajuda por parte dos estabelecidos, sendo assim ela se reuniu com outras novatas para buscarem aprender juntas e discutir suas dúvidas e inseguranças referentes à escola (bairro):
(...) Não houve ajuda por parte dos professores experientes... As professoras iniciantes se reuniram e fomos à busca... ‘Você não sabe?’ ‘Eu também não!’. ‘Então, vamos aprender juntas!!!’. Ajuda, somente de professoras não experientes (Margarida).
Os dados presentes no discurso acima apontam que há uma divergência relacionada à socialização/interação por parte das professoras tanto “outsiders” quanto estabelecidas na cultura do trabalho docente, pois a docente iniciante alega não ter apoio das docentes experientes. Contudo, Rosa relatou sua forma de auxílio às professoras recém-chegadas, mas, em seu discurso, deixa nítido que esta ajuda acontece apenas quando solicitada:
(...) Já aconteceu de professores iniciantes pedirem ajuda sobre como conversar com pais. ‘Como que eu faço?’; ‘Aconteceu tal fato na sala, e agora?’. Então, assim (...), eu procuro orientar as pessoas, mas tem iniciante que não aceita ajuda e a gente sabe, elas estão escondendo algum problema e não se abrem. A gente, às vezes, dá opinião e elas simplesmente não querem ajuda. Mas quando elas vêm atrás de ajuda, nós ajudamos!!! (Rosa).
Nesta afirmação, evidenciamos que através da interação de uma professora experiente com a iniciante, haverá um auxilio no processo de construção da identidade do sujeito. Ou seja, nos formamos também com o outro e aprendemos determinados processos/procedimentos do fazer pedagógico a partir da observação da prática.
Em relação aos conhecimentos da prática de atuação profissional na Educação Infantil, percebemos a existência de dificuldades no registro das atividades com as crianças e na organização do trabalho pedagógico. Margarida, quando questionada sobre os problemas decorrentes de sua iniciação profissional, menciona:
(...) Uma grande dificuldade foi com questão aos registros... Como trabalhar o lúdico sem usar o papel, como registrar? Como mostrar para a mãe, coordenação, o que eu estou trabalhando? Se eu não tenho o registro no papel. Aí descobrimos que tem jeito sim... Através das brincadeiras, fotos, e até mesmo a própria criança mostra isso (Margarida).
Essa dificuldade apresentada pela professora também foi evidenciada em estudos anteriores, em que autores como Izepe e Ciríaco (2015) afirmam, em pesquisas sobre o começo da carreira na creche, que é preciso buscar medidas de apoio tanto à inserção quanto ao acompanhamento do professor iniciante no espaço escolar, na tentativa de buscar ações que potencializem a permanência na carreira.
Na Educação Infantil, o registro feito pelo professor sobre os processos de aprendizagem do grupo como um todo, e de cada criança em particular, é a fonte de informações que norteará a avaliação. É o educador quem comunica aos pais e às próprias crianças os avanços e conquistas. Diante da importância do registro no ambiente escolar e sua relação com o docente, Ostetto (2008, p. 13) afirma:
Por meio do registro travamos um diálogo com nossa prática, entremeando perguntas, percebendo idas e vindas, buscando respostas que vão sendo elaboradas no encadeamento da escrita, na medida em que o vivido vai se tornando explícito, traduzido e, portanto passível de reflexão.
Portanto, os registros pedagógicos se convertem a uma ação/apoio para o docente com o objetivo de apresentar elementos importantes para a melhoria do trabalho pedagógico implicando no crescimento, desenvolvimento e aprendizagem profissional. Neste sentido, conhecer formas de registros das atividades propostas com as crianças no âmbito da creche e pré-escola, torna-se um importante elemento para que as professoras iniciantes consigam sobreviver e descobrirem-se estabelecidas no campo de atuação.
Para além da visão de Margarida, Rosa (estabelecida), ao ser questionada sobre as dificuldades frequentes do início de carreira observadas a partir de sua experiência, relata que esse período é complicado e falta ética por parte das “Outsiders” que, em sua visão, as docentes novatas parecem se preocuparem com outras atividades da profissão, esquecendo-se do essencial: as crianças. Para Rosa,
(...) O que eu tenho observado das dificuldades, é a questão da ética profissional. Elas estão vindo sem a ética, muitas não sabem o que é ter ética. Elas estão chegando preocupadas em fazer o belo e o bonito acontecer né!? E estão deixando de lado o atendimento à criança, os cuidados com as crianças. A Educação Infantil tem que ser trabalhada com muita afetividade, com muito amor. Eu tenho notado que a criança em si tem sido deixada de lado, o acontecer direcionado à criança. As professoras iniciantes têm ansiedade em fazer acontecer, a decoração, o trabalho em tirar fotos das crianças com pais, elas têm a necessidade de fazer os olhos deles e não para Educação Infantil. Outra dificuldade que eu tenho notado da parte delas é que trabalhar com a Educação Infantil tem que se doar, não três minutos para terminar o trabalho delas e já estão na porta com a bolsa esperando a colega chegar, se a colega demora um minuto ou dois, ali mesmo, já começam os questionamentos, já ficam bravas (Rosa).
Segundo a professora Rosa, uma grande dificuldade que tem notado em relação aos docentes iniciantes é a falta de ética. Para ela, os outsiders (professores novatos) vão para as instituições de ensino sem ética profissional. Observa-se também dificuldades ligadas à organização do tempo e espaço da sua prática diária.
Margarida, ao ser indagada sobre seu processo de socialização com as professoras experientes, apontou que existe “sim uma socialização... Na medida do possível... Nós iniciantes, podemos opinar em diferentes situações da rotina da instituição. Você pode conversar e expor suas ideias” (Margarida). Percebemos que há socialização, porém, esses momentos de interação são pouco recorrentes no cotidiano de trabalho pois, segundo Rosa (professora experiente), os iniciantes têm dificuldades em se relacionarem com os demais. Na visão desta professora, estabelecida no ambiente da Educação Infantil, os “Outsiders” (iniciantes) não dão espaço para os experientes, haja vista que, em sua opinião, muitas vezes escondem os trabalhos que estão desenvolvendo, como percebemos em seu relato a seguir:
(...) nem sempre tem um professor iniciante que a gente nota que tem facilidade, que pode fazer uma troca de experiência, mas, na maioria das vezes, o que nós temos notado, é que as iniciantes, elas têm uma dificuldade grande em passar, em aceitar nossas ideias. Então, o que tem que prevalecer para elas é a ideia delas, elas fazem coisas maravilhosas, trabalhos maravilhosos, mas assim (...) a dificuldade é muita, em até deixar a gente ver o que está sendo feito. Geralmente, em nós, experientes, já chega ao final do trabalho, na hora de escolher um tema de festa há uma dificuldade muito grande da nossa parte em fazer com que elas entendam que talvez o nosso tema seja o ideal para trabalhar. Então, assim, tem uma dificuldade em aceitação muito grande e nós experientes (...) tentamos contornar a situação, mas é uma dificuldade muito grande. O que eu quero deixar claro é que na verdade, para mim, o que é preocupante, o que nós estamos recebendo, qual o profissional iniciante que nós estamos recebendo hoje? É aquele iniciante que vem com uma carga muito boa em relação a papéis, a estudos, a cursos e tudo mais. Só que não tem prática nenhuma e não estão se abrindo para que a gente possa socializar a prática e não ao conteúdo. O que manda mesmo ali, para mim, no centro de Educação Infantil (...), no papel elas chegam com uma bagagem muito boa, excelente, mas que na prática deixam a desejar. E pior, é que elas não estão abertas o feedback, não estão abertas a uma conversa para mostrarmos a peça chave da Educação Infantil que é a afetividade e cuidados com a criança (Rosa).
Alguns estudos sobre a socialização (FREITAS, 2002), concluíram que esse processo influencia na construção da identidade docente, pois é nesse movimento de aproximações com os sujeitos que se compõe a vida cotidiana e que começam as trocas de experiências, os acordos no processo de conhecimento dos alunos e também a compreensão sobre a organização do ensino e da própria cultura de trabalho. Para Freitas (2002, p. 156),
[...] O processo de socialização não ocorre de forma linear, através de uma incorporação progressiva dos valores do grupo de pertencimento, nem o agente socializado é objeto passivo dos agentes e condições socializadoras. Consideramos, então, que, para a compreensão do processo de socialização profissional, é necessário levar em conta tanto a história do professor iniciante, suas expectativas e projetos quanto as características do grupo profissional a que irá pertencer.
Os dados da pesquisa apresentados até o momento permitem afirmar que há uma hierarquia na instituição escolar, uma vez que, no caso analisado, Margarida explicita situações de favorecimento das professoras estabelecidas:
(...) Há sim uma hierarquia na instituição, entre contratados e efetivos, proteção e privilégios em questão de alguns terem que cumprir horário e outros não. Muitas vezes, os efetivos avisam em cima da hora que não poderão ir trabalhar por determinadas situações, já os contratados têm receio de não cumprir todo seu o horário, pois têm medo de não serem contratados no ano seguinte (Margarida).
Ainda, no decorrer da entrevista, quando questionamos a docente sobre como ocorreu a transição de sua formação inicial ao início da carreira, com a finalização do curso de Pedagogia, percebemos dificuldades relacionadas à articulação entre a teoria e a prática, dado este apresentado por trabalhos de pesquisas anteriores (CIRÍACO; YAMANAKA, 2016). Apesar disso, Margarida comenta que aos poucos dentro de sala, em seu dia a dia com as crianças, se recordou das teorias que aprendeu durante a formação, dado este que parece ter características positivas para sua prática pedagógica:
(...) A iniciação profissional... Muito difícil... Ainda mais quando o professor iniciante entra como substituto, pois o outro professor já fez todo um trabalho, uma rotina com os alunos/crianças. Sendo que o profissional iniciante acaba levando um susto, querendo ir embora, não quer mais dar aula... Eu não conseguia aplicar a teoria na prática. Vamos buscar o que Piaget, Freud falavam. O início da carreira a gente vai aprendendo aos poucos (Margarida).
Tardif (2002) denomina esse momento como “choque de transição”, que é a passagem do ser estudante para o ser professor, momento este em que o professor iniciante percebe que a sua formação inicial pouco ou nada corresponde à realidade de uma sala de aula.
Nesta mesma direção, Margarida foi questionada e disse perceber alguma relação dos conhecimentos e saberes trabalhados na formação inicial com a realidade da profissão. Em resposta, a docente afirma que na questão da falta de materiais pedagógicos, o que exige dela esforços para confecção de jogos e/ou brincadeiras infantis, estes pontos foram abordados em algumas das disciplinas do curso de Pedagogia do qual é egressa.
Além disso, outro ponto destacado como importante para a constituição de sua prática, quando do momento da inserção na docência, foi o papel dos estágios obrigatórios em sua formação. Na visão desta professora, a prática vivenciada nos estágios oportunizou compreender um pouco e ter uma noção do dia a dia da carreira, do como iniciar o trabalho na Educação Infantil:
(...) Os estágios obrigatórios são importantes para te dar uma noção de como trabalhar. E se você cair de paraquedas no berçário I ou II? Meu Deus! O que fazer agora? O que trabalhar com bebês de 6 meses a 1 ano? Se você não fizer o estágio, vai ser muito mais difícil até você conseguir trabalhar, desenvolver seu trabalho. Apesar de o estágio ser pouco, ele te dá um norte (Margarida).
Pimenta e Lima (2004), em estudos sobre os estágios, concluem que a partir deste componente curricular o acadêmico consegue identificar novas estratégias para solucionar problemas que muitas vezes ele nem imaginava encontrar na sua área profissional. As autoras ainda comentam que a prática do estágio contribui também para que o futuro professor desenvolva o raciocínio, a capacidade, senso crítico, além da liberdade do uso de sua criatividade.
Durante a conversa, no momento da entrevista, Margarida comentou ainda que desde os estágios percebeu certa tensão no ambiente das instituições em que estagiou. Para esta professora, o clima de trabalho parecia meio pesado quando comparada a relação entre professoras iniciantes, estagiárias e professoras mais experientes, ou seja, foi nítida a relação de poder existente durante as observações realizadas no período da formação. Este dado nos leva a pensar que a prática exerce papel fundamental no processo de decisão da permanência na carreira. Com isso, as experiências profissionais dos futuros professores e dos professores iniciantes são decisivas para suas aprendizagens, como também para a criação de atitudes positivas sobre a docência, como relata:
(...) Olha, a prática influencia. Como eu falei aí, no estágio nós não temos aquela noção de tempo. Aí quando vamos para sala, a criança fica agitada, pois você é novo na sala, é um estranho no ambiente dela, a criança vai se agitar por conta disso. Há situações de crianças que nunca frequentaram uma creche. Hoje, ser professor com as dificuldades que nós temos, quanto aos materiais didáticos e a formação que nós basicamente não temos, precisamos buscar e pagar do nosso bolso (Margarida).
Como vimos, além da questão decorrente da socialização, muitos docentes enfrentam ainda dificuldades decorrentes da falta de recurso para investimento em processos da prática pedagógica, o que resulta em desafios ao fazer docente.
Portanto, conforme demonstram Costa e Oliveira (2009), as dificuldades enfrentadas no período de sua inserção profissional podem levar à descrença, ao desencanto, à falta de investimento nas questões da profissão e até mesmo ao abandono do magistério. Isso tudo, somada à questão da socialização, pode fazer com que os “outsiders” (professores iniciantes) não consigam sobreviver às tradições, costumes e crenças fortalecidas pela cultura dos estabelecidos no ambiente escolar que parecem querer “ditar” regras do jogo e direcionar o modo como agir.
Rosa, a professora estabelecida, acredita que os novatos (“outsiders”) têm boas expectativas sobre a profissão e que podem ser melhores, basta se esforçarem e irem em busca de uma excelência profissional:
(...) Acredito que todos, qualquer tipo de profissional, ele espera a realização profissional, eu tenho certeza que todas que estão esperando a sua realização profissional e serem bons professores e acolherem bem suas crianças/alunos, então, têm tudo para serem né?! Basta não só estudarem, mas, sim, quererem ser, tudo depende só delas [se referindo às professoras iniciantes atuantes na Educação Infantil] (Rosa).
Na nossa interpretação, deixar a cargo dos professores iniciantes essa responsabilidade mencionada como sendo “só” e “unicamente” deles, é uma utopia. Isso porque, no ambiente escolar, ainda mais no espaço destinado à educação da infância, a prática coletiva precisa ser implementada. Professoras novatas, quando do momento de inserção no campo profissional, necessitam de uma interação com os pares, da reflexão sobre a sua atuação. Acreditamos que é este movimento que sustenta, que dá base à construção do início da docência.
Quando Rosa, afirma que “tudo depende delas”, esta docente acaba por se eximir de uma responsabilidade ética e estética da docência: o fazer coletivo, a prática do compartilhamento das experiências como sendo a base para o fortalecimento de uma cultura de colaboração, o que demonstra inconsistências entre suas afirmativas até aqui exploradas. Ou seja, essa assertiva coloca em xeque suas declarações anteriores em que diz ser solidária às iniciantes.
Ilustra, essa síntese analítica, a comparação entre as declarações de Margarida e Rosa, quando perguntamos sobre a possível existência de barreiras entre professoras experientes e novatas:
(...) há sim barreiras, principalmente no início do ano, porque como somos contratados, muitas vezes, vamos para lugares que tenham vagas. Determinada instituição, então, até que você consiga fazer uma nova amizade, quebrar aquela barreira, isso leva um tempo... Com o passar do tempo essas barreiras serão superadas (Margarida).
(...) olha têm sim dificuldades, o professor iniciante não está abrindo espaço para o professor experiente chegar e passar pra elas as experiências, não generalizando, mas a maioria está com dificuldade em passar sua experiência. Se as professoras iniciantes abrissem espaço seria melhor, muitas têm sido individualistas, não deixam a gente ver os trabalhos, não compartilham (Rosa).
De acordo com a docente experiente, uma das maiores dificuldades é a falta de diálogo e companheirismo do professor iniciante que, em sua opinião, se isola e trabalha sozinho. Já para Margarida, como vimos, parece ser complicado chegar a um local e já ir fazendo amizades com segurança sem conhecer bem o espaço no qual se insere.
Para a superação destas “barreiras”, declaradas por ambas as partes, corroboramos o entendimento de Freitas (2002, p. 156-157), quando a autora afirma que ao partirmos “[...] do pressuposto de que a socialização profissional ocorre na articulação entre o agente em socialização e o meio profissional ao qual pretende se filiar, é necessário compreender tanto as estratégias e interações dos agentes quanto o espaço em que esse processo ocorre”.
As informações recolhidas e organizadas neste artigo permitem inferir que existe sim relações de poder no ambiente educacional. Muitas vezes, essas relações parecem ser “impostas” pelos estabelecidos neste espaço/tempo, haja vista que os professores iniciantes têm receio de contestar a opinião do docente experiente.
CONCLUSÕES POSSÍVEIS
Nesta investigação, procuramos relatar a socialização de uma professora a partir de sua interação com o ambiente de trabalho na Educação Infantil e com professores experientes. Para este fim, recorremos a dados de uma entrevista semiestruturada desenvolvida com a professora iniciante e uma professora experiente, ambas atuantes na mesma instituição de ensino.
A aproximação com o referencial teórico adotado para a constituição do estudo possibilitou um entendimento de que a socialização na carreira ocorre com base na aprendizagem de crenças, formas e valores, decorrentes de concepções de determinadas culturas ocupacionais, como neste caso, a dos professores.
Em relação ao campo de recolha das informações com as colaboradoras dessa pesquisa, isso ficou evidente quando confrontadas as declarações de ambas as partes, pois foi possível compreender que a cultura de trabalho docente e a forma de organização da prática têm divergências de concepções, o que julgamos natural e necessário, uma vez que, os professores iniciantes precisam construir sua identidade e atingir níveis de autonomia profissional.
Os dados analisados permitiram identificar alguns elementos constitutivos da fase de iniciação, sendo dentre eles o mais complexo a questão da aproximação entre estabelecidos e outsiders (ELIAS, 1994). Além disso, foi comum ainda relatos sobre dificuldades na organização do tempo/espaço para o desenvolvimento de atividades envolvendo o papel do registro na aprendizagem das crianças, como também, sentimento de insegurança perante decisões pedagógicas e o isolamento por não se sentir parte integrante do grupo de professoras.
Analogicamente à obra de Norbert Elias, temos como conclusão central que seria preciso um movimento de colaboração entre os estabelecidos no bairro e os novos moradores, pois é interessante pensarmos propostas de mentorias e apoio ao principiante na docência, tal como a proposta do programa de mentoria da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que tem como base contribuir com o processo de construção do início da docência a partir de uma aproximação maior entre professores experientes e aqueles que ainda estão a aprender na prática o exercício desta profissão.
Da experiência deste trabalho, findamos esta etapa recomendando ser necessário investimentos mais aprofundados em estudos sobre a cultura da comunidade docente no sentido de compreender como os sujeitos adquirem o ethos profissional, bem como se identificam com esta ocupação no meio social e suas representações, questão essa ainda em aberto para futuras agendas de pesquisas.
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Notas