A formação nos cursos de licenciatura: subsídios para a articulação entre o perfil do aluno egresso e as propostas curriculares

Marielda Ferreira Pryjma
Jamile Cristina Ajub Bridi
Silvana Stremel

A formação para a docência é o eixo deste estudo. Ele faz parte de uma pesquisa interinstitucional realizada com uma universidade brasileira, uma moçambicana e uma portuguesa. Essa pesquisa teve como intenção compreender os propósitos formativos que estão contidos nos projetos dos cursos que se dispõem a formar o professor que irá atuar na educação básica. A metodologia embasou-se na abordagem qualitativa e os procedimentos envolveram pesquisa teórica e análise documental. A coleta de dados foi realizada nos projetos pedagógicos e as análises se fixaram nos textos que indicam o perfil do aluno egresso. O tratamento dos dados usou a análise de conteúdo e os resultados apontam que os perfis indicados pouco priorizam a formação do professor e camuflam a licenciatura em cursos fortalecidos pelos conhecimentos das áreas específicas. As análises poderão auxiliar as equipes de professores a elaborarem e/ou reestruturarem suas propostas nas instituições de educação superior.

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Caderno Temático

A FORMAÇÃO NOS CURSOS DE LICENCIATURA: SUBSÍDIOS PARA A ARTICULAÇÃO ENTRE O PERFIL DO ALUNO EGRESSO E AS PROPOSTAS CURRICULARES

THE TRAINING IN UNDERGRADUATE COURSES: SUBSIDIES FOR THE ARTICULATION BETWEEN THE STUDENT PROFILE AND THE CURRICULAR PROPOSALS

LA FORMACIÓN EN LOS CURSOS DE LICENCIATURA: SUBSÍDIOS PARA LA ARTICULACIÓN ENTRE EL PERFIL DEL ALUMNO EGRESO Y LAS PROPUESTAS CURRICULARES

Marielda Ferreira Pryjma
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil
Jamile Cristina Ajub Bridi
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil
Silvana Stremel
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil

A FORMAÇÃO NOS CURSOS DE LICENCIATURA: SUBSÍDIOS PARA A ARTICULAÇÃO ENTRE O PERFIL DO ALUNO EGRESSO E AS PROPOSTAS CURRICULARES

Olhar de Professor, vol. 21, núm. 1, 2018

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 03 Março 2018

Aprovação: 03 Junho 2019

Resumo: A formação para a docência é o eixo deste estudo. Ele faz parte de uma pesquisa interinstitucional realizada com uma universidade brasileira, uma moçambicana e uma portuguesa. Essa pesquisa teve como intenção compreender os propósitos formativos que estão contidos nos projetos dos cursos que se dispõem a formar o professor que irá atuar na educação básica. A metodologia embasou-se na abordagem qualitativa e os procedimentos envolveram pesquisa teórica e análise documental. A coleta de dados foi realizada nos projetos pedagógicos e as análises se fixaram nos textos que indicam o perfil do aluno egresso. O tratamento dos dados usou a análise de conteúdo e os resultados apontam que os perfis indicados pouco priorizam a formação do professor e camuflam a licenciatura em cursos fortalecidos pelos conhecimentos das áreas específicas. As análises poderão auxiliar as equipes de professores a elaborarem e/ou reestruturarem suas propostas nas instituições de educação superior.

Palavras-chave: formação de professor, educação superior, proposta formativa.

Abstract: Training for teaching is the axis of this study. It is part of an interagency study performed with a Brazilian, a Mozambican and a Portuguese Universities. This research proposes to understand the training purposes that are contained in the projects of the courses to form the teacher who will act on basic education. The methodology was based on a qualitative approach and the procedures involved theoretical research and documentary analysis. The data were collected in pedagogical projects and the analyses were fixed in the texts that indicate the former student profile. To the data treatment it was used the content analysis and the results show that featured profiles little prioritize the formation of the teacher and camouflage degree courses empowered by knowledge of specific areas. The analyses can assist teams of teachers to develop and/or restructure its proposals in the institutions of higher education.

Keywords: teacher training, higher education, formative proposal.

Resumen: Formación para la docencia es el eje de este estudio. Forma parte de un estudio entre instituciones que se realizó con una universidad brasileña, una mozambiqueña y una portuguesa. Esta investigación tuvo la intención de entender los propósitos de formación que figuran en los proyectos de los cursos que se van a formar el profesor que actuará en la educación básica. La metodología tuvo un enfoque cualitativo y los procedimientos utilizaran la investigación teórica y el análisis documental. Los datos se recolectaron en los proyectos pedagógicos y análisis se establecieron en los textos que indican el perfil del estudiante egreso. El tratamiento de los datos utilizados fue el análisis de contenido y los resultados muestran que poco dan prioridad a la formación de maestros porque los perfiles destacados valorizan los conocimientos de áreas específicas. Los análisis pueden ayudar a equipos de profesores a desarrollar o reestructurar sus propuestas en las instituciones de educación superior.

Palabras clave: formación del profesorado, Educación superior, propuesta formativa.

Introdução

Estudos sobre as condições da formação de professores que irão atuar na educação básica têm sido recorrentes nos últimos anos no Brasil e os seus resultados indicam que as condições formativas dos professores têm sido ampliadas. (PRYJMA; WINKELER, 2016). Além da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394 de 1996, que conduziu a discussão e debates sistemáticos sobre a formação docente no país, fortalecendo estudos e pesquisas na área a partir da década de 90, o número de cursos de licenciatura aumentaram pelo estímulo dado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. (BRASIL, 2007). O REUNI foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007), e constitui-se em uma das ações que previa o aumento de vagas nos cursos de graduação, a inovação pedagógica por meio de metodologias diferenciadas e o combate à evasão.

Segundo números do último censo da educação superior apresentado pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeirana sinopse de 2016 (INEP, 2017) são ofertados 5727 cursos no Brasil destinados à formação de professores que irão atuar na Educação Básica. Esses dados também revelam que das 708 instituições (INEP, 2017) que ofertam cursos para a formação para a docência, 369 são públicas (INEP, 2017), justificando a realização de estudos que esclareçam como IES propõem essas formações no contexto brasileiro.

O INEP apresenta um panorama geral das graduações no país e em seus relatórios indicam os resultados subdivido por “Áreas Gerais, Áreas Detalhadas e Programas e/ou Cursos” (INEP, 2017) e no caso para a formação para a docência, designa três diferentes nomenclaturas1 para distinguir os tipos de proposta: formação de professor da educação básica, formação de professor de disciplinas profissionais e formação de professor das áreas específicas (INEP, 2017). Entende-se por “formação de professor da educação básica” os cursos de formação voltados para esse fim, sem mencionar uma área do conhecimento ou alguma particularidade formativa. Já os cursos destinados à formação profissional buscam assegurar a formação do professor que atuará na educação básica integrada à educação profissional. Já os cursos voltados para a formação de professores das áreas específicas representam as áreas tradicionalmente denominadas específicas, como português, matemática, física, química, biologia, entre outras.

Os resultados da sinopse desvendam que o número de cursos da área específica é bastante significativo se comparado ao número total de cursos em âmbito nacional. Esses dados auxiliaram na definição do objeto de estudo, pois a quantidade de cursos de licenciatura das áreas específicas é bastante expressiva, justificando um estudo mais amiúde acerca das suas proposições formativas.

Número de cursos de formação de professores no
Brasil
Tabela 1
Número de cursos de formação de professores no Brasil
INEP, 2017.

Na tentativa de entender esse contexto e a partir das análises já mencionadas anteriormente, que a reflexão acerca dessa temática estimulou a equipe de investigadores a desenvolver um projeto de pesquisa que buscasse compreender, de forma mais ampla e sistêmica, os propósitos formativos que estão contidos nos projetos dos cursos que se dispõem a formar o professor que irá atuar na educação básica. Partiu-se da premissa que ao examinar projetos de cursos das áreas específicas voltados à formação para a docência, seria possível compreender melhor o todo ao analisar cada parte, visto que ao entender como as propostas de formação docente são ofertadas por uma instituição de educação superior, significaria articular essa realidade com o cenário nacional e internacional. Cabe ressaltar que este estudo é parte de uma investigação que está sendo realizada em parceria com universidades de três países: Brasil, Moçambique e Portugal. De tal modo, o presente estudo apresenta os resultados da pesquisa que está sendo desenvolvida na IES brasileira.

A metodologia embasou-se nos princípios da abordagem qualitativa e os procedimentos envolveram uma pesquisa teórica e uma análise documental, considerando que esses métodos permitem uma diversificação das práticas de pesquisa. (POUPART et al., 2008). A localização dos textos, avaliação da pertinência e credibilidade dos documentos. (CELLARD, 2008) deu início ao processo de coleta de dados, pois a “análise documental é a representação condensada da informação, para consulta e armazenamento [...] para evidenciar os indicadores que permitem inferir sobre uma outra realidade que não a da mensagem.” (BARDIN, 2009, p. 48).

Desta forma, compuseram o corpus do estudo todos os projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura de uma universidade pública federal brasileira. As análises se fixaram nos textos que indicam o perfil do aluno egresso, pois além de atenderem o objetivo do estudo, são documentos de domínio público e podem ser utilizados para fins de pesquisa. O tratamento dos dados teve como referencial a análise de conteúdo (BARDIN, 2009), considerando que ela propõe “um conjunto de técnicas de análise das comunicações” e [...] uma vez que “a análise de conteúdo pode ser uma análise de ‘significados’, embora possa ser também uma análise de ‘significantes’ [...] ela “procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça.” (BARDIN, 2009, p. 33, 37 e 45). A legislação educacional vigente possibilitou a constituição do objeto investigado com a progressiva articulação entre a base teórica e os dados colhidos. (MORGADO, 2012).

As categorias foram elaboradas a partir da Resolução N.º 2 de 2015, capítulo III que trata “do (a) egresso (a) da formação inicial e continuada”, que indica qual o repertório de informações e habilidades necessárias para a atuação docente (Art. 7º) e o perfil em relação à aptidão profissional (Art. 8º). (BRASIL, 2015).

Foram definidas categorias prévias tentar analisar quais as aproximações e os distanciamentos que estão postos entre os perfis dos alunos egressos indicados nos projetos de curso e a Resolução N.º 2 (BRASIL, 2015), pois todas as propostas formativas deverão se adequar aos requisitos indicados na legislação vigente. Assim, três categorias a priori foram determinadas e dessas surgiram as subcategorias para análise dos documentos de pesquisa.

Categorias e subcategorias de análises
Quadro 1
Categorias e subcategorias de análises
as autoras.

A categoria “conhecimentos” é bastante ampla e complexa e demonstra a complicada relação entre intencionalidade e proposta formativa. As subcategorias se fizeram necessárias para ampliar o contexto de análise e privilegiar diferentes aspectos inseridos nas propostas dos cursos em questão.

Entende-se por “instituição educativa” toda a informação que indica a organização e gestão do contexto educacional propostos para a formação docente e que caracterizem os conhecimentos necessários para a atuação em uma instituição educativa de educação básica e que estão explícitos no perfil do aluno egresso.

Já a subcategoria “conhecimento pedagógico” demonstra a compreensão do futuro professor em relação aos conhecimentos vinculados aos processos de ensino e aprendizagem e seu desenvolvimento no contexto escolar que busquem assegurar o desenvolvimento do sujeito nas diferentes etapas e modalidades da educação básica. Inclui-se nesta subcategoria todo conhecimento relativo aos processos didático-pedagógicos apresentados como princípio formativo que consolide o exercício profissional.

A subcategoria “conhecimento específico” refere-se ao domínio dos conhecimentos da área de formação e atuação, bem como suas abordagens teórico-metodológicas relativas ao ensino, à interdisciplinaridade e a sua adequação às diferentes fases do desenvolvimento humano.

A categoria atuação na docência faz referência às possibilidades de atuação profissional do futuro professor. Dados que revelem como esta se consolidará após o término do curso de licenciatura fundamentam essa categoria.

Como primeira subcategoria encontra-se o “ensino” e este abrange todas as dimensões de atuação profissional como professor da educação básica em instituições de ensino. Amplia o entendimento dessa subcategoria dados que indiquem o trabalho coletivo e interdisciplinar entre os pares, a execução de atividades docentes nos espaços formativos e participação em atividades representativas da função docente (reuniões, colegiados, conselhos, entre outros eventos).

Já a subcategoria “gestão” compreende a atuação do profissional docente na gestão das instituições de ensino da educação básica, notadamente àquela que contribui com a organização, planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de propostas, políticas públicas, projetos e programas educacionais relacionados ao papel do gestor escolar. Inclui-se nesta perspectiva atividades que estimulem a promoção do diálogo entre a instituição de ensino e a comunidade escolar.

Em relação à “pesquisa da prática” todas as informações que identifiquem as relações entre pesquisa, análise e aplicação dos resultados de investigações na área da docência, bem como estudos sobre o contexto educacional que resultem em ações nos diferentes espaços educacionais a partir de uma postura investigativa se enquadram nesta subcategoria. Amplia-se a análise se for considerado a realização de pesquisas que proporcionem entendimentos sobre a realidade sociocultural, processos de ensino e aprendizagem, currículo, organização do trabalho educativo, assim como as práticas pedagógicas que resultem na produção de conhecimentos pedagógicos e científicos a partir da reflexão sobre a prática complementam o entendimento dessa linha de análise.

A categoria “consolidação do exercício profissional” refere-se ao repertório de possibilidades, composto pela pluralidade dos conhecimentos teóricos e práticos, que consolide o percurso formativo no contexto profissional e possibilite o desenvolvimento profissional docente. Este está fundamentado em princípios da formação continuada e da pesquisa da prática docente, pois defende-se que o desenvolvimento profissional só ocorre quando o professor atua na escola e quando ele compreende o seu papel na promoção da aprendizagem e desenvolvimento dos sujeitos por meio de uma postura investigativa, integrativa e propositiva na organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas.

A subcategoria “formação continuada” versa sobre todas as atividades realizadas pelo professor no contexto escolar e na participação em atividades concretas que revelem processos de formação. Envolve, também, todo o evento que demonstre o seu envolvimento em propostas que ampliem o seu aprimoramento do conhecimento profissional em diferentes meios sobre a organização do trabalho educativo e as práticas pedagógicas.

Já a subcategoria “desenvolvimento de propostas educativas” está relacionada ao princípio da proposição, organização e efetivação de atividades para si e para os seus pares sobre formação continuada que venham a consolidar o seu exercício profissional.

Atividades profissionais” surgiu como a última subcategoria e visa descrever quais as atividades docentes são indicadas como alternativas para a consolidação do exercício profissional. Nesta, o rol de propostas descritas nos projetos é analisado para entender quais são as possibilidades para a atuação docente.

O que os dados revelam

A primeira ação para a interpretação dos dados foi um diagnóstico que verificou a incidência das palavras para a confirmação de cada categoria e subcategoria. Optou-se em apresentar os resultados utilizando a ordem das categorias apresentadas na Tabela 1 e as subcategorias a partir do critério da maior para a menor incidência. Uma planilha auxiliou na tabulação das informações e com a apreciação do perfil do egresso, identificou-se a recorrência de menções referentes às categorias e subcategorias pré-definidas, conforme tabela a seguir.

Recorrência das subcategorias no perfil do egresso
nos projetos de curso
Tabela 2
Recorrência das subcategorias no perfil do egresso nos projetos de curso
as autoras.

Foi considerado que o fator mais importante para a formação de um profissional são os conhecimentos necessários para a sua atuação e a primeira categoria refere-se aos conhecimentos apontados como indispensáveis para a formação para a docência apresentadas pelos projetos de curso. Com relação a essa categoria, dos 17 projetos analisados, três não abordaram nenhum aspecto que remeta a ideia de conhecimentos necessários à formação profissional no texto do perfil do egresso. Entende-se que para a elaboração dos projetos de curso não havia nenhum referencial que indicasse a necessidade de se apresentar no texto do perfil do egresso as informações acerca dos tipos de conhecimentos necessários para a atuação profissional. Ressalta-se também que a maioria dos PPCs são anteriores a publicação da Resolução N.º 2. (BRASIL, 2015).

Os conhecimentos específicos são conhecidos, tradicionalmente, como os mais necessários para a atuação na docência e a subcategoria conhecimento específico reforça este dado (33 incidências), pois foi indicada no texto do perfil do egresso em 13 projetos de curso, representando o maior número de menções. O domínio dos conhecimentos da área de formação e atuação, assim como todos os enfoques teórico-metodológicos relativos ao conhecimento de uma determinada área do ensino, foi considerado essencial para a formação com qualidade do futuro profissional.

Já a categoria conhecimento pedagógico teve uma recorrência de 22 menções em 11 projetos, não enfatizando que a compreensão do futuro professor acerca dos conhecimentos vinculados aos processos de ensino e aprendizagem e seu desenvolvimento no contexto escolar são princípios formativos essenciais para o exercício profissional. Cabe retomar o argumento de que essas informações não tinham um referencial para a sua proposição e as análises das matrizes curriculares poderão situar melhor as propostas formativas em relação aos conhecimentos para a docência. Para além da compreensão da matriz curricular, saber como os projetos de cursos articulam os conhecimentos específicos e os pedagógicos entre si durante o processo formativo, bem como saber qual a formação do professor formador para atuar neste contexto, possibilitará que se tenha um entendimento ampliado das finalidades formativas de tais cursos.

Da mesma forma que os conhecimentos pedagógicos foram, relativamente, pouco considerados, os conhecimentos sobre a instituição educativa praticamente não foram mencionados, exceto em dois projetos. Parte-se da premissa que uma formação que assegure que o futuro profissional tenha conhecimentos voltados para a organização e a gestão do contexto educacional, além de serem imprescindíveis para a formação docente, sustentam uma atuação segura, responsável e profissionalizada do futuro professor em qualquer instituição educativa de educação básica.

Os textos dos perfis dos alunos egressos não indicam explicitamente que o futuro profissional será professor e apesar da Resolução N.º 2 (BRASIL, 2015) não estar em vigor durante a elaboração da maioria das propostas, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei N.º 9394/96 (BRASIL, 1996) definiu que os cursos voltados para a formação para a docência devem assegurar que os profissionais atuarão como professores na educação básica, tornando essencial esclarecer que o perfil do aluno egresso será vinculado a este fim.

A subcategoria ensino reforça essa compreensão, uma vez que essa também não foi explicitamente indicada em todos os 17 projetos dos cursos de licenciatura. A incidência foi substancial, tendo 82 menções no perfil do egresso de 15 projetos, mas deixou de esclarecer que o futuro profissional deverá estar preparado para realizar trabalhos coletivos e interdisciplinares, desenvolver atividades docentes das mais diversas ordens nas instituições de ensino, além de participar em atividades representativas da função docente (reuniões, colegiados, conselhos, entre outros eventos), características essenciais para a atuação profissional.

A pesquisa da prática foi citada em nove projetos. Poucas informações foram identificadas que relacionassem a pesquisa, a análise do contexto escolar e aplicação de seus resultados para o aprimoramento da atuação docente, indicando a necessidade de avigora-se a compreensão acerca dessa relação para a formação inicial e continuada do professor. Questões sobre a realização de pesquisas que permitam entendimentos sobre a realidade sociocultural, processos de ensino e aprendizagem, currículo, organização do trabalho educativo, assim como as práticas pedagógicas que resultem na produção de conhecimentos pedagógicos e científicos não foram mencionados.

A atuação na gestão não se consolidaria como uma subcategoria se fosse criada a partir da sua incidência, pois somente em cinco projetos de curso ela foi indicada. É essencial que um professor tenha subsídios na sua formação inicial para a atuação na gestão das instituições de ensino da educação básica, pois ele compõe um grupo de profissionais que cooperam com a organização da escola por meio do planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de propostas, análise e proposição de políticas públicas, projetos e programas educacionais relacionados ao papel do professor e do gestor escolar. Muitas possibilidades profissionais advirão de uma formação voltada para a gestão, já que ao dominar a área de conhecimento e estar preparado para atuar na gestão assegurará que a transformação nos processos educativos ocorra.

Nessa perspectiva, cabe retomar que o Artigo 13 da LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), o qual torna claro que o papel do professor se amplia na medida em que deve se envolver na construção da proposta pedagógica da instituição de ensino; elaborar seu plano de trabalho de acordo com a proposta da escola; cuidar pela aprendizagem do estudante, bem como constituir estratégias para recuperação do rendimento escolar; participar integralmente das atividades vinculadas à docência; entre outras atribuições (BRASIL, 1996).

A categoria consolidação do exercício profissional, como explicado anteriormente, abrange todo o repertório de possibilidades que solidifique o caminho formativo, bem como as alternativas que assegurem o desenvolvimento profissional docente do futuro professor.

Sob essa ótica, a subcategoria formação continuada refere-se a todas as atividades desenvolvidas pelo professor no contexto escolar e na sua participação em atividades concretas que revelem processos de formação. Essa foi mencionada 22 vezes em 15 dos projetos de curso, levando ao entendimento que o princípio da formação permanente, continuada, em exercício ao ser indicado no texto do perfil do egresso, compõe uma das atribuições formativas que as instituições de educação superior devem apresentar, formalmente, em suas propostas. As propostas que envolvem a formação docente devem fundamentar as suas intenções a partir dos princípios básicos da formação inicial e continuada, pois essa formação necessita ser entendida pelos seus protagonistas, como uma condição capital para o processo formativo do professor que irá atuar na educação básica.

A consolidação do exercício profissional se concretiza com a realização e desenvolvimento de atividades profissionais no contexto escolar que asseguram a solidificação da prática profissional. Ao analisar os projetos formativos, foram encontrados em 11 deles, 28 menções sobre as atividades profissionais notadamente vinculadas à ideia de consolidação do exercício profissional. No inventário de propostas delineadas nos projetos não foi possível entender quais seriam as atividades profissionais para a atuação docente propostas pelos cursos. As ementas das disciplinas práticas vinculadas às atividades laborais devem expressar o teor formativo de cada uma das propostas em questão e como a realização dos estágios supervisionados é parte integrante e obrigatória dos projetos de cursos voltados para a formação para a docência, caberia uma análise mais profunda e detalhada nas proposições que envolvem a aprendizagem para o exercício profissional para identificá-las com clareza e objetividade.

A amplitude de possibilidades para a atuação docente indica, no contexto atual, que o professor deve ter uma formação inicial que contemple diversas alternativas de ação. A subcategoria desenvolvimento de propostas educativas busca entender como essas possibilidades se concretizaram nas propostas dos cursos e foram encontradas em nove projetos indícios dessa tendência formativa. Independentemente do número de incidências, perceber que o trabalho docente abriga possibilidades distintas e é pensada em um contexto de formação inicial, demonstra que a leitura de sociedade feita pelos propositores abarca novas alternativas de trabalho e formação para o professor.

Considerações

As análises dos projetos de cursos voltadas para a formação do professor que irá atuar na educação básica trouxeram inúmeras inquietações e reflexões. Em nenhum momento do estudo existiu a intenção de revelar a fragilidade ou robustez, deficiência ou perfeição das propostas, mas levantar subsídios que pudessem auxiliar a proposição de um perfil de aluno egresso que atenda, além das necessidades sociais, os requisitos formais postos pela legislação atual.

Ao perceber que as categorias conhecimento e atuação não foram explicitamente indicadas em todos os projetos, pode-se entender que as propostas pouco priorizam a formação do professor e camuflam a licenciatura em cursos notadamente fortalecidos pelos conhecimentos das áreas específicas de formação. Seriam cursos de formação de professores pautados nas características formativas dos bacharelados, uma vez que apresentam a descrição de uma formação específica sólida na área do conhecimento a que se propõe e indicam que a aprendizagem profissional acontecerá, no entanto distante do contexto escolar.

Acredita-se que as análises aqui apresentadas poderão auxiliar as equipes de professores a elaborarem e/ou reestruturarem as propostas formativas para a docência nas instituições de educação superior em que estão vinculados. Desde a promulgação da Resolução N.º 2 (BRASIL, 2015) que as diretrizes formativas vêm sendo discutidas em diferentes âmbitos, já que se parte do princípio que a sua intencionalidade é definir os critérios e as condições mínimas e essenciais para a criação e oferta de cursos voltados à formação de professores para a educação básica. Na medida em que tais quesitos foram ampliados a partir da LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) e definidos em uma resolução que precisa ser atendida, as discussões sobre o tema se ampliaram em diferentes espaços e propósitos, permitindo que a formação de professores passasse a ter um novo sentido no contexto nacional. Muito ainda precisa ser estudado e compreendido, mas pesquisas como esta aumentam as possibilidades de um entendimento maior sobre o tema, gerando novos olhares sobre a constituição do perfil do egresso e das propostas formativas ofertadas pelas instituições de educação superior no país.

Referências

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.

BRASIL. Resolução n.º 2, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Brasília, 2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file. Acesso em: 04 ago. 2018.

BRASIL, Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Brasília, 2007. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2007/decreto-6096-24-abril-2007-553447-norma-pe.html. Acesso em: 30 abr. 2018.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldb n1.pdf. Acesso em: 30 abr. 2018.

CELLARD, A. A análise documental. In.: POUPART , J. et al. A pesquisa qualitativa. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 295-316.

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2016. Brasília: Inep, 2017. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-sinopse-sinopse. Acesso em: 03 jul. 2018.

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2010. Brasília: Inep, 2017. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-sinopse-sinopse. Acesso em: 03 jul. 2018.

MORGADO, J. C. O estudo de caso na investigação em educação. Santo Tirso: De Facto, 2012.

POUPART , J. et al. A pesquisa qualitativa. Petrópolis: Vozes, 2008.

PRYJMA, M. F.; WINKELER, M. S. B. Os estudos de currículo na formação inicial de professores. In.: COLÓQUIO SOBRE QUESTÕES CURRICULARES, 12. COLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO DE CURRÍCULO, 8. COLÓQUIO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE QUESTÕES CURRICULARES, 2. 2016, Recife. Anais... Recife: ANPAE, 2016.

Notas

1 São nomenclaturas utilizadas na sinopse da educação superior as seguintes terminologias para a formação de professor da educação básica: Formação de professor das séries finais do ensino fundamental; Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental; Formação de professor de educação especial; Formação de professor de educação física para educação básica; Formação de professor do ensino fundamental; Formação de professor do ensino médio; Formação de professor para a educação básica; Licenciatura Intercultural; Licenciatura Intercultural Indígena. São nomenclaturas utilizadas na sinopse da educação superior as seguintes terminologias para a formação de professor das disciplinas profissionais: Formação de professor de artes (educação artística); Formação de professor de artes plásticas; Formação de professor de artes visuais; Formação de professor de biblioteconomia; Formação de professor de computação (informática); Formação de professor de dança; Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura, pecuária, etc.); Formação de professor de economia doméstica; Formação de professor de educação física; Formação de professor de enfermagem; Formação de professor de mecânica; Formação de professor de música; Formação de professor de teatro (artes cênicas); Formação de professor do ensino técnico; Formação de professor em segurança pública; Licenciatura para a educação profissional e tecnológica. São nomenclaturas utilizadas na sinopse da educação superior as seguintes terminologias para a formação de professor das áreas específicas: Formação de professor de biologia; Formação de professor de ciências; Formação de professor de educação religiosa; Formação de professor de estudos sociais; Formação de professor de filosofia; Formação de professor de física; Formação de professor de geografia; Formação de professor de história; Formação de professor de letras; Formação de professor de linguística; Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna; Formação de professor de língua/literatura vernácula (português); Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua estrangeira moderna; Formação de professor de matemática; Formação de professor de psicologia; Formação de professor de química; Formação de professor de sociologia; Formação de professor em ciências sociais (INEP, 2017).
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