Aprendendo a ser educador(a) de crianças pequenas: um estudo sobre o Estágio Curricular Supervisionado no curso de Pedagogia em uma universidade pública federal
Este estudo teve por objetivo geral analisar a contribuição do Estágio em Docência na Educação Infantil do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia de uma Universidade Pública Federal para a constituição da docência de acadêmicos/as egressos do curso. Na estruturação teórica deste trabalho, entre os/as diversos/as autores/as que embasaram sua tessitura, destacamos: Cerisara (1999); Lima (2011); Pimenta (2012); Perrenoud (2002); Roldão (2007) e os documentos legais como: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996); Constituição Federal (1988); Lei nº 11.788/2008 e o Projeto Pedagógico do referido curso (2007). A análise dos dados evidenciou que o Estágio em Docência na Educação Infantil contribuiu para a constituição da docência dos alunos e alunas egressos do curso, e que não podemos negligenciar o impacto que a carência de acompanhamento eficiente durante o Estágio pode causar na vida futura profissional dos estudantes.
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APRENDENDO A SER EDUCADOR/A DE CRIANÇAS PEQUENAS: UM ESTUDO SOBRE O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NO CURSO DE PEDAGOGIA EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA FEDERAL
APRENDENDO A SER EDUCADOR/A DE CRIANÇAS PEQUENAS: UM ESTUDO SOBRE O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NO CURSO DE PEDAGOGIA EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA FEDERAL
Olhar de Professor, vol. 22, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepción: 08 Febrero 2019
Aprobación: 07 Marzo 2019
Resumo: Este estudo teve por objetivo analisar a contribuição do Estágio em Docência na Educação Infantil do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia de uma Universidade Pública Federal para a constituição da docência de acadêmicos(as) egressos(as) do curso. Na estruturação teórica deste trabalho, entre os(as) diversos(as) autores(as) que embasaram sua tessitura, destacamos: Cerisara (1999); Lima (2011); Pimenta (2012); Perrenoud (2002); Roldão (2007) e os documentos legais como: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996); Constituição Federal (1988); Lei nº 11.788/2008 e o Projeto Pedagógico do referido curso (2007). A análise dos dados evidenciou que o Estágio em Docência na Educação Infantil contribuiu para a constituição da docência dos(as) alunos(as) egressos(as) do curso, e que não podemos negligenciar o impacto que a carência de acompanhamento eficiente durante o Estágio pode causar na vida futura profissional dos(as) estudantes.
Palavras-chave: Estágio, Educador(a), Educação Infantil.
Abstract: This study had as objective to analyze the contribution of the Internship in Teaching in Child Education of the Full Degree in Pedagogy of a Federal Public University for the constitution of the teaching of graduates of the course. In the theoretical structuring of this work, the various authors who based their study, we highlight: Cerisara (1999); Lima (2011); Pimenta (2012); Perrenoud (2002); Roldão (2007) and the legal documents as: Law of Guidelines and Bases of National Education (1996); Federal Constitution (1988); Law nº 11.788 / 2008 and the Pedagogical Project of said course (2007). The analysis of the data showed that the Teaching Internship in Early Childhood Education contributed to the teaching of the students of the course, and that we can not neglect the impact that the lack of efficient follow-up during the Internship can cause in the future professional life of the students. students.
Keywords: Internship, Educator, Child education.
Resumen: : Este estudio tuvo por objetivo analizar la contribución de las Prácticas docentes supervisadas en Educación Infantil del Curso de Licenciatura Plena en Pedagogía de una Universidad Pública Federal para la constitución de la docencia de estudiantes egresados del curso. En la estructuración teórica de este trabajo, entre los(as) diversos(as) autores(as) que se basa su tesitura, destacamos: Cerisara (1999); Lima (2011); Pimenta (2012); Perrenoud (2002); Roldán (2007) y los documentos legales como: Ley de Directrices y Bases de la Educación Nacional (1996); Constitución Federal (1988); Ley nº 11.788 / 2008 y el Proyecto Pedagógico de dicho curso (2007). El análisis de los datos evidenció que las Prácticas docentes supervisadas en Educación Infantil contribuyeron a la constitución de la docencia de los alumnos(as) egresados(as) del curso y que no podemos descuidar el impacto que la carencia de acompañamiento eficiente durante esta etapa puede causar en la vida futura profesional de los(as) estudiantes.
Palabras clave: Prácticas docentes supervisadas, Educador(a), Educación Infantil.
INTRODUÇÃO
Escrever e pesquisar sobre o estágio supervisionado é refletir sobre o processo do qual também vivenciamos e, sobretudo, pensar na concepção de docência construída no trajeto da formação inicial, etapa fundamental para a preparação do(a) profissional docente. Trata-se de um momento privilegiado de autoformação, onde são reconstruídos os saberes iniciais e forjamos, no processo formativo, novos saberes pedagógicos.
O interesse pelo objeto de estudo surgiu a partir do desdobramento de um trabalho monográfico de graduação, sendo este, portanto, uma continuidade da sistematização referente à experiência como estagiária no Estágio em Docência na Educação Infantil. Os relatos se referem ao primeiro contato com a escola campo1, que provocou algumas inquietações, dentre as quais destacamos a tensão em mobilizar os saberes necessários para exercer a docência a partir dos saberes construídos na academia, tendo em vista que o fazer pedagógico exige saberes complexos e inerentes ao educador(a) que percorre uma trajetória que está em construção constante. Acredita-se que isso acontece porque o(a) estudante de Pedagogia traça sua trajetória e seus primeiros passos rumo à docência na Universidade, pois em geral não possui experiência como educador(a). No entanto, nem sempre é instigado(a) a pensar o espaço da escola e, mais especificamente, o espaço da sala de aula.
Nesse percurso, o Estágio Curricular Supervisionado desempenha um papel muito importante. É um processo de aprendizagem indispensável ao acadêmico(a) que deseja estar preparado(a) para enfrentar os desafios de uma carreira profissional, bem como conhecer e entender a realidade da sua futura profissão, através da articulação entre a teoria e prática, fazendo com que o aprendizado adquira uma nova perspectiva.
Tendo o estágio como objeto de estudo deste trabalho, elegeu-se como lócus da pesquisa o curso de Pedagogia de uma Universidade pública Federal, o qual se propõe a formar educadores e educadoras para atuar na Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental e na docência de Disciplinas Pedagógicas. No exercício da docência, este profissional deverá ser capaz de orientar o processo de apropriação dos saberes de forma crítica e contextualizada, desenvolvendo conhecimentos, habilidades e valores necessários ao convívio em uma sociedade democrática.
Nessa perspectiva, levantou-se a seguinte problemática: o Estágio em Docência na Educação Infantil do Curso de Pedagogia de uma Universidade pública Federal tem contribuído para a constituição da docência de alunos(as) em processo de formação? Qual a visão dos(as) acadêmico(as) egressos(as) do curso? Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo analisar a contribuição do Estágio em Docência na Educação Infantil para a constituição da docência dos acadêmicos(as) egressos no curso.
Para atender a este objetivo, utilizou-se uma abordagem qualitativa, pois de acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 48) “a investigação qualitativa é descritiva. Os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não de números”. Além disso, este tipo de pesquisa valoriza o processo de investigação, as situações estudadas, as opiniões, as experiências e não apenas o resultado. Assim, essa pesquisa caracteriza-se como empírica, sendo realizada em duas etapas: a primeira na Universidade Federal, onde os encontros com os sujeitos aconteceram no Centro acadêmico onde são ministradas as aulas do curso do turno vespertino, que ocorreu no ano de 2015. Para tanto, tornaram-se sujeitos da pesquisa cinco acadêmicos(as) egressos(as) do Estágio em Docência na Educação Infantil do referido curso.
A segunda etapa ocorreu em dezembro do ano de 2018 com o mesmo grupo de sujeitos, porém em locais diferentes respeitando suas agendas de compromissos. Nesta segunda etapa da pesquisa, buscou-se compreender a influência do Estágio em Educação Infantil na constituição da docência dos mesmos sujeitos entrevistados, agora já graduados(as) e com experiência como docentes, o que trouxe uma maior amplitude e material para analisar e comparar a real influência do estágio antes e após adquirirem experiência como educadores e educadoras de crianças pequenas.
O trabalho está dividido em quatro seções. A primeira trata do estágio curricular supervisionado no curso de pedagogia, onde se discutiu o seu papel no processo de formação do educador(a) e, ainda, as implicações da legislação atual para a consolidação de uma concepção de estágio para além de uma perspectiva tradicional. Na segunda seção, discutiu-se sobre a formação do educador(a) de Educação Infantil e o estágio como elemento mediador nesse processo, evidenciando os saberes necessários para a sua constituição. Na terceira seção, apresentamos as análises dos dados, traçando incialmente o processo de desenvolvimento da pesquisa, e na quarta seção, são apresentadas as considerações finais.
Espera-se que esta pesquisa possa contribuir para a reflexão sobre os Estágios Curriculares Supervisionados e deixar fonte de pesquisa para futuros trabalhos acadêmicos que discutam essa temática, sobretudo, na formação inicial de acadêmicos(as) dos cursos de Licenciatura Plena em Pedagogia.
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
Acerca das concepções que permeiam o estágio, compreende-se que esse componente curricular:
[...] se constitui como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental. Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas (PIMENTA, 2006, p. 6).
Assim, entendemos que o estágio não se limita às técnicas do saber fazer, ou reprodução de modelos escolares, mas, envolve, sobretudo, a reflexão da/na atividade docente, a pesquisa, a compreensão da atividade exercida e seu significado social.
Lima (2011, p. 131), reforça essa compreensão quando afirma que o estágio está para além de um requisito do projeto pedagógico do curso, destinado a pôr em prática as teorias recebidas, ao contrário, é um espaço privilegiado de práxis, um lugar de partida e de chegada para a vida profissional, portanto, se constitui como atividade de pesquisa, logo, impulsionado pela teoria, podendo ser repensado e contextualizado.
Desse modo, observa-se a importância do Estágio Supervisionado para a formação inicial do(a) educador(a), sendo importante nesta seção da investigação trazer para a discussão a sua contribuição para a formação deste(a) profissional, bem como as implicações da atual legislação para uma nova perspectiva de estágio.
Tornar-se educador(a) exige conhecimentos específicos que não são carregados em uma cadeia genética, ao contrário, são construídos e aprimorados constantemente dia após dia. Para tanto, a formação docente, especificamente a formação inicial, assume grande importância, pois, através dela, percebemos que para o exercício da profissão de educador(a) se faz necessária a investigação, a reflexão, a teorização da ação, um agir consciente do poder de transformar determinada realidade a partir da educação, da construção de conhecimento emancipador, que não se pode confundir com mera informação.
Nesse sentido, concorda-se com Roldão (2007, p. 170) quando afirma que “formar professor significa prepará-los para o exercício de uma profissão que, sendo historicamente situada, vai adquirindo contornos de acordo com as exigências conjunturais de cada período”. Portanto, para o exercício da profissão, são necessários conhecimentos que são construídos pelo indivíduo durante a formação, e esta por sua vez,
Deve prepará-lo para analisar a natureza e o alcance de sua intervenção na escola, desenvolvendo sua consciência crítica sobre a tensão dialética entre a reprodução da ideologia dominante e a possibilidade de transformação da realidade, para que a compreenda como um espaço social, e sua ação docente, como uma prática social. (SILVESTRE, 2011, p. 168).
A compreensão da transformação da realidade a partir da ação docente como uma prática social, demanda do(a) educador(a) plena consciência de seu papel social, que deve ser desenvolvida ao longo da formação inicial quando propicia a estudante não apenas o conhecimento teórico, mas a possibilidade de refletir sobre a prática.
Outro elemento que precisa ser levado em consideração quando se fala da formação profissional, é a própria formação humana definida por Cunha (1989) como o conhecimento construído pelo educador no cotidiano da escola, mas também pela sua participação em movimentos sociais, religiosos, sindicais e comunitários que, segundo o autor, possuem mais influência no cotidiano do educador que a própria formação docente que recebeu academicamente.
De certa forma, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – DCN (BRASIL, 2006) atentam para este aspecto quando preconizam em seu Art.2º:
§ 1º [...] ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo.
§ 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, propiciará:
I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas;
II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural (BRASIL, 2006, p. 1).
Diante do exposto, percebe-se que a formação profissional de nível superior não anula a formação humana, ao contrário, necessita da articulação entre o conhecimento cultural e o científico, bem como a articulação entre teoria e prática. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional na forma da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 no capítulo VI, dá relevância a este último aspecto quando estabelece:
Art. 61º. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço. (BRASIL, 1996, p. 22).
Neste contexto, o Estágio Supervisionado pode ser situado no sentido de regulamentar o instrumento que propicia a associação entre teoria e prática, a Lei nº 11.788 de 25 de setembro de 2008, define e classifica o estágio como:
Art. 1o [...] educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
§ 2o O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho (BRASIL, 2008, p. 1).
A partir do exposto, necessário se faz trazer para esta discussão o papel do estágio na formação docente, mais especificamente na formação inicial. No processo de formação inicial, o Estágio Curricular Supervisionado ganha uma importância singular. De acordo com o Conselho Nacional de Educação na Resolução CNE/CP Nº 1/2006, Art. 8º inciso IV, o estágio deve ser realizado ao longo do curso, assegurando desta forma, que os graduandos tenham experiência profissional em atividades no ambiente escolar e não escolar, segundo a Resolução, esta experiência em exercício possibilitará a ampliação e fortalecimento de atitudes éticas além de conhecimentos e competências (BRASIL, 2006).
Cabe aos professores orientar os estagiários quanto ao verdadeiro ambiente de trabalho e prepará-los para uma ação pedagógica reflexiva, para intervir na realidade de forma que não a mutile. A etapa que antecede a ida à escola campo serve de norte para que os estudantes possam preparar seu olhar investigativo, olhar de quem deseja conhecer, compreender o ambiente, a realidade, os sujeitos, as relações estabelecidas e a dinâmica do trabalho desenvolvido no ambiente observado, o olhar de quem observa e não de quem julga. Para tanto, essa preparação envolve o conhecimento teórico que é indissociável da prática, como afirmam Pimenta e Lima (2006, p. 12):
Nesse processo, o papel das teorias é o de iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação, que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, se colocar elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade.
Assim sendo, a investigação não acontece separadamente do processo formativo, mas concomitante a ele, e a teoria deve se fazer presente oxigenando as ações dos sujeitos aprendentes. A pesquisa no estágio acontece, por vezes, de forma não intencional, ou nomeada de forma diferente, quando os estagiários problematizam a realidade observada, quando questionam a forma como as crianças pequenas2 aprendem, a teoria por trás da prática e mesmo ela própria. A problematização presente no estágio enquanto pesquisa é tratada por Pimenta e Lima (2006, p. 14) quando afirmam que:
A pesquisa no estágio, como método de formação dos estagiários futuros professores, se traduz pela mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam. Mas também e, em especial, na possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e habilidades de pesquisador a partir das situações de estágio, elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam.
A formação é um processo contínuo, onde todos os sujeitos precisam, em conjunto, compreender o estágio e seu campo como instrumento de ruptura com a “imitação de modelos” e formar profissionais autônomos e conscientes de sua prática social, romper ainda, com a “instrumentalização técnica” e buscar oxigenar suas atividades com as teorias necessárias e cabíveis em cada contexto real, pois sem o olhar investigativo não é possível identificar ou compreender o contexto que nos cerca.
SER EDUCADOR(A) DA EDUCAÇÃO INFANTIL: ONDE TUDO COMEÇA?
Nas décadas de 1970 e 1980, o processo de urbanização do Brasil e a maior participação das mulheres no mercado de trabalho fez com que expandisse o atendimento educacional de crianças pequenas. A ausência de legislação educacional contribuiu para a difusão de formas alternativas de atendimento educacional de crianças de 0 a 6 anos de idade, consequentemente não havia exigências específicas para as pessoas que lidavam com as crianças, em geral mulheres, sem formação específica, chamadas de crecheiras, pajens, babás ou auxiliares (BRASIL, 2006).
Os estudos de Silva (1999, p. 74) apontam que a tarefa das pessoas que cuidavam de crianças pequenas nas décadas de 1970 e 1980, caracterizava-se como:
[...] uma tarefa impregnada do mito que reforçou e, de certa forma, ainda reforça a imagem do profissional de educação infantil em tempos atuais. Tal mulher considerada uma educadora natural, paciente, que sabe agir com bom senso e é guiada pelo coração.
Este perfil de profissional, no entanto, não contava com qualificação necessária para atender às especificidades de crianças de 0 a 6 anos de idade. Segundo Cerisara (1999), os trabalhos realizados em creches e pré-escolas nas décadas de 1970 e 1980 eram caracterizados por seu atendimento, no primeiro havia o trabalho “assistencialista” enquanto o outro desenvolvia um trabalho denominado “educativo”.
As atividades desenvolvidas nas creches não eram vistas do ponto de vista educativo, mas, como assistência familiar e/ou hospitalar, sendo desvalorizada e sem nenhum tipo de prestígio. A divisão existente entre a atividade desenvolvida nas creches e pré-escolas e a dicotomia entre educar e cuidar contribuiu para a desvalorização do trabalho de profissionais da infância, como esclarece Cerisara (1999, p. 12, grifo da autora):
Nesta "falsa divisão" ficava implícita a ideia de que haveria uma forma de trabalho mais ligada às atividades de assistência à criança pequena, as quais era dado um caráter não-educativo, uma vez que traziam para as creches e pré-escolas as práticas sociais do modelo familiar e/ou hospitalar e, as outras, que trabalhavam numa suposta perspectiva educativa, em geral trazendo para as creches e pré-escolas o modelo de trabalho escolar das escolas de ensino fundamental.
O atendimento em creches, segundo Cerisara (1999), caracterizava-se por um trabalho assistencialista, uma extensão da família. Por outro lado, as pré-escolas empregavam um modelo escolar do Ensino Fundamental e preparavam as crianças para o trabalho. E, nesta atividade, o educar e o cuidar eram tratados distintamente, bem como o trabalho e o tratamento destinado aos profissionais. Como afirma Silva (1999, p. 77), “A formação dos profissionais de creche e de pré-escolas teve origens diferenciadas, marcadas pelo tratamento das questões relativas à educação de crianças pequenas [...]”.
Em meio a essa divisão de tarefas, a imagem do(a) profissional da infância vai sendo construído com grandes equívocos. Silva (1999, p. 75) afirma que a “descaracterização do papel do professor trouxe, como consequência, a falta de investimento em sua formação. Quanto menor a idade dos alunos, mais baixo os salários e menos qualificada a formação dos profissionais”.
Até a década de 1980, o atendimento de crianças pequenas ficava a cargo da assistência social, a figura do(a) educador(a) de Educação Infantil não existia, por não haver formalização desta profissão, as pessoas que cuidavam das crianças pequenas eram leigas, sem formação específica na área, não contavam com nenhum tipo de qualificação profissional.
Contudo, a partir da Constituição Federal de 1988 houveram alguns avanços na Educação Infantil e, consequentemente, no papel do(a) educador(a) infantil. A Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 caracterizam um avanço significativo referente à educação de crianças de 0 a 6 anos. Com a Constituição Federal de 1988 tem-se como direito das crianças pequenas o acesso à creche e pré-escola, determinada em seu Art. 208: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”. (BRASIL, 1988, s/p).
Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de nº. 9.394, de 20 de dezembro, de 1996, em seu Art. 29º determina:
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996, p. 12).
O Art. 30º da referida Lei, discrimina de que forma a Educação Infantil será oferecida: em creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade, e pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade. Assim sendo, com a Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996, o cuidado de crianças pequenas passa da Secretaria da Assistência Social ou da Saúde e insere-se nas Secretarias da Educação (CERISARA, 1999).
Com relação à formação de profissionais para atuar na Educação Infantil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação preconiza:
Art. 62º. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, 1996, p. 23).
Observa-se, assim, um avanço significativo na discussão sobre a formação de educadores(as) de Educação Infantil, à medida que fica estabelecido que os profissionais que trabalham com crianças pequenas devem possuir formação em nível superior como requisito mínimo para exercer o magistério. A seguir serão apresentadas as análises realizadas com os sujeitos da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Antes de iniciar as discussões nesta seção, faz-se necessário conhecer quem são os sujeitos desta pesquisa, que serão identificados como A1 a A5.
O período de realização da pesquisa ocorreu entre o mês de abril e maio de 2015 e teve sua continuidade em dezembro de 2018, utilizando como instrumento de geração de dados a entrevista semiestruturada que implica em perguntas previamente formuladas, porém flexível a alterações, o que permitiu ampliar e aprofundar os questionamentos no decorrer das entrevistas (GRAUE; WALSH, 2003).
Inicialmente, questionou-se dos sujeitos os motivos que os levaram a escolher o curso de Pedagogia:
Eu, na verdade4, quando ingressei na Universidade (...), entrei no Curso de Hotelaria e acabei me desiludindo um pouco [...] e eu fiquei muito em dúvida no que fazer [...] pensei em Pedagogia [...] aí eu lembrei que eu tinha uma admiração muito grande pelos meus professores, pelas coisas que eles faziam [...] então eu acho que pela admiração que eu tinha, pelo respeito pela profissão, a nobreza que eu atribuí a essa profissão, eu resolvi ingressar no Curso de Pedagogia (A1, 2015).
Primeiramente, porque é um curso que eu poderia fazer a noite [...] Não pensei que eu fosse passar em Pedagogia na primeira opção, é... Não foi planejado, foi aleatório, mas, eu costumo dizer que o Curso de Pedagogia que me escolheu (A2, 2015).
Na verdade, Pedagogia não era minha primeira opção, porque eu queria fazer Psicologia, mas no ENEM eu escolhi Pedagogia devido aos pontos [...]. (A3, 2015).
Eu fui escolhida, parece uma coisa clichê, mas foi o que aconteceu, porque antes de passar no vestibular eu fazia pra História e Geografia, tudo bem que tudo “tava” ligado à licenciatura. Só que eu nunca tinha pensado em trabalhar com crianças, porque fazer história e geografia e tal, tu vai trabalhar com crianças maiores, não crianças assim de 5 e 6, não é? Até que eu peguei e falei: não, vou fazer agora pra Pedagogia [...] (A4, 2015).
Primeiro porque foi... É porque é uma área que me interessa bastante, a princípio é... Eu queria entrar é no ramo da docência, no ramo do ensino, não exatamente em Pedagogia, principalmente na área de exatas [...] (A5, 2015).
Os relatos dos(as) entrevistados(as) revelam que nenhum deles optou inicialmente pelo curso de Pedagogia, considerado uma segunda ou terceira opção, ou ainda, “por que os pontos deram”, o que significa que os pontos obtidos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) são parâmetros para a escolha de um curso de graduação nas universidades, assim como em muitas outras instituições de Ensino Superior no Brasil.
Essa situação levantou o seguinte questionamento: se todos(as) os (as) acadêmicos(as) não tiveram como opção inicial o Curso de Pedagogia, este aspecto pode influenciar para que eles não assumam a docência ou que não se realizem nessa profissão? Enfim, para que não se tornem profissionais comprometidos(as) com a causa da docência? Para responder a tais questionamentos, concorda-se com Freire (1991, p. 58) quando afirma que “ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro à tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática”.
Assim sendo, observa-se que a ordem de escolha do curso em segunda ou terceira opção, não determina o tipo de profissional que teremos, uma vez que o(a) educador(a) não nasce predestinado(a) para tal, ou ainda, não nos tornamos educador(a) de um dia para outro. Ao contrário, tornar-se um profissional de educação é passar por um processo contínuo, sendo a formação inicial o primeiro e importante passo nesta ação, o que justifica a fala da Acadêmica 2: “[...] Não pensei que eu fosse passar em Pedagogia na primeira opção, é... Não foi planejado, foi aleatório, mas, eu costumo dizer que o Curso de Pedagogia que me escolheu.” (Grifo nosso).
Essa declaração de A2 confirma, segundo Roldão (2007), que a profissão docente exige conhecimentos específicos e complexos, que este processo é contínuo e nos tornamos parte dele. O conhecimento construído ao longo do curso não é predeterminado a quem o escolhe, mas uma construção permanente.
Na sequência, os sujeitos foram questionados sobre a contribuição do Estágio Supervisionado para a sua formação inicial, os quais responderam que:
Olha o Estágio ele dá um alicerce de... Dá um embasamento do que a gente vê na teoria, porque na sala de aula é uma coisa, mas quando a gente é... Como estudante é uma visão, quando vamos pra sala de aula, a gente tem um impacto que é totalmente diferente e... Assumir o papel de docente, de... É mais é... A responsabilidade é muito maior [...] (A2, 2015).
Considerando que toda experiência é válida, o estágio permitiu novas possibilidades para aprendermos e testar os conhecimentos adquiridos, este contribuiu para melhor entendimento da relação teórico-prática, conhecer o espaço escolar e cotidiano, no intuito de desenvolver habilidades necessárias para o exercício da docência (A2, 2018).
Bem... É, especificando o curso, o estágio pra gente é algo... crucial, diria que é essencial pra nossa formação. É... Apesar de não concordar com uma estrutura curricular que nosso curso tem, por botar o estágio até, demais assim, muito adiante no currículo, eu acredito que o estágio supervisionado ele vem trazer um caráter de importância principalmente pra nossa área, área de ensino [...] (A5, 2015).
Vejo que o estágio no curso de licenciatura é muito importante para que os alunos possam ter uma vivência da docência mais próxima possível da realidade escolar, acredito que essa vivência seja a maior contribuição do estágio para minha formação (A5, 2018).
De acordo com a Resolução CNE/CP Nº 1/2006, Art. 8º, o estágio deve assegurar experiência profissional em ambientes escolares, fortalecendo assim os conhecimentos dos(as) estagiários(as). A categoria experiência foi apontada na fala de A3, quando ressalta que a docência só é compreendida na prática, bem como A5 ao considerar crucial o estágio para sua formação inicial, levando ao diálogo com Lima e Aroeira (2011, p. 14), quando afirmam que o estágio é um “espaço onde continuamos a nascer profissionalmente”, onde é oportunizado aos estagiários a compreensão da profissão docente, e, o mais importante, redimensiona a visão deste momento para a superação da hora da prática.
Neste aspecto, ao confrontarmos os diálogos dos sujeitos em 2015 e 2018, observamos que ambos os sujeitos revisitados, mantiveram o discurso positivo sobre a importância do Estágio para sua formação profissional. A4 pontua a contribuição para “o melhor entendimento da relação teórico-prática”. Enquanto A5 enfatiza que a vivencia da docência próxima à realidade foi a maior contribuição do Estágio para sua formação. A trajetória de tornar-se professor(a) exige um exercício contínuo que é aproximar-se da realidade à medida que se estuda seus aspectos particulares, neste caso, a realidade educacional.
A terceira pergunta buscou compreender se o acompanhamento do(a) Supervisor(a) Docente durante o Estágio em Educação Infantil influenciou de alguma forma sua postura profissional atual? Por quê?
Em alguns aspectos sim, mas em outros não, porque não houve um acompanhamento direto da supervisora, a mesma nos passava as orientações nos encontros antes ou depois de ir para a escola campo de estágio, no que diz respeito a minha postura não houve mudança relevante que tenha influenciado, pois as mudanças foram acontecendo com os saberes adquiridos pelas vivências ao longo do curso (A2, 2018).
Não. O acompanhamento da supervisora se deu mais na elaboração do projeto de intervenção (A5, 2018).
Diante do exposto, observa-se na fala de A2 certa ambiguidade quando confrontamos sua resposta em 2015, pois afirma que teve acompanhamento durante o Estágio e ainda, destacando a importância desse acompanhamento. No entanto, quando questionada sobre a influência do Supervisor no Estágio em sua postura profissional atual, afirma que “não houve um acompanhamento direto da supervisora, a mesma nos passava as orientações nos encontros antes ou depois de ir para a escola campo de estágio”. E que segundo ela, não influenciou em sua postura profissional, mas sim os saberes experienciais.
Já A5 mantém em seu discurso a negação do acompanhamento direto da Supervisora Docente em suas práticas, restringindo-se à elaboração de projetos de intervenção. O momento de intervenção no estágio, sobretudo para quem não conta com o quesito experiência docente, é um momento antecedido de muita apreensão, incertezas e fragilidades, portanto, neste momento poder contar com o apoio de um profissional apto a ajudar nesta etapa faz muita diferença no processo de aprendizagem, por ser esta, uma ação complexa e contínua.
Logo após, foi questionado aos sujeitos de que maneira o Estágio Supervisionado em Docência na Educação Infantil contribuiu para sua constituição de docência?
Muito, porque... As experiências vividas com crianças, temos crianças em casa, sobrinhos, primos, mas não é como ter aquela criança pra educar, pra conviver, fazer com que ela interaja com outras [...] Então a partir do que nós estudamos nós vamos pro campo e vamos perceber como são essas crianças e vamos bater muito das coisas que a gente vê e ouve aqui na universidade [...] (A1, 2015).
Sim, primeiro porque eu acho que é um dos estágios base, bem importante que a gente vai tendo... vai começando a desenvolver várias atividades [...] que tem que ser com criança pra poder passar pros outros níveis. Então eu acho que é importante começar a conhecer desde a Educação Infantil é... pra poder passar pro Fundamental, até porque com as crianças a gente aprende muito [...] (A2, 2015).
Indiretamente sim. Porque permitiu o contato com o espaço da escola possibilitando associar melhor os conhecimentos teóricos e como estes acontecem na prática (A2, 2018).
[...] a contribuição desse estágio é... aquele, digamos que aquele choque de realidade, nesse sentido em que eu venho te falando [...] Então você vem aí de quatro períodos, ou seja, dois anos, você vem somente com uma construção teórica, você conhece a escola, mas conhece de forma superficial, do que você vê na “tv”, do que você vivenciou nos seus anos de escola, você era estudante. Mas como profissional, como um estudioso da área você não tem... Não tem esse conhecimento da escola como um todo, como um local de aprendizagem significativa, ou que pelo menos deveria ser, um local de aprendizagem significativa. Então, o Estágio em Educação Infantil, por ser o primeiro e não por ser em Educação Infantil, mas por ser o primeiro estágio, ele contribuiu na minha formação no sentido de me fazer enxergar realmente como é a escola em si [...] (A5, 2015).
Sim, pois através do estágio pude observar e atuar em diversas atividades, sendo importantíssimo para desvelar peculiaridades que só a teoria não poderia explicar (A5, 2018).
De acordo com as respostas dos(as) entrevistados(as), percebe-se que o Estágio Supervisionado em Docência na Educação Infantil tem grande relevância para a formação profissional dos sujeitos. A resposta de A1 nos remete ao exposto neste trabalho, quando situamos historicamente o processo percorrido para que, de fato, ficasse posto que o responsável em trabalhar com a criança de 0 a 6 anos tivesse formação profissional específica, o que exigiu apropriação de saberes necessários.
Ao reconhecer que o auxílio familiar às crianças pequenas, diferencia da atividade exercida no ambiente escolar, A1 coaduna com o exposto neste trabalho no tocante à formação necessária para trabalhar com crianças. As falas seguintes dos sujeitos afirmam tal necessidade, e atribuem ao Estágio Supervisionado em Docência na Educação Infantil uma importância basilar para sua formação.
A fala de A5 em 2015 nos chama a atenção por destacar algo que não percebemos nos outros sujeitos, a preocupação quanto à disposição do Estágio no currículo do Curso, mais especificamente quanto à sua posição em relação às outras disciplinas, o que nos remete ao Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia analisado, o qual estabelece que a oferta do estágio voltado especificamente para a docência aconteça no 6º semestre letivo para o turno vespertino e no 7º período para estudantes do turno noturno.
Enquanto estudante do turno vespertino, já tendo cursado 7 períodos, A5 argumenta que o primeiro estágio proporciona um choque de realidade, pois, segundo ele (A5), vindo somente de uma construção teórica o estudante conhece a escola de forma superficial. Durante a entrevista, o estudante pontuou que estudar sobre educação tendo o ensino como objeto de estudo, necessita aproximar-se da realidade, conhecer a escola como ambiente de trabalho em sua forma real. A esta inquietação, Perrenoud (2002) alerta que a formação apresenta certa mutilação da imagem real da escola e mesmo da profissão, o que provoca impasse na manutenção de uma relação como o saber didático.
Neste sentido, A5 vê no Estágio uma contribuição para sua formação ao passo que este proporciona a visão real da escola como de fato ela é. Em 2018, quando questionado sobre a contribuição do Estágio para sua atuação profissional, o sujeito reafirma sua importância, ressaltando a complementaridade à teoria.
Assim como A2 em 2018 ao reafirmar umas das funções do Estágio curricular supervisionado: “permitiu o contato com o espaço da escola possibilitando associar melhor os conhecimentos teóricos e como estes acontecem na prática”.
Diante das argumentativas, acredita-se que o Estágio Supervisionado em Docência na Educação Infantil deva acontecer em conformidade com a dinâmica de aprendizagem dos estudantes, à medida que propicie a imagem de uma escola pública real, que não conta com auxiliares de turma ou um(a) estagiário(a) para contribuir nas atividades pedagógicas, em que o fazer docente deve ser uma ação social.
Porém não é tarefa fácil, a realidade do cotidiano docente não se compara aos contos oralizados às crianças pequenas, ou àqueles idealizados quando se ingressa no curso, por acreditar que ser professor(a) é uma tarefa honrosa, heroica, entretanto ser professor exige uma preparação complexa, que exige trabalho e dedicação.
Tornar-se educador(a) exige a mobilização de saberes próprios, que só é possível mediante a profissionalização docente em instituições de Ensino Superior, nesta ação o estágio supervisionado desempenha seu papel. Neste sentido, buscou-se compreender quais saberes foram mobilizados pelos sujeitos entrevistados para trabalhar com crianças pequenas.
Finalizando as perguntas, os sujeitos foram questionados sobre que tipos de saberes foram construídos por eles ao longo do estágio em Docência na Educação Infantil:
O primeiro é... que a gente tem que aprender a conhecer, aprender a.. é... a lidar com o outro, né?! [...] Ajudar o aluno a se desenvolver na medida que eles... de acordo com os conhecimentos que eles já têm, valorizar... entendeu? E muitos outros que a gente vai aprendendo no dia a dia (A2, 2015).
[...] Eu vejo como saberes significativos, a postura, a postura em sala de aula que a gente não tem, como a gente adquirir isso teoricamente, mas sim na prática... Também, construção, sequências didáticas, planos de aula, principalmente, não digo a construção em si, porque isso até teoricamente é... Nós aprendemos na Academia, mas, ver essa articulação desse plano, [...] eu vejo isso como um dos saberes mais importantes que eu tive, nesse primeiro estágio, poder mesmo, ter essa articulação dessa construção, desse planejamento, acho que essa é a palavra certa, digamos que o saber maior que eu tive dentro desse estágio: foi esse saber planejar dentro de acordo com uma realidade [...] (A5, 2015).
Identificar os saberes construídos ao longo do estágio é uma tarefa que exige reflexão, sob o olhar investigativo percebe-se que os sujeitos buscaram rememorar suas ações no campo de estágio, as relações estabelecidas em uma espécie de autoanálise. Em suas falas explicitam os saberes mobilizados por eles(as) espelhando as atividades realizadas no espaço escolar.
Foram identificadas algumas definições variadas nas declarações, o que nos remete aos estudos de Gauthier (1998), quando usa o termo “reservatório de saberes”, ou seja, não há um saber compactado e aplicável para a profissão docente, considerando que se trata de uma atividade abrangente, o cotidiano escolar exige a mobilização de vários saberes. Neste sentido, concorda-se com o pensamento de Silva (1999) ao afirmar que o saber docente é plural, composto de saberes da formação profissional, das disciplinas cursadas e da experiência na escola, e este último surge na articulação de todos os outros.
Ao confrontar os discursos de A2 e A5 em 2018 é válido afirmar que muito é depositado no primeiro estágio do curso de pedagogia, a fala de A2 em 2018 deixa claro essa responsabilidade, quando relaciona os saberes construídos durante o Estágio e os exigidos ao decorrer de sua atuação profissional. A5 retoma o conteúdo de seu discurso em 2015 ao pontuar como saberes relevantes, a aplicação de projetos de intervenção, que está intimamente relacionado à habilidade de planejar.
Gauthier (1998) nos convida a reconhecer os saberes citados pelos estudantes em um reservatório vasto e complexo. Em todas as falas dos sujeitos é possível enxergar o saber disciplinar que se refere aos saberes dispostos na sociedade, bem como os construídos nas Instituições de Ensino Superior, ou seja, são saberes produzidos pelos(as) pesquisadores(as) e cientistas a respeito do mundo. Nesta categoria é possível incluir estudiosos da educação que auxiliam na formação profissional, permitindo-nos construir um plano de aula e assegurar seu desenvolvimento de acordo com um contexto real, assim como a necessidade de conhecer o outro e identificar suas necessidades educacionais.
Ao final da entrevista, de modo informal, foi perguntado aos sujeitos o que eles acharam da sua atuação no Estágio, sendo que todos afirmaram que foi uma boa experiência. Resguardando as particularidades de cada situação, pode-se inferir que o Estágio Supervisionado em Docência na Educação Infantil contribui com um processo tão complexo como o de se tornar educador(a), processo que não tem uma data de validade, exige ser reelaborado, refletido e dinâmico.
Ao olhar para cada resposta fornecida pelos(as) acadêmicos(as) em 2015 e 2018, podemos perceber tamanha importância creditada ao Estágio em Docência na Educação Infantil, a importância da primeira experiência, pode ser determinante na construção da identidade docente aliada aos interesses profissionais. Em alguns momentos durante a entrevista percebeu-se que a expectativa gerada pelo campo de trabalho pode não ter sido alcançada por parte dos(as) acadêmicos(as), apesar de ser uma experiência relevante, não encantou a todos(as), o que julgamos natural quando se trada de escolhas pessoais.
O que fica mais evidente nas análises de 2018, onde o Acadêmico A5 optou em trabalhar com crianças maiores, a Acadêmica 4 não trabalha com educação, enquanto que a Acadêmica A2 obteve sua experiência profissional 01 ano após graduar-se, e faz pertinentes observações acerca do Estágio, revelando que os saberes docentes por ela construídos se deram no dia a dia do trabalho, e pouco absorveu do estágio, alegando pouco tempo para tão complexa tarefa.
Assim sendo, compreende-se que os saberes e a identidade docente são construídos ao longo da jornada acadêmica e profissional, construir uma identidade docente não é uma tarefa fácil, entendemos assim, que o Estágio em Docência na Educação Infantil cumpriu o papel de mediador no processo de construção da identidade docente dos(as) acadêmicos(as) entrevistados(as).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo foi motivado principalmente pelo intuito de analisar a contribuição do Estágio em Docência na Educação Infantil do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia de uma Universidade Pública Federal para a constituição da docência dos(as) acadêmicos(as) egressos do referido curso. Para tanto, foram realizadas entrevistas em duas etapas com cinco acadêmicos(as) egressos(as) do estágio, que possibilitou gerar dados para responder ao objetivo proposto.
Através dos dados gerados, percebe-se a importância que o estágio desempenhou na formação inicial dos sujeitos entrevistados, superando o momento da prática, constituindo-se como um espaço de pesquisa e aprendizagem, à medida que ocorre a problematização sobre a realidade.
Partindo do questionamento inicial deste estudo, foi possível compreender que a partir do auxílio das disciplinas que antecedem o estágio o(a) acadêmico(a) é capaz de reformular seus conceitos educacionais, e para que haja concordância com o cotidiano e a atividade real da profissão, o estágio se faz tão importante para a construção de uma identidade docente por aproximar a ligação teoria/prática e possibilitar verdadeiramente o convívio e a compreensão da atividade.
Acredita-se que, nesta dinâmica, o(a) Supervisor Docente deva desempenhar um papel muito importante, neste momento de tensão e incertezas, por ser o primeiro contato com a sala de aula na condição de docentes, os estudantes necessitam de orientação que lhes permita articular conhecimentos e construir saberes. Analisando as falas dos sujeitos em período de tempo distintos, foi possível perceber o real sentido atribuído ao Estágio na vida profissional destes, a importância do acompanhamento direto e olhar sensível a um momento de insegurança e talvez decisivo para um futuro profissional docente.
A fala dos entrevistados mostra que o momento do estágio proporciona muito mais que o contato com a sala de aula. O Estágio em Educação Infantil para a formação dos estudantes, possibilitou a mobilização de saberes essenciais para a atuação docente, que só se torna possível mediante a ação, que consequentemente, provoca a reflexão na atividade.
O contato com os sujeitos possibilitou compreender a importância da supervisão docente durante a etapa de estágio, os sujeitos revelam informações pertinentes à particularidade vivida por cada um, como exemplo: os saberes construídos ao longo da experiência, a importância do estágio para a formação, e as relações construídas ao longo do estágio. O que nos fez rememorar junto com os sujeitos este período de nossa formação.
O estudo teórico, concomitante com a imersão na realidade estudada, é essencial para um aprendizado significativo, acreditamos que um estágio que é ofertado nos períodos finais do curso, inviabiliza maiores construções e articulações na construção da docência e de uma identidade pedagógica, especificamente no Estágio em Docência na Educação Infantil, objeto de estudo deste trabalho, consideramos que uma carga horária de 90 horas no 7º ou 8º períodos é suficiente apenas para uma aproximação superficial da função docente, atentando para a complexidade que envolve a profissão, todavia, este é um tempo e espaço indispensável para a formação profissional de professores(as).
Portanto, a análise dos dados revelou que o Estágio em Docência na Educação Infantil contribuiu para a constituição da docência dos alunos e alunas egressos do curso. Mas não podemos negligenciar o impacto que a carência de acompanhamento eficiente durante o Estágio pode causar na vida futura profissional do(a) estudante. Espera-se que este trabalho contribua para o fomento de novas discussões sobre os impactos do estágio na vida dos futuros professores da Educação Infantil.
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Notas
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